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13 janeiro 2017

FARDA ENGOMADA E MARCHA DO PATO

Imagem capturada no Google.
Ernande Valentin do Prado

O sargento Mendonça era o terror dos recrutas do PELOPES e de toda a Primeira companhia. Era o zero 6 da Escola de Sargentos das Armas (ESA), posição muito difícil de alcançar. Nas instruções de tiro de morteiro, por exemplo, tentava nos ensinar a fazer cálculos matemáticos complicadíssimos, que ninguém conseguia entender. Na instrução de rastejo, ficava em pé olhando e comandando, jogando lama nos soldados, enquanto se mantinha com o coturno brilhando e a farda impecavelmente engomada, como só o Caires conseguia, entre os soldados.
Aliás, farda engomada rendia elogios aos soldados. Nas formaturas das manhãs do 30, o coronel em pessoa ou quem estivesse no comando, passava revista na tropa e anotava em um caderninho os soldados com a farda melhor engomada e os que estavam mal apresentados: coturno sem brilho, barba sem fazer, cabelo sem cortar, fivela suja, farda sem passar. Os bem apresentados eram elogiados no boletim e quem estivesse mal apresentado poderiam até ser punidos, além de mencionados no boletim.
Fui participado por estar com a farda engomada uma vez, mas tinha pegado a farda do Caires emprestado, não lembro porquê. Ele, além de um dos atletas mais completos do batalhão (só não aguentava correr) era tão bisurado que deixava uma farda sempre pronta para as formaturas, depois trocava para não sujar. Às vezes emprestava para companheiros em apuros e uma vez fui eu quem precisou e foi aí que tive uma participação por elegância no desfile de modas do quartel (para mim mais um símbolo da futilidade do EB).
Pelas atitudes, que muitos consideravam pouco operacionais do sargento Mendonça, ele não era muito estimado ou invejado pelos soldados. Todos reconheciam sua inteligência, capacidade cognitiva, mas se tivessem que ir para uma batalha, ninguém o escolheria como superior, alias apostavam que ele seria abatido na primeira meia hora de luta. Atitude bem distinta tinha o sargento Borba, o zero 7 da ESA, que executava cada uma de suas ordens e tinha um método totalmente diferente para lidar com os soldados, ensinar o uso do morteiro. Borba, se comandava rastejo por dentro de um chiqueiro, ia na frente, mostrado como deveria ser. Essa atitude ética lhe dava muito respeito, até por quem, como eu, desprezava a vida militar.
Uma vez, estando de plantão na companhia, sargento Mendonça apareceu embaixo da rampa que dava acesso ao primeiro andar e gritou:
- Plantão, diz para descer um voluntário aqui, agora.
Olhei para os soldados vendo TV e transmiti as ordens do sargento. Ninguém se mexeu, continuaram nos mesmos lugares, evitando até respirar para não chamar atenção. Urgo e Marcão levantaram e correram para o banheiro, silenciosamente, talvez prevendo o que acabaria acontecendo.
- Plantão, não tem ninguém aí?
- Tem, sargento, mas ninguém é voluntário.
- Quem tá aí na sua frente, fale o nome de um.
- Martins, senhor!
Martins olhou imediatamente para mim, como quem diz: tinha que ser eu?
Respondo do mesmo jeito, fazendo careta, como que dizendo: entrei em pânico e você estava mais perto.
- Martins?
Grita o sargento.
- Senhor!
Responde o soldado.
- Vem aqui embaixo, agora.
Martins saiu correndo para tender o sargento. No meio da rampa o sargento grita:
- Já vem na marcha do pato.
Martins, sem pensar, dobrou os joelhos, levou as mãos na nuca e desceu a rampa, uma figura ridícula, a famosa marcha do pato. Para mim esse tipo de ordem, marcha do pato, sempre foi um exemplo da idiotice militar.

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

13 junho 2014

O ROQUE E EU

Faz alguns dias que o Roque me disse que tem diabetes. O médico da empresa lhe passou uma medicação de mais de 100 reais. Absurdo, eu disse. Dê ai seu endereço completo que vou lhe conseguir uma consulta em uma Unidade de saúde de Curitiba.
Primeiro Roque disse que não queria incomodar, que isso daria trabalho. Mas insisti, disse que falaria com um amigo que ajeitaria as coisas. Aí ele disse:
- Eu odeio médico. Respondi que meu amigo é enfermeiro.
- Eu odeio Enfermeiro também, disse Roque.
Fiquei preocupado, mas a vida é assim mesmo. O Roque vai sobreviver.
Mas quem é o Roque?
Bem, o pai dele é o Diabo, disse Raul, sendo assim eu morava ao lado do diabo quando era adolescente. A porta da cozinha de minha casa dava para porta da sala do Roque, em um conjunto habitacional em Pirapó, distrito de Apucarana, no norte do Paraná. Temos a mesma idade e servimos no mesmo quartel - Trigésimo Batalhão de Infantaria Motorizada (30° BIM). Mesma companhia: 1ª companhia – vanguardeira. Ele no terceiro pelotão e eu no Pelotão de operações especiais (PELOPES) - onde ninguém queria estar: lembram-se do treinamento mostrado no filme Tropa de elite?
O treinamento do PELOPES era bem parecido. Foi, talvez, o pior ano de minha vida. No final, próximo da gente finalmente deixar o exercito, fui preso por zombar do coronel ou de um sargento (não lembro mais). Era fim de ano, festas natalinas e, nessa época, alguém sempre faltava à guarda no final de semana. Tanto no Exército quanto na Enfermagem, se alguém falta, outro tem que substituir. A guarda não para. Um soldado teria que perder o domingo (ou o natal) e desta vez quem se deu mal foi o Roque.
Quando fiquei sabendo quem teria que dobrar a guarda, avisei:
- Fale para o Borba (Sargento) que eu fico no seu lugar (não era nada de mais, eu já estava preso mesmo, teria que passar o domingo na cela). Roque falou! Mas Borba contra argumentou:
- O Prado? Ele não foi voluntário nem para servir. Imagina se vai ser voluntário para dobrar a guarda!
De fato. Não fui voluntário. Sempre odiei a ideia até de usar farda. Fiz tudo que podia para escapar, mas não deu. Muitos garotos, como eu, vão forçados para o quartel, porém, uma vez não podendo sair, são forçados a declararem-se voluntários, sob pena de aumentar o sofrimento. Naquele ano, 1988, apenas dois soldados não se declararam voluntários até o fim do ano. Eu e outro louco que nunca cheguei saber quem era. O Batalhão era enorme, mas diziam que era um cara da Companhia de Comandos e Serviços (CCS) e que vivia preso, que até já tinha batido em um sargento, mas acho que era tudo lenda. Mas a coisa era tão sinistra que volta e meia, até o último dia de quartel, soldados, cabos, sargentos, tenentes e capitães continuavam me questionando sobre eu ser voluntário. E eu neguei até o fim:
– Estou aqui obrigado. Mas fui voluntário para dobrar a guarda, mas isso porque era o Roque quem seria condenado.
O Roque odeia Enfermeiros, mas eu continuo amando o Roque.

 [Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

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