Querido
amigo,
Preciso ir
a Barretos prá lhe ver, abraçar, ficar de mãos dadas, conversar tudo e
conversar nada.
Não é
você que precisa que eu lhe visite, sou eu que preciso de você, muito embora eu
fale pros meninos e prá quem lhe conhece que você precisa das amigas nessa fase
da sua vida. Eu sei que torci a verdade... eu necessito do seu calor gential,
de gente gentil genial, gente.
O face e
o watts já não bastam. Mesmo quando fazemos vídeo não sinto o movimento rápido
dos seus olhos, o afago das suas mãos e o movimento do corpo vindo para o
abraço... num dá, compa! Quando o amigo adoece, sou eu, aparentemente sã, que
preciso do seu esperanceio...
Hoje
estive pensando que amizade é uma forma de amor, desses que não há exigências
nem interesses para estar juntos. Na verdade, na verdade mesmo, provocada pelo Hédio
que não identifica o interesse na amizade que me une à Sola, pensei cá comigo:
meu interesse na amizade é grande... não sou desinteressada messssmo! Sinto-me
segura em saber que fios de aço e seda - invisíveis aos demais - estão do outro
lado me abastecendo de afeto e cuidado. Só saber que estão aí, os amigos nem
precisam estar aqui.
Mas você
preciso estar face-a-face!
Desde que
soube que o câncer lhe encontrou lembro dos combinados de comemorarmos nossos
aniversários juntos.... VIAJANDOOOOOOO... e ainda não o fizemos... tá... já sei
que as dores que sente já não permitem horas de voo, nem tampoco viagens largas
de carro... então vamos ter que viajar juntos de outras maneiras... e, sendo
nós dois, tão sonhadores, até música nos põe a turistar... E Cuba.. como iremos?
Pensei em
levar sopa paraguaia ou carne de sol para o arroz carreteiro. Só que ainda não
consigo conversar sobre o que não pode comer... ainda não me preparei prá essa
conversa. Lembro de um tempo em que íamos a restaurantes e a pores-do-sol em
Brasília e em Campo Grande e nos lambuzávamos de gozos visuais e gastronômicos
e conversávamos de quase tudo...
Pensei
que talvez eu não consiga ser a alegre saltitante e sarcástica piadeira durante
minha estada com você... e, então, convidei o Chico prá ir. Ele, quando
encontrar você, vai provocar celos em mim... vão ser tão amigos que vou ter que
me conformar em ser mais uma na vida de vocês... Acho que essa é outra função
da amizade... apresentar um amigo para outro amigo e, olhando contra a luz, ver
que sua teia aumenta em gramatura de fios... Já achei mais uma função da amizade.
Ah,
também convidei a Cida para ir conosco até Andradina e, na volta a pegamos. Ela
é da região do Brasil caipira que tanto gosto. Lá tem o homi que inspirou o rei
do gado... imagina que o cara, dono de milhares de vacas foi discriminado
porque não era da elite do café... é cada coisa nesse Brasilllllll. A forma de
vencer a discriminação é que era rico e podia comprar muita coisa, inclusive o
café dos outros... e, virou estátua como símbolo da cidade. É cada jeito que
rico tem de enfrentar a discriminação.... kkkk nóis é que sifu, mermão!
Estou
preparando as músicas para ouvir... ainda lembro das fitas cassete do caminhão
do papai... um mercedes benz 1313 com toca-fitas. Ele sempre tinha uma caixa
delas. Pensando bem, acho que isso era quando eu era maior, pq quando eu era
pequena, o que eu tinha mesmo era meu pai cantando Milionário e Zé Rio, Lio e
Léo... não lembro direito, mas tinha também a Inezita, Cascatinha e Inhana,
Luiz Gonzaga...ainda sei as letras de várias músicas... e viajar é sempre
lembrar da boleia do caminhão. Mamãe e eu íamos juntas com o papai levar
madeira de Itaporã para São Paulo.
Sabe o
que tenho pensado aqui? Se o papai
canta “Índia” será que ele previa que ia ter uma filha guarani?... lembro que
ficava vermelho de tanto cantar alto junto conosco... a poesia ainda me põe a
pensa sobre o cheiro da flor. Às vezes, quando converso com a Geise a música
toca na minha cabeça e fico a ronronar... Ah, você lembra da conversa da dupla
ser negra ou indígena ou misturada? Eita que a gente tem papo prá sempre em
nossas vidas.
O Brasil
caipira vive em mim...talvez seja por isso que me irrita tanto o tal do
sertanejo universitário que nem sabe os significados de luar do sertão... e
fica cantando por aí prá vender lives... oh capitalismo bosta que toma conta
até os nosso sentimentos e da nossa história... sabem lá o que era nós três
cantarmos “a moda da pinga” encenando enquanto passávamos perto de São Roque
prá comprar vinho de garrafão?
Mas
afinal, amigo, como é que vou chegar até você? Ainda ontem, procurando na internet a
estrada que vamos seguir, fiquei surpreendida... ou se vai à cidade dos rodeios
riquíssimos ou se vai à cidade que está incrustada sob o signo de câncer...
nosso signo...
Que porra é essa que
a pessoa que sabe do rodeio só fala do câncer com os artistas que fazem show e
dão dinheiro para o hospital e, quem sabe do hospital do câncer (ainda estou
pensando sobre essa história de hospital do amor) pensa no rodeio como algo
distante de si? Conversei com motoristas do SUS, de municípios pequenos daqui
de Mato Grosso do Sul que levam os doentes de câncer, a maioria nunca foi no
parque do Rodeio...
Oh trabalho ardido
esse de motorista do SUS... bem diferente do meu pai que levava madeira e
pensava que estava “desenvolvendo” São Paulo... e, nem sabia que estava participando
mesmo era dos desastres ambientais do Brasil... imagino uma conversa do Mário
Mantovani com o meu pai... como seria? Sim, papai foi um homem do seu tempo...
a natureza como infinita, São Paulo como centro do mundo... Você acha que ia
ser de acolhida ou tolerância esse papo?
Amigo, uma coisa
que ainda falta... qual é a entrada de Barretos que vou ao seu encontro? Vai que
vou prá cidade do rodeio e encontro um heterossexual, limpinho, bem humorado,
que não bata em mulher e não tenha votado no enfaixado de presidente e fique
por lá... melhor me falar certo... senão posso ser abduzida para um mundo e me
alienar do outro! Kkkkkkkkkkk em todos os sentidos da alienação!
A gente vai tomar
vinho, cerveja ou água? Ou os três? Vamos fazer lista de assunto... já vi que dois
dias serão nadica de nada... mas temos uma vida inteira ainda... kkkkk não sei
o que isso significa mas é bonito de falar!
Saio amanhã cedo,
mas já estou aí há mais de um mês... desde que me decidi ir alimentar-me de
você!
Manda a praca da
estrada, criatura! Kkkkkkkkkkkk que aqui já tô cantando
Estela
Márcia Rondina Scandola, 57 na inteireza de mulherices, publica no Rua Balsa
das 10 aos domingos, ainda como convidada.