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14 maio 2014

Silêncio das línguas cansadas

 
Imagem: http://blogs.fco.gov.uk/nicolearbour/2013/09/28/dementia-a-global-challenge/

 "Quando eu estava saindo de uma casa de idosos na zona rural da Irlanda, um médico me disse: sabe, uma das últimas coisas que uma pessoa com demência perde é a sensação do toque, por isso é muito importante você tocar seus pacientes nesta fase da vida".

Com estas poucas palavras que eu comecei a perceber o quanto isso pode explicar para nós. Uma das nossas primeiras sensações da vida é o tato, e no fim de tudo é a mesma sensação. A sabedoria de sentir antes de falar. Mas conforme vamos crescendo o toque vai ficando cada vez mais raro, às vezes o símbolo de uma grande amizade acaba se transformando em apenas um aperto de mão. E vamos começando a  se acostumar a não sentir. Saímos do colo de nossos pais e vamos “aprendendo” que muita proximidade as vezes é até “mal educado”.

No entanto, a sensação do toque continua a ser importante, mesmo que no nosso inconsciente . As pessoas com demência não perdem a capacidade de emoção humana ou reconhecimento de um toque de carinho. Provavelmente uma das sensações importantes que os médicos precisam resgatar em sua prática. O tato é fundamental, mesmo que seja apenas sentindo o pulso.

Na música “Casa no campo” de Zé Rodrix ele fala do “silêncio das línguas cansadas”, algo pouco comum na nossa sociedade hoje. Porém, quando um processo de demência começa, esse silêncio faz mais sentido. O cuidado muda de forma também, o silêncio das línguas cansadas nos faz tentar nos aproximar de outras maneiras das pessoas

Às vezes, as palavras perdem seu sentido, bem como a comunicação (que parece muitas vezes estar atrelada ao conceito da fala) com o paciente se transforma na comunicação corporal. Embora, a pessoa com demência  fique muitas vezes isolada das conversa,  e  se perca o ponto de referência que é escutar, o que aprendemos é a importância de sorrir, de dar as mãos e abraçar – ser humano sem falar.

Algumas vezes penso que as palavras deixaram o cuidado mais distante. Provavelmente , a importância do toque continua para todas as pessoas desde a infância, mas mascarado pelas palavras. Mas ao encontrar um paciente em processo de demência temos a chance de redescobrirmos a nós mesmos e o nosso tato. Por isso, línguas cansadas ou não ainda se pode dizer muito com o toque.


 [Mayara Floss publica na Rua Balsa das 10 às 4as-feiras]

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