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16 outubro 2019

(im)paciente

Fashion Link: Vadis Turner
Quadro em fita de Vadis Turner


Nesse tecido que sai da tua boca
Na pele das palavras
Eu toco, afundo, mergulho
Escuto com o estômago
Desço até dentro de mim
E depois começo a nadar
a remar, 
puxo o ar
Às vezes não chego na superfície
Fico submersa
Amarrada na lã da história
Nem desisto, nem prossigo
Apenas procuro fôlego
Às vezes não encontro nem ar.
Nem resposta. Permaneço.

Abraços que pousam,
Mayara Floss

13 março 2019

Arroz



Ela me explicou sobre o erro médico e sobre humildade:
- Se eu que sou uma cozinheira de mão cheia às vezes queimo um arroz, um médico que é um médico também erra. Agora o melhor é reconhecer e acertar, eu não vou servir arroz queimado, ele não deve ser cabeça dura.


(21/01/19)

Abraços que pousam,
Mayara Floss

19 setembro 2018

The impossible world

The impossible world

São Paulo, September 19, 2084

“ Are you sure about that?”, the man asks the woman, while holding their three-year-old son in his lap. 

“There's no turning back now. Maybe Jimi can come back, but only if Earth improves.” She caresses her son.

“I'm scared of the trip,” he says.

“You won’t even see it, we’ll be in the cryoimmersion,”she responds.

“True,” he says. But the whole idea does not please him, he imagines them entering the camera. This image keep petrifying him and it leaves a silent void in the conversation. 

“At least I booked the three of us together in the same camera,” he compliments himself, thinking of the extra cost for a family camera.

The woman sighs and says sharply,”Why do you always have to be so weak? There is nothing to do, the Earth is not a human place anymore.” ,“I know the Earth doesn’t work anymore, that's why we're boarding here. But I'm gonna miss it.” he says with his eyes downcast.

“You miss a place that no longer exists, look out the window, she says skeptically. He looks out the dry window, his eyes are dry, the cough is dry, the air is dry, life is dry.

“Earth has overheated and nature will have to make peace with what humanity has done. We are making the right decision and we have money to get a good condominium on Mars.” She holds his hand. 

“We live in an impossible world,” he says, repeating the Mars Travels Company advertisement that enters through his retina. He even begins to remember the arguments that it is good to leave Earth; to let it rebuild itself andone day humanity will return. A part of humanity stays, he thinks. In fact, those who do not have the money stay will continue to live in the impossible world. Only a few poor people who get scholarships from Mars Travels get to live on Mars. So the company avoid taxes and does a "good deed”.

He closes his eyes, but even so the image of the dry land disappears. He still remembers 2040 when he was younger and was able to see some of the nature in the parks, his mother said to him that it was not so beautiful anymore, but even so when it rained he smelled fresh from the wet earth. Now it just raises acid that burns the nose.

“Passengers on flight MT1984 please proceed to gate B24 for Boarding. Please have your international passport in hand. First will be the boarding plus and priority customers,” says the woman’s voice on the speaker.

English Review Alice McGushin
Flying hugs,
Mayara Floss

O mundo impossível

O mundo impossível por Mayara Floss

- Você tem certeza disso? - o homem pergunta para a mulher enquanto segura o filho de três anos no colo.
- Agora não tem mais volta, talvez Jimi possa voltar, mas só se a Terra melhorar. - ela acaricia o filho. 
- Estou com medo da viagem. - ele diz.
- Você nem vai ver, vamos entrar na crioimersão - diz ela.
- Verdade - ele diz mas  a ideia toda não agrada, ele imagina eles entrando na câmera deixando um vazio silencioso na conversa. - Ao menos marquei para fazermos a crioimersao os três juntos na mesma câmera. - complementa pensando no custo extra para uma câmera familiar.
A mulher suspira e diz:
- Por que você sempre tem que ser tão fraco? Não tem o que fazer, a Terra não dá mais. - ela fala de forma incisiva. Ele responde:
- Eu sei que a Terra não dá mais, por isso que estamos embarcando aqui. Mas vou sentir saudades. - diz com os olhos baixos.
- A saudades que a gente sente é de um lugar que não existe mais, olhe pela janela. - ela diz cética.Ele olha pela janela seca, os olhos são secos, a tosse é seca. 
- A Terra esquentou demais a natureza vai ter que fazer as pazes com o que a humanidade fez, estamos tomando a decisão certa e temos dinheiro pra conseguir um bom Condominio em Marte. - e segura a mão dele. 
- Vivemos em um mundo impossível. - ele diz, repetindo a propaganda que entra pela sua retina da Marte Travels. Ele inclusive começa a lembrar dos argumentos que é bom sair da Terra para deixar ela se reconstituir, um dia a humanidade volta. Uma parte da humanidade fica, ele pensa. Na verdade, quem não tem dinheiro fica. Fora as pessoas que ganham bolsas da Marte Travels para viverem em Marte. 

Ele fecha os olhos, mas nem assim imagem da terra seca desaparece. Ainda lembra de 2040 quando era mais novo e conseguiu ver um pouco da natureza nos parques, sua mãe dizia que não era mais tão bonita, mas ainda assim quando chovia levantava um cheiro fresco da terra molhada. Agora só levanta ácido que queima o nariz.

- Passageiros do voo MT1984 por favor dirijam-se até o portão B24 para Embarque. Por favor, tenham em mãos o passaporte inteplanetário. Primeiramente será realizado o embarque de clientes plus e prioritários.- diz a voz feminina no alto-falante. 

Abraços que pousam,
Mayara Floss

12 setembro 2018

TCLE

Ilustração: Pawel Kuczynski


Os pais sentam no escritório, o médico está por vir , a mãe segura o bebê recém nascido com força enquanto embala num ritmo que é mais para tranquiliza-la do que para tranquilizar o bebê, não fazem nem 48hs que ele nasceu. Eles postergaram ao máximo essa decisão. No hospital tudo parece áspero, as paredes azul claro, as janelas para um mundo quente e impossível de um ano quase impossível: 2084. A mesa branca áspera separa a cadeira dos pais e a cadeira do médico. Tudo precede a decisão que ainda não foi tomada.

O médico abre a porta dos fundos do consultório sem bater nem avisar, tem certas coisas que nem o tempo resolve, o que faz o homem e a mulher darem um sobressalto, por sorte o bebê não acordou, mas os olhos da mulher já usaram esse pressuposto para encherem de água. O médico de camisa sem botões, a mais nova modernidade desta era e uma calça super slim também da mais última moda. Ele tem um sorriso grande olha com comoção para os pais falando: 

- Senhor e senhora Silva, bom quase já não acontece mais nos dias de hoje, mas vejo que vocês estão em duvida em relação ao termo de consentimento livre e esclarecido e colocam em risco o futuro do filho de vocês.

O pai tenta falar mas falha a voz:

- É-é-é que não estamos certos se a colocação do implante é uma boa ideia. 

O médico olha para eles: 
- Qual é o medo de vocês?

A mãe fala:
- O implante parece ser seguro, mas temos medo que o nosso filho possa também ser controlado por ele.

O médico então segue:
- Em relação ao procedimento é extremamente seguro, cerca de 45 minutos e o, como é mesmo o nome dele? - e olha os formulários - Ah sim o Gabriel, poderá desfrutar de uma vida normal com acesso a informação direto no telencéfalo dele, basta pensar para fazer as conexões. A grande vantagem é que quanto menor a pessoa mais facilmente se adapta a transformação. Eu por exemplo coloquei o implante com três anos apenas e precisei de pelo menos toda a minha infância para lidar bem com ele. - os pais assentem com a cabeça, o médico faz mais uma observação: Vejo que vocês decidiram por não usar o implante.

O pai diz ajustando o óculos tecnológico que busca informações e interage com a lente em sua Iris enquanto escuta o médico:
- Não, na nossa época o governo não fornecia gratuitamente como agora. Nos mantivemos como Androids tipo 1. 

O médico diz:
- Ah sim, certamente, mas então seguindo a grande vantagem é que todas as crianças agora serão muito mais competitivas e o filho de vocês não conseguirá acompanhar o nível educacional se não colocar o implante. Vocês poderão dar um futuro para o filho de vocês. Se não ele será um excluido digital, como já existem muitas crianças em países menos desenvolvidos.

A mãe diz:
- Sim, estamos acompanhando as propagandas na nossa retina. 

O médico segue:
- Ele poderá ter acesso às informações instantaneamente, e irá processa-las muito mais rapidamente, com a energia do cérebro dele e irá desenvolver-se muito bem.

O pai pergunta:
- E qual a sua opinião sobre a Síndrome de Excesso de informação?

O médico diz:
- Aguarde um segundo vamos conectar nossos dispositivos e vou mostrar algo para vocês.

Uma sequência de imagens envolvendo os pais e a criança começa a aparecer na retina dos pais e do médico, e os implantes cocleares começam a vibrar com as informações sobre o futuro da criança, cuidados para evitar a síndrome do excesso de informação e claro, no final, eles aparecem abraçados e felizes com um possível Gabriel já crescido, que já muito se assemelha ao que será o real Gabriel, pois todos os bebês agora tem leitura de código genético fenotípica prévia. É claro que o logo do laboratório BB aparece no final. 

- Perfeito não? - Diz o médico - para vocês concordarem com isso basta assinarem esse termo de consentimento livre e esclarecido digital. 

- Está é uma bela demonstração de amostra grátis do laboratório BB - diz o pai. O médico sorri e pega uma caneta digital, um ato simbólico nos dias de hoje, que estava no bolso e estende para a mãe, não sem antes dizer - pelo futuro do seu filho. 


Abraços que pousam,
Mayara Floss

16 maio 2018

Acesso


"Nós gastemo três safras no médico particular."

- Das dificuldades do dia-a-dia.

Abraços que pousam,
Mayara Floss

26 abril 2018

Francesa Alta


Dos trabalhos em equipe e das alegrias de escrever e ser chamada para escrever. Seis meses de produção, estudo e aprendizado. Grata pela equipe e pelos afetos que construiram o "Francesa Alta". 

Abraços que pousam,
Mayara Floss

10 janeiro 2018

O ÚLTIMO ACAMPAMENTO

Companheiros de farda, 2008. 
Ernande Valentin do Prado

 No dia do ataque ao morro, papel que deveria ser desempenhado pelo PELOPES, naquelas manobras do batalhão, o tenente inventou de fazer uma emboscada. Partimos de madrugada e nos posicionamos no entorno de uma estrada que dava acesso ao acampamento inimigo. Segundo o tenente, por ali, antes do sol clarear passariam dois pelotões de reforço ao inimigo e iriamos capturá-los.
Nos posicionamos num elevado e, com a noite clara, céu estrelado e lua cheia, via-se um longo trecho da estrada de chão batido. Se as tropas viessem por ali, veríamos de longe. Mas para ver, enxergar o inimigo que passariam pela estada a nossa volta, era necessário estar acordados, mas nem todos os soldados sabiam disso.
Do meu lado esquerdo estava o Sargento Borba, do direito, Marcão, logo depois dele o Jorge. Marcão, tão logo se jogou no chão já começou a dormir, apesar do orvalho gelado. Todos os soldados que eu podia ver estavam dormindo ou cochilando. Sargento Borba ia de um lado para o outro, sempre resmungando, chutando um e outro para que acordassem, até que deve ter se cansado. Jogou-se ao meu lado e disse baixinho:
- Prado, tá acordado?
- Tô, sargento, respondi, sem tirar o olho da estrada.
- Acorda o Marcão! Tá todo mundo dormindo pra todo lado, mas esse filho da puta tá até roncando, vai denunciar nossa posição. Acorda, se não vou dar um tiro nele.
Fiquei ali acordado, ouvindo o Sargento resmungar, o Marcão roncar, olhando Jorge, que também dormia e sem tirar o olho da estrada, por onde o inimigo deveria passar. Mas o dia amanheceu, o sol nasceu lindo e nenhum inimigo foi emboscado.

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]


20 dezembro 2017

Onze e meia

Ruralices. Foto: Mayara Floss
O conflito familiar na casa de interior era sério. Ex-esposa, plantação de milho, vacas para tirar leite. Mas, depois do AVC do companheiro ele não queria mais sair de casa. Já há mais de um ano de companheira para cuidadora oficial, ela já dizia repetidamente: “Não aguento mais”.
Entre conversas descubro um grande motivo de chateação, ela ia perder o casamento da sobrinha. Pergunto porque não ir, ele muito teimoso diz:
- Não, é muito long -.
Ela já com o vestido pronto, com a carona arrumada, tudo organizado, balança a cabeça. No final, decido prescrever na receita: “Ir no casamento da sobrinha”.
Ela pendurou feliz na porta da geladeira, destemida.

Hoje eles vieram até a unidade e perguntei:
-Foram ao casamento?
Ele responde feliz:
- Fomos!
Sigo:
- E como estava? -.
- Muito bom, nunca mais um casamento como aquele. - Ela sorri e diz: - Nunca mais.
Ela emenda:
- A gente não se sentiu pequeno, se sentiu gente, foi muito bom. .
Pergunto:
-Ficaram até o final?
Eles estufam o peito:
- Até às onze  e meia!

Abraços que pousam,
Mayara Floss

13 dezembro 2017

Sonhos e oxigênio

"Se cada dia cai, 
dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência."
Pablo Neruda

- E você tem ainda algum sonho? - Pergunto para a paciente com oxigênio e muita dificuldade para respirar.
- Sonho, sonho eu não tenho… - ela diz.
- Hmmmmm… - espero nas reticências e ela responde:
- Eu queria até procurar um namorado, mas eu assim desse jeito não vai dar. - e aponta para o os tubos do nariz com um riso largo e risada alto, apoiando-se com as duas mãos no sofá e caindo a saturação de oxigênio.

Não importa, ri da sua doença, ri para a vida, na transcendências dos caninhos e caminhos do tubo de oxigênio.

Abraços que pousam,
Mayara Floss

06 dezembro 2017

Sangrando


- Posso comprar Citotec?
- Essa é uma escolha sua...
- Mas eu não tenho dinheiro, não tem como por um menino no mundo... Eu tenho dó, mas não tenho como sustentar, trabalho demais e já têm as duas meninas, me separei.

Balanço a cabeça e ela segue. 

- Um cara do Paraguai tem, é 400 reais, melhor agora que mesmo que não tenho do que não ter o que dar de comer pra frente.
...
- Doutora, você sabe se sangra muito?

Abraços que pousam,
Mayara Floss

22 novembro 2017

Conhecer o mar

Dos muros de Caratinga-MG.

Pro sofrimento que é a roça não é fácil
Meu piá reclama: mãe nunca vou ir na praia ver o mar?
Ele é filho de agricultor.
Já segurei um (dos filhos) na roça e me arrependo
É muito serviço em casa.

O piá mais novo é estudioso, espero que ele conheça o mar.

Cunha Porã 18/10/2017

Abraços que pousam,
Mayara Floss

15 novembro 2017

Lost in translation

Ruralices da madeira da casa.

(Título em português: perdida na tradução)

Eu tomo um chá para soltar o intestino.
Qual o nome?
Só sei em alemão.
Vixi, mas me conta igual.

É Peragralg, de uma florzinha miúda que dá perto dos potreiros.

Abraços que pousam,
Mayara Floss

01 novembro 2017

Desvio de septo

Ruralices e respiração

O senhor de 68 anos reclama de dificuldade para respirar. Vou examinar e percebo um desvio de septo com oclusão total de uma narina. Pergunto se ele sabia disso, ele me diz:

- Mas doutora, a senhora foi a primeira que olhou meu nariz!

Abraços que pousam,
Mayara Floss

25 outubro 2017

Cuidado

Foto: Ruralices no Ratones

Eu não dou conta de cuidar dele, da casa e de tudo.
(Diz ela com o marido que sofreu  uma isquemia cerebral)
A família meio que abandonou, sou a segunda esposa. 
Estou procurando alguém para comprar as vacas.
Não é fácil viver na roça.

Abraços que pousam
Mayara Floss

18 outubro 2017

Curva

Ruralices de Caruaru


O que aconteceu???
Doutora, cai na curva!

E mostra os dedos e joelhos ralados. 

Abraços que Pousam,
Mayara

13 setembro 2017

Raízes

Imagem retirada da internet. 

Nas conversas no interior de Pinhalzinho meus primos e tios riram lembrando de uma história de quando era pequena, ali pelos dez anos . Minha tia me mandou dar comida para o porco, um balde cheio de soro de leite que tinha sobrado do cuidado com o leite naquela manhã depois de eu ter participado da ordenha das vacas, num daqueles chiqueiros arranjados em cima do açude, tinha uma trilha estreita de diferentes tipos de madeira (recicladas de outras  construções), algumas pintadas de azul descascado, outras sem pintura, o açude me olhava enquanto equilibrava um balde bem grande que certamente para o meu tamanho eu podia quase caber dentro. 

Eu puxando com as duas mãos consegui levar o balde até à frente da porta do chiqueiro. O porco já começou a fungar de animação e eu pensando em algo como os desenhos animados da época "Cocoricó", sem entender que aquele porco estaria no prato depois. Enfim, olhei para o porco sem maldade e como não conseguia elevar o balde acima da minha altura para jogar no cocho, decidi que seria uma boa ideia abrir a porta do chiqueiro. 

Acabamos eu, o soro de leite e o porco no açude. Minha prima, da mesma idade que eu, confessou aos risos que jogava metade do soro de leite fora antes de dar para o porco para conseguir levantar o balde e dar ao porco. 

Eu e o porco fomos socorridos por meu tio  no meio do açude.

Abraços que pousam,
Mayara Floss

06 setembro 2017

O Fim da Vontade de ser mais


Caratinga-MG

Antes de partir de Caratinga onde estagiei com cuidados paliativos, Mônica a médica me entregou um livro e uma bola escrito “medicina”. “Para te acompanhar”, olhei para ela com significado, segurando o livro “O último sopro de vida” que ela disse “Achei que você ainda não tivesse lido esse, tem cara de ser bom”. O livro conta a história de um neurocirurgião que está com um câncer terminal e até o último momento tenta dar um significado a sua existência na escrita do livro. Comecei a lembrar dos pacientes que tentam dar um sentido para a sua existência até os últimos momentos também. 

Certamente esse significado não é da pessoa é meu, da família e perpassa todo o ninho de cuidado. 

Nos últimos dias de uma senhora que foi uma estilista, dona de uma loja de tecidos, empoderadíssima, ela não queria mais que fizéssemos a transfusão de sangue, escondia até os sangramentos para não preocupar os filhos, aos poucos todos fomos aceitando sua despedida. Ela me entregou sua bíblia, e advertiu “É bíblia de avó, está rabiscada por mim e pelos meus netos”. 

O fim da vontade de ser mais, também apareceu com um senhor que sempre trabalhou na roça, morava no alto do morro com sua esposa próximo ao filho, a casa era simples, com pedaços de panos pendurados para colorir, mas sempre tinha um café passado. Até que um dia não teve, percebíamos que havia dificuldades financeiras na casa até que ele explicou: “Sabe doutor, é que eu fiz uma conta muito grande na farmácia e não tem dinheiro para a comida” – fruto de internações recorrentes para tratar o edema e amenizar o câncer, além da Pressão Alta e diabetes mal controladas, pois não sabia ler e a cada nova receita ele colava o papel na porta de entrada e comprava os medicamentos (quase sempre os mesmos) novamente para desta vez melhorar, como não sabia a posologia acabava perdendo o sentido ao chegar em casa. Combinamos que aquele mês ele poderia pagar a conta que nós iríamos ajudar na casa, fizemos a feira e levamos lá, ele, sempre irreverente, falou que podia ter mais café. Mas estava feliz e repleto.

Teve um paciente que já não respondia a nada, não se movia uma dessas doenças complicadas. A esposa cuidava dele com carinho, as filhas, certo dia descobriram que eu fazia auriculoterapia, aí pediram para fazer nele. Eu fiz com carinho nele e na família, a esposa dele disse: “agora ele está mais bem cuidado”. Ele faleceu alguns dias depois, calmo e tranquilo.

Um homem jovem que morava com sua companheira e seu pequeno cachorro após resolvermos um pouco das suas dores queríamos ajudar ele a voar de paraglider, pois ele era piloto de Paraglider e adorava falar do vento, dos morros e do céu, tínhamos um plano de conseguir fazer ele ter forças para voar. Mas fomos surpreendidos com ele planejando o casamento com a esposa, apesar da vergonha por estar muito magro e parecer muito doente de terno. 

O último desejo de uma senhora, que nem era bem um desejo mas uma vontade, nem nós sabíamos que era o último era comer pudim. Bastou ela ver o pudim e sorrir. Chegamos na casa dela algumas horas depois e ela havia partido como um sopro. 

O senhor que sentou na beira da cama e que fizemos uma oração para quebrar uma maldição que ela acreditava ser a causa do seu câncer terminal, conversamos um pouco sobre como ele poderia se libertar e nos dias seguintes o estado geral declinou, aos poucos era muita energia para conseguir respirar. 

Teve uma senhora rodeada pelas irmãs que só sorria quando chegávamos. Sorria segurava nossas mãos e dava umas batidinhas. Era um sorriso feliz e repleto, até um pouco irônico sem mostrar os dentes. Quase sempre com os olhos fechados ela dava uma espiada para ver nós chegando. Não vi ela morrer, mas tenho certeza que foi sorrindo. 

Essas gentes sabidas, vivem até o último momento nos ensinando a queimar até o último lampejo a capacidade de encontrar um sentido no fim, tanto para si quanto para aqueles que os cercam. Entre viver e persistir, a vontade de ser mais vai ficando suspensa na respiração, até ela ficar lenta, ninguém morre inspirando, não que eu tenha visto, e sim com o último suspiro. 

Apesar de ser o fim, a vontade de ser mais continua nos outros, na família, amigos e equipe de cuidado. Na mãe que mesmo que perdeu o filho, segue a vida seu caminho sua arte, no neto que ainda tem muito que crescer e “é mais” desenhando personagens de Dragon Ball, no irmão que segue pescando, na filha que volta ao trabalho. A vontade de ser mais termina, mas não para. 

Abraços que pousam, 
Mayara Floss

30 agosto 2017

23 agosto 2017

Fábio



Cuidar dos pacientes no interior foi minha forma de voltar para a terra. Eu plantava fumo e hoje tento fazer os pacientes pararem de fumar.

Barão, jul/17

Abraços que pousam,
Mayara Floss

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