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A casa do chapéu. Desenho de Alice Bernini do Prado. Foto Ernande, 2016. |
Ernande
Valentin do Prado
Depois de muito tempo, ontem fui à missa, na
paróquia São Pedro e São Paulo, no Brisamar. No sermão o Padre José Carlos
falou sobre a importância de não entrar em pânico, de não se entregar ao
pessimismo neste muito tão atribulado, tão cheio de motivos para desesperança.
Verdade.
Cada vez que vou à missa, vejo as pessoas, os
ritos, as mensagens de amor ao próximo, de perdão e esperança, lembro do
sentido de comunidade, e do lado bom das igrejas. Depois, se passo a ir com
frequência, começo a ver as incoerências, os vícios, opressão e discriminação
de quem não pensa igual ao que “alguns” dizem que se deve pensar, deixo de ver
o sentido de comunidade, de amor ao próximo, de perdão e aceitação. É neste
momento que, para o meu próprio bem espiritual, deixo de frequentar a igreja.
Tive uma formação católica, fui batizado, fiz
primeira comunhão, fui crismado, frequentei grupo de jovens. Embora para eu não seja importante a igreja em si ou qual a religião, em nome de qual Deus se
esteja falando sobre amar o próximo, sinto-me melhor nos ritos católicos, até
por uma questão de familiaridade, por isso minha opção é, quando sinto falta,
frequenta-la.
Para ser muito sincero: não sei se existe esse
Deus que fala a Bíblia e, esse que fala os “cristão boca-aberta”: que prega o
ódio aos homossexuais, aos crentes do candomblé, do islamismo e de qualquer
outra religião, que tolera sem esforço os políticos corruptos, desde que não
sejam filiados à partidos de esquerda, que insistem que se deve ter ensino
religioso nas escola, que defende que o estado deve legislar com suas regras
para pessoas que não estão interessadas, que proíbe o livre arbítrio em relação
ao sexo e ao corpo, que aceitam que pastores devem ser milionários e sustentados
pela miséria dos fies, que acham que bandido bom é bandido morto, se esse é o
Deus verdadeiro, prefiro não o conhecer.
O Deus que aceito, independente da igreja, da
religião, só tem um mandamento: amar o
próximo como a te mesmo. Esse é o Deus que todos dizem aceitar, mas parece
que o próximo a que se referem não pode ser homossexual, nem mulher que gosta
de sexo, não pode ser do MST também, nem eleitor do PT. Nada diferente do que
fala Maturana, que diz que a ética só se aplica as pessoas de nosso círculo
próximo. E o amor, que grande parte aceita estender ao próximo, não tão
próximos, diz respeito as pessoas que não expões seus problemas, que aceitam
sem protestar seu lugar de subalternidade na sociedade. As ações demonstram que
o amor de que falam, esse tipo de crente, quando se refere aos pobres e
oprimidos da sociedade, diz respeito a dar esmola, nos momentos apropriados,
oferecer uma cesta de roupas sujas para lavar em troca de um prato de comida,
R$ 50 reais semanais para trabalhar de emprega doméstica. Jamais um pagamento
justo, jamais bolsa família, possibilidade de escola de qualidade para seus
filhos, sobretudo se for para eles disputarem vagas nas universidades com os
escolhidos.
Enfim, parece que se o amor ao próximo for
realmente de verdade, muitos fieis não poderão contar com “ajuda” quase de
graça para limpar suas casas, lavar seus carros, passear com seus cachorros. Mas
vamos esquecer tudo isso e lembrar de ontem: tenho lutado contra a sensação de
desesperança que insiste em se instalar em mim. Na missa, ouvindo Padre José Carlos, suas mensagens, o modo como as transmite com convicção, alegria e
entusiasmo, sinto que fica mais fácil resistir.
Entro pela ampla porta da frente, escolho um
lugar no meio da igreja, fico ouvindo os louvores, ontem tinha até sanfona e
triangulo, olho para os lados, imaginando quem são as pessoas que lotam a
igreja no domingo à noite, quais serão suas crenças, se sentem que podem amar
todos os próximos ou só uns ou outros (não consigo evitar). Escuto a missa, as
rezas, os evangelhos, o sermão. Misturo-me com todos, fazendo o mesmo que
fazem, embora não sinta nem creia em tudo.
Na hora de oferecer ofereço, na hora de se confessar e pedir perdão,
faço.
Tudo isso é bom, tudo isso é reconfortante,
independente das recompensas prometidas para outra vida, porque,
independentemente de ter ou não vida na próxima vida, se Jesus Cristo Morreu na
cruz ou ressuscitou no terceiro dia, ter uma fé, qualquer que seja, ajuda a
aguentar o absurdo da existência.
Na
igreja, percebi ontem, mais do que das outras vezes, que se pode fazer um
balanço da semana, confessar cada uma das vezes que perdi a paciência com as
pirraças de Alice, com as promessas que não se cumprem do corretor de imóveis
de quem alugo minha casa, do rapaz com quem estou trabalhando para finalizar um
site, mas que nunca fica pronto. Posso ver, de novo, o quanto sou intolerante,
o quanto me falta paciência, sabedoria para aceitar, porque nada disso depende só
de mim, por isso tenho que aceitar e contornar o melhor possível. O que nem
sempre consigo fazer.
Quando a missa terminou estava com a sensação
de que não tenho só motivos para confessar pecados, reclamar, chorar e me
desesperar, mas também muitos motivos para agradecer, como a família que
construí, a casa enfeitada que habito (agora próxima ao mar), aos amigos e o
quanto cada um deles se esforçam para me aceitar e ajudar nestes momentos de
desesperança. Voltei para casa imaginando que tenho mais uma semana para tentar
ser melhor.
Ao entrar em casa, não lembro mais da pirraça
de Alice para impor sua vontade, apenas do desenho da “casa do chapéu” que fez
para me presentear e que agora enfeita meu armário de livros.
Tudo isso em uma hora e quarenta e cinco
minutos de missa.
Volto semana que vem.
[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]