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01 julho 2016

ONTEM FUI À MISSA

A casa do chapéu. Desenho de Alice Bernini do Prado. Foto Ernande, 2016.
Ernande Valentin do Prado

Depois de muito tempo, ontem fui à missa, na paróquia São Pedro e São Paulo, no Brisamar. No sermão o Padre José Carlos falou sobre a importância de não entrar em pânico, de não se entregar ao pessimismo neste muito tão atribulado, tão cheio de motivos para desesperança.
Verdade.
Cada vez que vou à missa, vejo as pessoas, os ritos, as mensagens de amor ao próximo, de perdão e esperança, lembro do sentido de comunidade, e do lado bom das igrejas. Depois, se passo a ir com frequência, começo a ver as incoerências, os vícios, opressão e discriminação de quem não pensa igual ao que “alguns” dizem que se deve pensar, deixo de ver o sentido de comunidade, de amor ao próximo, de perdão e aceitação. É neste momento que, para o meu próprio bem espiritual, deixo de frequentar a igreja.
Tive uma formação católica, fui batizado, fiz primeira comunhão, fui crismado, frequentei grupo de jovens. Embora para eu não seja importante a igreja em si ou qual a religião, em nome de qual Deus se esteja falando sobre amar o próximo, sinto-me melhor nos ritos católicos, até por uma questão de familiaridade, por isso minha opção é, quando sinto falta, frequenta-la.
Para ser muito sincero: não sei se existe esse Deus que fala a Bíblia e, esse que fala os “cristão boca-aberta”: que prega o ódio aos homossexuais, aos crentes do candomblé, do islamismo e de qualquer outra religião, que tolera sem esforço os políticos corruptos, desde que não sejam filiados à partidos de esquerda, que insistem que se deve ter ensino religioso nas escola, que defende que o estado deve legislar com suas regras para pessoas que não estão interessadas, que proíbe o livre arbítrio em relação ao sexo e ao corpo, que aceitam que pastores devem ser milionários e sustentados pela miséria dos fies, que acham que bandido bom é bandido morto, se esse é o Deus verdadeiro, prefiro não o conhecer.
O Deus que aceito, independente da igreja, da religião, só tem um mandamento: amar o próximo como a te mesmo. Esse é o Deus que todos dizem aceitar, mas parece que o próximo a que se referem não pode ser homossexual, nem mulher que gosta de sexo, não pode ser do MST também, nem eleitor do PT. Nada diferente do que fala Maturana, que diz que a ética só se aplica as pessoas de nosso círculo próximo. E o amor, que grande parte aceita estender ao próximo, não tão próximos, diz respeito as pessoas que não expões seus problemas, que aceitam sem protestar seu lugar de subalternidade na sociedade. As ações demonstram que o amor de que falam, esse tipo de crente, quando se refere aos pobres e oprimidos da sociedade, diz respeito a dar esmola, nos momentos apropriados, oferecer uma cesta de roupas sujas para lavar em troca de um prato de comida, R$ 50 reais semanais para trabalhar de emprega doméstica. Jamais um pagamento justo, jamais bolsa família, possibilidade de escola de qualidade para seus filhos, sobretudo se for para eles disputarem vagas nas universidades com os escolhidos.
Enfim, parece que se o amor ao próximo for realmente de verdade, muitos fieis não poderão contar com “ajuda” quase de graça para limpar suas casas, lavar seus carros, passear com seus cachorros. Mas vamos esquecer tudo isso e lembrar de ontem: tenho lutado contra a sensação de desesperança que insiste em se instalar em mim. Na missa, ouvindo Padre José Carlos, suas mensagens, o modo como as transmite com convicção, alegria e entusiasmo, sinto que fica mais fácil resistir.
Entro pela ampla porta da frente, escolho um lugar no meio da igreja, fico ouvindo os louvores, ontem tinha até sanfona e triangulo, olho para os lados, imaginando quem são as pessoas que lotam a igreja no domingo à noite, quais serão suas crenças, se sentem que podem amar todos os próximos ou só uns ou outros (não consigo evitar). Escuto a missa, as rezas, os evangelhos, o sermão. Misturo-me com todos, fazendo o mesmo que fazem, embora não sinta nem creia em tudo.  Na hora de oferecer ofereço, na hora de se confessar e pedir perdão, faço.
Tudo isso é bom, tudo isso é reconfortante, independente das recompensas prometidas para outra vida, porque, independentemente de ter ou não vida na próxima vida, se Jesus Cristo Morreu na cruz ou ressuscitou no terceiro dia, ter uma fé, qualquer que seja, ajuda a aguentar o absurdo da existência.
 Na igreja, percebi ontem, mais do que das outras vezes, que se pode fazer um balanço da semana, confessar cada uma das vezes que perdi a paciência com as pirraças de Alice, com as promessas que não se cumprem do corretor de imóveis de quem alugo minha casa, do rapaz com quem estou trabalhando para finalizar um site, mas que nunca fica pronto. Posso ver, de novo, o quanto sou intolerante, o quanto me falta paciência, sabedoria para aceitar, porque nada disso depende só de mim, por isso tenho que aceitar e contornar o melhor possível. O que nem sempre consigo fazer.
Quando a missa terminou estava com a sensação de que não tenho só motivos para confessar pecados, reclamar, chorar e me desesperar, mas também muitos motivos para agradecer, como a família que construí, a casa enfeitada que habito (agora próxima ao mar), aos amigos e o quanto cada um deles se esforçam para me aceitar e ajudar nestes momentos de desesperança. Voltei para casa imaginando que tenho mais uma semana para tentar ser melhor.
Ao entrar em casa, não lembro mais da pirraça de Alice para impor sua vontade, apenas do desenho da “casa do chapéu” que fez para me presentear e que agora enfeita meu armário de livros.
Tudo isso em uma hora e quarenta e cinco minutos de missa.
Volto semana que vem.

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

04 dezembro 2015

CORRENTINHA DE CROCHÊ

Charge: ladrões de utopia[1]
Ernande Valentin do Prado

Em 1996, num sábado, por volta das 20 horas, as vésperas das eleições, entrei no comitê de campanha do Partido do Trabalhadores (PT) no Bairro Eucaliptos, na cidade de Fazenda Rio Grande, região metropolitana de Curitiba. Rosa e Salete faziam correntinhas de crochê embaixo da melhor lâmpada da sala, para amarrar as credenciais que seriam usadas no dia seguinte pelos fiscais e delegados do partido na eleição.
Alguém tomou para si a tarefa de confeccionar e imprimir, em casa, cada uma das credenciais que os militantes destacados para fiscalização das sessões eleitorais usariam. Ficou muito bonito, elegante, bem feito, expressava toda a dedicação da militância àquela campanha. Neila, Fernando e Ednei, colaram cada uma das figuras no papel cartão, que alguém trouxe de uma gráfica aonde trabalhava, já cortado no tamanho certo e com os furos por onde passaria o barbante.
Mas para Rosa e Salete, barbante era inaceitável:
— Fica feio, disseram elas.
— Vão dar conta de fazer correntinhas para todas as credenciais? Perguntei incrédulo e achando aquilo uma perda de tempo.
— Claro, já fizemos tudo isso, respondeu Rosa e Salete mostrou uma caixa com as credenciais e as correntinhas que já estavam prontas.
— Mas não têm nada mais importante para fazer, ainda indaguei, sem me dar por vencido.
— Não! Disseram de forma categórica.
Salete, Rosa, Neila, Fernando, Ednei, Dona Maria, Toninho, Samuel, seu Moura, Chico Bento, Abel, Santino, Bonette, Domingos, Zé Aparecido, Zé Francisco e seus irmãos, Vilmar, Emerson, Lirani, Dowglas, José Marcelo, Sirlei e mais duas dezenas de pessoas, que nem consigo lembrar os nomes, passaram o dia a disposição do partido: atenderam quem procurava o comitê atrás de informações, lembravam o local e o horário das votações, aonde cada militante deveria se posicionar no dia seguinte para o último esforço. Cálculos dos institutos de pesquisa diziam que 30% dos votos eram conseguidos na boca de urna, e ninguém fazia isso tão bem quanto a militância do PT. 
Rosa e Salte distribuíam o material aos militantes, orientavam como cada um deveria agir, quem procurar em caso de problemas, de precisar de mais material, a hora que chegaria o lanche, o companheiro de dupla e revezamento.
— A gente passou o dia aqui, fizemos tudo isso e tudo que falta vai ficar pronto até amanhã, não esquenta a cabeça.
— Mas já é tarde, tem muita coisa para fazer, ainda insisti! Os dedos de vocês devem estar doendo, devem estar cansadas e amanhã ainda vamos trabalhar o dia inteiro.
— Quer parar de encher o saco! Disse Salete com seu costumeiro sorriso gigante no rosto. E concluiu: pegue aqui uma correntinha e passe por esse buraquinho...
No dia seguinte iriamos pôr a prova toda nossa campanha. Já tinha agendada uma festa de comemoração para as 20 horas no comitê do Partido, construído de forma coletiva no terreno do Domingos. Depois da meia-noite, um grupo ainda sairia para posicionar material de campanha em pontos estratégicos e retirar material dos adversários da direita. Foram meses de preparação, de trabalho diário, de vivências intensas, muito aprendizado, confraternizações, solidariedades, trabalho coletivo. Era a primeira eleição municipal do recém formado diretório municipal. Não tínhamos nenhum cabo eleitoral, nenhuma pessoa contratada para trabalhar exclusivamente nas eleições. Cada um dos candidatos a vereador, o candidato a prefeito, a vice, os coordenadores de campanha, foram escolhidos de forma democrática em cada um dos quatro núcleos espalhados pela cidade. Todos os militantes filiados ao partido puderam e votaram, de forma que o resultado lógico era se responsabilizar pela campanha, pelo mandato de cada um dos eleitos (caso houvesse). O comitê de campanha foi emprestado por um militante (Zé Aparecido), metalúrgico que tinha a sala para aluguel, mas deixou para gente usar, também cuidou de toda pintura do ambiente, pagava a água e a energia. O comitê fazia tanto sucesso, ficava cheio o dia todo com voluntários e até com adversários que passavam para bater papo e espionar. Depois das aulas juntavam estudantes em frente ao comité e ficavam entregando panfletos para os passantes e para os carros que desaceleravam no quebra-molas. 
Tínhamos uma Kombi muito velha à nossa disposição, também emprestada por um dentista, Luiz, candidato a vice prefeito e casado com a Rosa. O combustível a gente conseguia fazendo “vaquinha” entre todos ou quem dirigia se encarregava de encher o tanque. Com ela andávamos toda a cidade fazendo campanha, carregando pessoas e material: panfletos, cartilhas, cartazes, baldes com cola, que Domingos nos ensinou a fazer, e tinta, broxas e pincéis. Não era difícil ela enguiçar e pessoas da comunidade empurrar para pegar no tranco. Quem dirigia a Kombi, quase sempre, era o Toninho (meu irmão), o Elvis, o Bonette, o Leslie, nosso candidato a prefeito. Todos os fins de semana, sábados e domingos, feriados, dias santos, que antecederam os sessenta dias finais das eleições. A militância se reunia bem cedo: crianças, mulheres, idosos, homens, gente das igrejas, das associações de moradores, dos sindicatos, das escolas: professores, estudantes, zeladores. Cada fim de semana visitávamos casa por casa de determinado bairro: distribuíamos material de campanha, colávamos adesivos nas janelas, nos portões, nos carros e, principalmente, conversávamos com as pessoas. Chamávamos de arrastão. Íamos em peso, com a Kombi de apoio, quem tinha carro ia com ele, quem tinha bicicleta, moto, ia com elas, que não tinha nada ia a pé ou na Kombi (uma vez apareceu uma charrete).
No fim do dia, por volta das 18 horas, nos reuníamos no comitê de campanha e avaliamos o que tínhamos conseguido. Em todas as reuniões alguém aparecia com um bolo, uma torta, um prato de salgado. Fazíamos um leilão estranho: calculava-se o valor do bolo, determinava-se que tínhamos que arrecadar o valor. Cada um dava o que podia ou queria. Com o dinheiro comprávamos refrigerantes no bar da frente. Quase sempre o dono do bar dava os refrigerantes ou um desconto muito significativo. Era a forma dele participar. E quase sempre sobrava dinheiro para as despesas da campanha (quase nada, mas somava-se a outros quase nada).
Era o momento da celebração do dia. Microempresário, pedreiro, profissional liberal, músico, professor, dentista, metalúrgico, motorista de ônibus, sapateiro, padeiro, advogado, todos ombro-a-ombro. Os adolescentes contavam histórias das visitas, as discussões com pessoas que não acreditavam que o partido era uma opção, que nossos candidatos eram honestos, que não recebíamos doações de empresários, que iriamos mudar a cidade, o estado, o Brasil, o mundo. As mulheres vinham com seus filhos, com o marido ou não. O bebê da Rosa passava de braço em braço enquanto ela, sempre ocupada, dava jeito em alguma coisa. Os militantes da igreja falavam de sua fé, do que representava aquele dia, aquele estar junto. Os do sindicato falavam do momento histórico, da união da classe trabalhadora. Quem estivesse afim falava: as lideranças, os candidatos, os militantes, curiosos que se juntavam por causa do barulho, da agitação, por ver rostos conhecido, por querer comer o bolo. Era, mais do que qualquer coisa, uma festa, um momento de confraternização, de combinar aonde seria o próximo arrastão, o que seria feito durante a semana. 
Quase sempre apareciam para trabalhar na campanha durante a semana: estudantes, pessoas de folgas ou desempregadas. E, mesmo quem trabalhava o dia todo, oferecia-se para distribuir panfletos na fila de ônibus, antes de embarcar, na porta da firma, fazer visitas em casas de conhecidos, depois do trabalho.
Nosso candidato a prefeito tinha uma Brasília amarela muito velha, com ela andava para todo lado fazendo campanha. Parava o carro nos lugares mais movimentados e deixava tudo aberto.
— Não vai fechar, perguntava eu? Ele respondia: quem vai querer roubar o carro de um PTista?
Em um certo sábado, estava agendo a pintura de um muro, cedido em um lugar muito bom do bairro, por onde passava a principal linha de ônibus, visibilidade gigante. O morador disse que todos os candidatos haviam ido lá pedir o muro, queriam até pagar pelo espaço, mas ele não cedeu. Para lá foi Vilmar, nosso pintor de muro, de faixas, enfim, tudo que era arte, letras e cores, era com ele. Quase sempre fazia isso nas horas de folgas e, embora fosse seu ganha pão, nada cobrava pelo serviço e, muitas e muitas vezes, ainda dava a tinta, os pinceis, as réguas.
Quando cheguei já vi de longe uma aglomeração de gente. Quase sempre, nos fins de semana, essas atividades viravam festa. Lá estava nosso candidato a prefeito ajudando a pintar o muro, segurando a régua para Vilmar riscar. Até tinta no rosto já tinha.
— Você tem mesmo que estar aqui, disse eu, sem esconder certa irritação e impaciência. A tarefa dele, naquele dia e horário, não era pintar muro.
— Vim ajudar, respondeu na maior calma.
Leslie era quase sempre muito calmo e relevava meu senso de planejamento quase sempre na fronteira entre a objetividade e o autoritarismo. Ele foi meu professor de Literatura no segundo grau, no Colégio Décio Dossi. Estávamos na primeira reunião de fundação do PT em Fazenda Rio Grande, sem que um soubesse das atividades “subversivas do outro”. E foi o primeiro candidato a prefeito de nossa história na cidade. Depois, em outra eleição, foi o vereador mais votado, mas isso é outra história.
— Você não deveria estar na reunião com a associação comercial?
— Já fui, terminou logo, não tinha quase ninguém. Por isso vim ajudar aqui.
— Tá bom, disse eu. Mas não precisa pintar mais, deixa o Vilmar trabalhar, tem gente demais para ajudá-lo.  Vamos aproveitar para distribuir uns santinhos, fazer visitas as lideranças da paróquia que moram aqui perto.
Leslie, sem discutir, disse:
— Então vamos.
O que queria dizer, quando comecei essa conversa, é o seguinte: as correntinhas de crochê, apesar de hoje não significar absolutamente nada para o que o PT se tornou, era só uma delicadeza coerente, bonita, significativa e representativa de um modo de fazer/ser, como todas as outas que vivemos nessa eleição de 1996 em particular, mas também durante mais de 10 anos de intensos sonhos e utopias, com ou sem eleições para disputar.

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]


1. Para saber mais sobre Lor, o cartunista que fez essa charge, clique aqui 

08 abril 2015

Novena

 
Quando eu estava no auge dos meus nove para dez anos, minha avó decidiu me explicar sobre a novena. Afinal, ela ficava à noite rezando e ninguém podia interrompê-la. Silêncio absoluto e eu ficava sentada no sofá vermelho com flores pretas e brancas com cheiro de casa de vó assistindo. Então ela me sentou na sala e explicou sobre a novena das três Ave-Marias, como rezar o terço – bolinhas grandes, bolinhas pequenas.

Nunca fui boa em decorar as orações. Trocava a ordem do credo e no Santo Anjo eu criava minhas próprias palavras porque não entendia o que eles estavam falando. Mas minha avó falou do poder da novena, nove dias rezando, vários Pai-Nossos e várias Ave-Marias – ajoelhada no chão que era importante o sofrimento! Eu ouvi com muita atenção e ela falou que se eu desejasse com muita fé, mas muita fé, iria se realizar. Seu eu orasse com todo o meu coração e devoção, toda a minha fé de nove anos de idade eu iria ter meus desejos atendidos.

Então ela anotou em um papel a novena e explicou que até gente muito doente tinha se curado com a novena, que quem estava mal na escola tinha passado de ano, entre tantos outros milagres. Eu fiquei maravilhada com o poder de rezar. Ela me explicou que eu poderia fazer três desejos como: passar de ano, tirar uma boa nota, entre outros. Mas em geral eu era uma boa aluna, não tinha ninguém doente em casa, parecia que tudo ia bem. E a advertência era clara: “não podia contar para ninguém o que eu tinha desejado. Se não, não acontecia”.

Então fiz meus três desejos por ordem de importância, os dois menos importantes eu não lembro. Mas o mais importante de todos eu lembro! Rezei por 9 dias ajoelhada no chão com a minha avó, e alguns dias sozinha no meu quarto, com toda a fé do meu coração, ficava ajoelhada até os meus joelhos ficarem vermelhos e com a marca do assoalho do chão, considerei até jogar milho no chão como tinha visto na novela. Mas achei que minha fé era boa para não precisar, porque perguntei para a minha avó e ela disse que rezar com milho no chão  era só para quem tinha feito algo muito ruim.

O meu desejo, acho que agora posso revelar sem medo se vai acontecer ou não, era, pasmem, que os Pokémons existissem!  Rezei com toda a minha fé de 9 para 10 anos de idade para que eu acordasse depois dos nove dias de reza intensa e encontrasse as pokebolas no meu quarto, ou para que o Professor Carvalho (personagem do desenho Pokémon) me enviasse uma mensagem e eu tivesse que escolher entre uma das criaturinhas para começar a minha jornada de treinadora de Pokémon.

Não preciso contar a minha decepção ao acordar depois dos nove dias e ficar esperando os Pokémons aparecerem. Já estava imaginando como seria na escola, eu não ia contar para ninguém, mas saberia que eu que tinha trazido os Pokémons para o mundo. Já tinha até um plano B se o professor Carvalho não me chamasse para ser uma treinadora, eu iria capturar um Pokémon selvagem!  Esperei para encontrar a minha avó e pedi para ela quando que o desejo acontecia, ela disse que “às vezes toma tempo” e advertiu que era preciso muita fé. Fiquei decepcionada e perplexa com a minha fé assistindo jornal e esperando que a manchete na televisão dissesse que os Pokémons eram de verdade e que estava recrutando novas crianças para treinar. 

Depois eu quis as corujas do Harry Potter, ou um armário para Nárnia e até fiquei sabendo que teve criança que desejou raio lazer verde como um dos três desejos da pulseira que arrebenta com o tempo do Padre Cícero. O tempo passou, não tive a minha Pokeagenda, mas sentei e tive uma conversa muito séria com um garoto que entrou com um boné do personagem principal do Pokémon. Não precisei nem de um segundo para reconhecer e perguntar para ele onde estavam as pokébolas, entre exame físico e conversas com o pai discutimos sobre qual Pokémon ele escolheria para iniciar a vida de treinador Pokémon, quais ele captaria e como cuidaria deles. Ele sorriu e até ficou um pouco melhor da amigdalite.

"Pelo mundo viajarei tentando encontrar. Um Pokémon e com o seu poder tudo transformar..."

Voam abraços,

Mayara Floss

11 julho 2014

A VERDADE VERDADEIRA


Ernande Valentin do Prado

Li estes dias a seguinte frase:
“Para mim a verdade não interessa”.
Para mim também não (ao menos tento exercitar essa postura todo dia), por isso não pretendo falar nenhuma verdade neste texto. Se busca verdades, pare de ler agora.
Quem disse a frase foi Humberto Maturana, que muitos devem conhecer, mas só conhecia de ouvir fala, agora, em duas semanas, estou no segundo livro (Cognição,ciência e vida cotidiana). Na verdade, ou melhor, na minha verdade ou na realidade entre parênteses, ele escreve como eu gostaria de escrever e fala coisas que eu intuía e até dizia, mas sem a mesma credibilidade, pois como ele mesmo diz, as pessoas estão sempre procurando uma referência fora de si que comprove sua verdade. Besteira impraticável, segundo ele.
Lembrei-me disso particularmente porque em um seminário de espiritualidade e saúde (que tem a ver com o que vou falar em seguida) uma pessoa disse que respeitava todas as religiões, todas as crenças, todas as igrejas, mas que ela tinha fé só no Deus verdadeiro.
Isso é respeito ou tolerância? Segundo Maturana, tolerar não é respeito. Tolerar é permitir o erro do outro até que ele deixe de errar. Respeitar é aceitar que há outras verdades.
Será que existe mesmo um Deus verdadeiro? E será que isso tem alguma importância? O mais importante não seria conviver com o outro em paz e aceitar as diferenças simplesmente pela beleza da diferença?
Particularmente, naquela instante, antes de ler Maturana, fiz uma fala dizendo que não sabia exatamente em que acreditar, mas que certamente não acreditava no Deus verdadeiro.
Ontem li um texto na internet, nem sei por que fiz isso, que falava sobre como a mulher crente deveria escolher seu marido. A primeira e única regra que li dizia respeito a não escolher um não crente. Aí lembrei que a maioria das pessoas que conheço (não crentes) são bem mais humanas e crentes do que os crentes (ao menos a maioria dos que conheço).
Milhares de guerras já foram feita em nome do Deus verdadeiro. Bush , que é um homem crente, tentou eliminar da face da terra os infiéis do Iraque com a desculpa de que eles tinham armas de destruição em massa. Fico pensando que a lógica é mais ou menos a de que apenas crentes no Deus verdadeiro  (Bush) podem ter armas de destruição em massa (Estados Unidos da América do Norte), pois destinam-se a exterminar apenas enfies no Deus verdadeiro.
Será que as mulheres deveriam se casar com um fiel como Bush, simplesmente por ser crente?
Tenho três filhas lindas, que certamente ainda acreditam em um Deus verdadeiro. Espero que, quando chegar a hora, tenham sabedoria e discernimento suficiente para saber distinguir as coisas sem o filtro dos que se acham sabedores da verdade verdadeira.

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]



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