Não precisa ser uma pessoa muita atenta, desta que presta
atenção até na tonalidade das cores, para entender porque Amália escolheu fazer
o que fez, exatamente naquele lugar, naquela cidade chamada “solitária”.
Depois de decidida ela planejou tudo com atenção, com uma
meticulosidade cruel e irritante. Para
não haver dúvidas, deixou um bilhete escondido entre as páginas do livro de Luiz
Felipe Leprevost, “Dias nublados”, que começou a ler dois dias antes.
Certamente o bilhete seria encontrado, porém quando isso acontecesse ela já
“estaria na rodoviária, talvez até na autoestrada”.
No bilhete, em letras pequenas, redondinhas, quase
desenhadas, explicava: “Cansei de ser joguete, cacete. Cansei de ser tão
maltratada”.
O incrível, o espantoso, o indescritível é que mesmo diante
das terríveis emoções que dilaceravam seu coração, Amália ainda preparou o
jantar: “deixou bife e arroz no microondas”, como sempre fazia quando não podia
esperar por ele, o que raramente acontecia e quase somente quando saia com seu
grupo para ler poesia para estranhos apresados, nas geladas praças de Curitiba.
Quer dizer, suponho que seu coração e sua alma estivessem
dilacerados, suponho apenas, não sei dizer se realmente ela se sentia assim ou
se neste momento o que se sente é a calma da certeza, a serenidade da decisão
tomada e o alivio antecipado pelo que virá depois ou pelo que não virá.
Realmente não sei.
A rosa recebida na noite anterior, como um pedido de
desculpas, jogou na privada, mas não deu descarga. Isso deveria ser um recado,
uma explicação. Deveria? Não, certamente não deveria ser uma explicação, era de
fato um recado muito explícito, inequívoco: não consigo mais perdoar. Não desta
vez.
A aliança deixou na mesinha de cabeceira. Era grossas,
pesada, cara, destas que causam inveja. Pensou que ele poderia vende-la e com o
dinheiro pagar as contas, que não eram poucas.
Na penteadeira, essa mesma onde ela dizia que cabia seu
amor, “cabia três vidas inteiras”, mas que ficou parcialmente desocupada, deixou
o celular, os perfumes e as poucas maquilagens que raramente usava.
No banheiro deixou a escova. Apenas pegou dele a lâmina de
barbear. E saiu levando apenas a desesperança. Chegando lá, lá onde ela ia, lá onde
o amor que morria nasceu há seis meses de foram arrebatadora, intensa e
irresistível, rasparia os cabelos que ele amava (uma pequena vinganças talvez)
e beberia querosene... e se isso não fosse suficiente, cortaria os pulsos.
Fundo, bem fundo, deitada na banheira do mesmo quarto onde fizeram, pela
primeira vez, amor.
Para ouvir o podcast:
[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]
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