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24 maio 2019

JESUS NÃO TEM DENTES NO PAÍS DOS BANQUELAS - PARTE 3


Ernande Valentin do Prado

— Homi, deixa disso, você sabe atirá, Valdomiro?
— Isso se aprende, Rosangela, isso se aprende muito fácil, sabe disso, que você nem é burra.
No culto de terça-feira, o pastor disse, com todas as letras, para que não houvessem dúvidas, que todo homem de bem, todo pai de família deveria andar armado e se defender dos bandidos, dos malditos bandidos.
— Nanias...
Disse o pastor, esmurrando o púlpito.
— ...lá no seu tempo, já dizia: uma colher para erguer o muro, em uma mão e a espada na outra. E por que, irmãos, Nanias disse isso? Ele disse porque o pai de família, o homem de bem, não pode irmãos, não pode sob pena de pagar com a vida, não pode deixar de se defender.
Esmurrou novamente o púlpito enquanto encarava os fies admirados do poder de oratório do pastor. Não só do poder de falar, de encantar, mas da sabedoria do pastor, que era capaz de falar de diversos assuntos e tirar as dúvidas de seu rebanho enquanto emocionava.
— Os bandidos, os canalhas, os comunistas, esses, irmãos, estão em toda parte, eles podem andar armados, podem entrar na sua casa, estuprar sua mulher, sua filha, rasgar a sua bíblia, atirar no seu cachorro...
É isso mesmo, balançava a cabeça concordando, Valdomiro. E já fazia seus planos, suas contas:
— Preciso arranjar um revólver para protege minha família, meu cachorro.
— E você tem cachorro, criatura?
Disse a mulher, irritada, quase ouvindo os pensamentos do marido, enquanto colocava a roupa na máquina de lavar.
— O pastor disse, no culto de terça-feira...
— Home, lá vem você falar desse pastor, dessa igreja... você sabe o que penso de gente que anda com bíblia embaixo do braço, não sabe?
Disse Rosângela, caminhando para o quarto, onde tirou o lençol da cama, as fronhas dos travesseiros e jogou nas mãos do marido:
— Pare de fala e joga isso na máquina de lava e vem me ajuda a amarra um lençol limpo nessa cama, que não suporto lençol embolado.
— Só deixa eu fala: o pastor disse que todo homi de bem...
— Deixa que eu faço sozinha...
Disse Rosângela com toda impaciência que lhe era peculiar, ainda mais naquela hora da manhã.
— ...queria vê esse pastor trabalha ao invés de enche a cabeça dos tonto ...eu já te pedi, Valdomiro, já te implorei mais de uma veiz pra não fala nesse pastor e nessa igreja comigo, se não quisé  me vê vira um bicho. Qué i na igreja, Valdomiro, vá, não vou mais falá, cada um com suas mania, mas não encha meu saco falando em bíblia, falando em conversa de pastor. Um burro demora formar, mas quando forma dá gosto...
Disse a mulher forrando sozinha o lençol, estampado com flores vermelhas, na cama e já levantando o colchão para amarrar.
— Por que o homi de bem, o pai de família tem que se entregá como uma ovelha muda ao matadoro, se o bandido pode andá armado, me diz, mulher?
— Isso eu não sei, Valdomiro. Nem sei se bandido pede autorização pra andá armado, o que sei mesmo, homi, é que “otário é otário e malandro é malandro.
Disse Rosângela ao mesmo tempo em que caminhava para lavanderia. Valdomiro tentava ignorar a agressividade da mulher com as coisas da igreja e dar a outra face.
— Vou ora por essa infeliz.
Era o que pensava enquanto tentava não se abalar.
Na assembleia o pastor disse: “em Exudus 22:2,3, a bíblia autoriza o cristão a andar armado e a se defender”.
— Por isso, irmãos, cada um de nós, que somos homens de bens, deveríamos comprar um revólver, não para sair por aí atirando, barbarizando geral, porque cristão não é disso. Cristão é ordeiro, é respeitador das leis, da moral, da família, da propriedade alheia, mas o cristão, caros irmãos, o cristão tem o direito de se defender, de defender sua propriedade, seus bens...
Parou por um segundo, como que repensando o que acabara de dizer, e continuou:
— ...o cristão tem mais do que o direito de se defender, o cristão tem o dever, a obrigação de se defender, ele não pode ser um boboca, tem que se defender. O cristão não pode aceitar, como os direitos humanos querem, que só bandido tenha armas. O cristão tem que usar armas para ser respeitado pelos bandidos.


[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

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