Mostrando postagens com marcador Não desejar a mulher do próximo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Não desejar a mulher do próximo. Mostrar todas as postagens

12 abril 2019

365 DIAS


Ernande Valentin do Prado
Nas trevas. Ernande, 2018.


Não disse nada.
Clarice entrou calada pela porta da sala, sabia onde ficava a chave.
Eu estava no sofá, onde muitas vezes fizemos amor. Nele continuei.
Clarice, primeiro manteve-se calada em minha frente, indecisa sobre o que fazer, como agir, até que finalmente se decidiu: abriu as cortinas, que nunca mais haviam sido abertas, deixou o sol entrar, cegou-me por um breve momento, mas ela ignorou.
Foi até a cozinha, pegou uma vassoura: varreu, espanou, limpou em cima dos móveis, trocou a roupa de cama, colocou as sujas na máquina de lavar.
Continuei sentado, sem dizer nada, tentando ser indiferente, até que Clarice veio caminhando da cozinha, nas mãos uma xícara de café. Ela usava um vestido amarelo, tinha os pés descalço, soltou os cabelos, que lhe caiam sobre os olhos. Sorria.
Estendeu-me a mão e entregou o café. Bebi. Ela pegou a xícara de volta.
Eu não disse nada, procurava até desviar os olhos do rosto dela, do sorriso diferente que tinha no rosto.
Clarice olhava firme em meus olhos, mordeu os lábios, sem dizer nada levou as mãos por baixo do vestido e tirou a calcinha, como costumava fazer antes, sem pudor, que nunca foi o forte dela.
Continuei olhando atentamente seus olhos, fingindo indiferença, fingindo não estar chocado com sua indecência explícita. Nos olhos, a coragem da indecência (que sempre me chocava), mas também um sorriso constrangido que não conseguia esconder totalmente. Talvez tentasse esconder que aquela era sua última tentativa, antes de aceitar o fim, depois de tantos meses de angústia, tristeza e rejeição.
O zíper da minha calça ela abaixou cuidadosamente. Enlaçou os braços em volta de meu pescoço. Sentou no meu colo, beijou minha boca seca. E diante da minha passividade, ajoelhou-se em minha frente. Aí voltou a sentar no meu colo e fez como eu lembrava, apesar de tentar esquecer por tanto tempo. Murmurou, tocando os lábios em minha orelha:
— Me perdoa.
 [Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

Postagem mais recente no blog

QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?

                ? QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?   Camila chegou de mansinho, magra, esfaimada, um tanto abatida e cabisbaixa. Parecia est...

Postagens mais visitadas no blog