Ernande Valentin do Prado
![]() |
Nas trevas. Ernande, 2018. |
Não disse nada.
Clarice entrou calada pela porta da sala, sabia
onde ficava a chave.
Eu estava no sofá, onde muitas vezes fizemos amor.
Nele continuei.
Clarice, primeiro manteve-se calada em minha
frente, indecisa sobre o que fazer, como agir, até que finalmente se decidiu:
abriu as cortinas, que nunca mais haviam sido abertas, deixou o sol entrar,
cegou-me por um breve momento, mas ela ignorou.
Foi até a cozinha, pegou uma vassoura: varreu,
espanou, limpou em cima dos móveis, trocou a roupa de cama, colocou as sujas na
máquina de lavar.
Continuei sentado, sem dizer nada, tentando ser
indiferente, até que Clarice veio caminhando da cozinha, nas mãos uma xícara de
café. Ela usava um vestido amarelo, tinha os pés descalço, soltou os cabelos,
que lhe caiam sobre os olhos. Sorria.
Estendeu-me a mão e entregou o café. Bebi. Ela
pegou a xícara de volta.
Eu não disse nada, procurava até desviar os olhos
do rosto dela, do sorriso diferente que tinha no rosto.
Clarice olhava firme em meus olhos, mordeu os
lábios, sem dizer nada levou as mãos por baixo do vestido e tirou a calcinha,
como costumava fazer antes, sem pudor, que nunca foi o forte dela.
Continuei olhando atentamente seus olhos, fingindo
indiferença, fingindo não estar chocado com sua indecência explícita. Nos olhos,
a coragem da indecência (que sempre me chocava), mas também um sorriso
constrangido que não conseguia esconder totalmente. Talvez tentasse esconder
que aquela era sua última tentativa, antes de aceitar o fim, depois de tantos
meses de angústia, tristeza e rejeição.
O zíper da minha calça ela abaixou cuidadosamente.
Enlaçou os braços em volta de meu pescoço. Sentou no meu colo, beijou minha
boca seca. E diante da minha passividade, ajoelhou-se em minha frente. Aí
voltou a sentar no meu colo e fez como eu lembrava, apesar de tentar esquecer
por tanto tempo. Murmurou, tocando os lábios em minha orelha:
— Me perdoa.
[Ernande Valentin do Prado
publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O que tem a dizer sobre essa postagem?