[para o Régis da Renata Pekelman]
Andar por uma cidade com um amigo parceiro empolgado é uma alegria enorme.
Mergulhar nos velhos livros, nos discos e nas conversas dos apaixonados por esses objetos sem valor nenhum assim que saem das lojas, é um luxo transcendental.
Ter andado pela Porto Alegre do Régis foi para mim um ato sagrado, uma forma de re-encontrar nesse mundo sulino o meu mundo peruano (de arte, de música, de poesia, de pessoas doidas pela arte e pelo mundo da cultura) e de confirmar as intuições e mudanças que faz algum tempo andam me tentando o lado dionisíaco, o lado mais "eu mesmo" que tinha enterrado sem ter morrido, numa hibernação obrigada não sei por que idiotice de homem triste.
Porto Alegre, estranho lugar para um peruano neto de chineses que mora no Rio de Janeiro há quase 20 anos. Deslocado, desenraizado, encontrado somente dentro de mim mesmo. Mas Porto Alegre e sua luz dourada de tarde, sua luz azul claro intenso de manhã, o frio que se mistura ao calor de lareiras e aquecedores de ferro antigo, essa cidade trouxe para mim os espelhos dos amores, os tempos d'ouro onde me faço simplesmente sorriso ténue. Trouxe a imagem suspensa do olhar intenso, do sorriso aberto, da ironia exata na hora do abraço.
A cidade abraça, mesmo que o frio anda chegando - lento, sem presa, como dizendo "vai e aproveita essas horas de ser Você Mesmo que o Centro te oferece". Eu, que aprendi a abraçar no Brasil, aproveito.
E o nobre Régis - talvez um dos músicos do Chagall, talvez um homem de fundos passos, que se perde e se encontra nas alegrias das andaduras felizes de dois jovens de 50 anos. Vamos, andamos, subimos, mergulhamos, conversamos, entusiasmamos, negamos, achamos, tocamos os objetos sagrados da mesma maneira ritual que os místicos descobriam a flor dourada do lótus na calma espelhada das lagoas indianas. Da mesma maneira que os amantes tántricos escutam no coração da/do amada/o a dança de Shiva, aquela que cria o universo com prazer, desejo e tempo sobrenatural.
O meu guia me leva de lugar em lugar, nas ladeiras, nas galerias, no barulho das ruas de sábado. Uma estação atrás da outra. Eu eu me procurando despreocupado, me encontrando nos reflexos das vitrines. Os letreiros a me colorir, embaraçam a minha visão... nos teus olhos também posso ver as vitrines te vendo passar. Na Galeria, cada clarão.... é como um dia depois de outro dia...
Eu ando catando a poesia que entornamos no chão, dois velhos músicos enchendo a alma de sons e boas histórias. Somente foram duas horas. Duas horas no coração claro de POA. E depois os almoços e as conversas e as confissões e as utopias. O som dos violões me trouxe o tempo em que somente o acorde encontrado trazia a paz. Aquele acorde exato que destruiria o Universo - para novas criações.
O tempo em que a musa amada tornara-se carne para ser beijada e amassada com desejo e ternura infinita. Esse tempo sem tempo que volta ingênuo e delicado. O tempo transparente da delicadeza e do beijo na boca.
Por isso tudo agradeço as caminhadas. Agradeço os finais sem final, as canções recém ensaiadas. Los sonidos que vendrán..... Prometi, em silêncio, voltar.
A cidade dos quintanares, mexeu levemente a grande cabeça e sorriu para mim.