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11 outubro 2013

Textos Velhos (JWU): Ernandianas 3: a luz que sai do olhar


Um tempo que se diz azul
E eu chamo simplesmente de perfeito
O entardecer na Redenção, cruzando de passo a passo
Um lado para outro
A palavra beleza querendo sair dentre os dentes
E a língua acarinhando-a, perfeita, lúcida
Desejo iluminado
Intelecto intuitivo
Peleja de abraços
No meio do parque
No final da calçada
Nos velhos viveres re-editados
Luzes
Partes de corpos sarados ou desejados
Um gesto de casais amando-se
Luzes
E dentro de mim
Sabores
da flor da Cidade Baixa

Textos Velhos (JWU): Ernandianas 1: no Parangolê...



Dourado - da cor da cerveja.
Uma forma do Jesus e dos Apóstolos.

Nus de palavras, sem poder nenhum, a Cidade é
Baixa, como os passos silenciosos da trupe.

Assim, depois dos afazeres,
Nesse mundo de 7000 seres e caos os quase irmãos de piada e utopia
Andamos essa penumbra de cidade amada, esse sol que vai-se dormindo até novo aviso
E, por enquanto tanto e tanto será feito
Para alimentar os entardeceres de Paripiranga, as luzes de meio-dia da Vila Dique,
A frescura surpresa da brisa no meio da Ponte Rio-Niteroi,
Uma Vila de São Carlos...
Santa Teresa
Ou algum outro sinal que não sabemos, que não sentimos sequer
E que - ignorantes e felizes - nos move à suavidade de um copo, a um pedaço de calçada,
À luz distante de uma promessa ou de um bar
E desde violões e ovos sonorosos somos testemunhas dos corais e dos tremores
Escondidos durante o dia e que - corujas noturnas - manifestam seu poder de amar e curar
Enfeitam nosso Amor, nossa risada exagerada, os contos e giros do Ernande,
Suas raivas bíblicas, as formas novas com que o mar se separa e
O povo vai fugindo ao encontro de terras de leite e mel
Que, desencanto, são vendidas e adulteradas, mas são
Saborosas na essência mais essencial das essências
Horas ou anos se comprimem no meio dos copos e do queijo, pimenta e goiabada... 
E embora todos na mesa soubessem que ele preferia a boa e simples Polar
O nosso urso dos encanamentos vai bebericando solidário e agradecido
Chopes artesanais, corujas, lagartixas, veados, comidas estranhas
Sotaques indeterminados ou pelo menos quânticos
E voa feroz ate os taxis do Olaria... E desaparece pela noite gulosa 
Ate nova missão de profeta... Aquele que anuncia o novo... Aquele que mostra os caminhos
De tortas linhas, de senhores despidos, de poderosos ridículos

Os outros, somente peregrinos,
vemos o urso enfiar-se rápido nos encanamentos
E esboçar sorriso cruel


Textos Velhos (JWU): dos tempos portoalegrenses e Amélia (10/05/2012)

10/5 20:00

Vindo à cidade mágica de Porto Alegre fico à espera do tempo da troca. Da conversa amada e amorosa. Dos papos críticos, lúcidos e inspirados. Da companhia bela e especial. Das caminhadas lentas onde criamos e recriamos o mundo da noite.

Isso tudo veio com a Amélia. E eu já sabia. Ando às voltas com a re-descoberta consciente de uma habilidade pessoal minha, longamente alimentada e cuidada (desde os 13 anos pelo menos), de afinar a intuição sobre a Beleza do Mundo e das Pessoas. Não acho essa prática especial nem exclusiva. Muitos têm; e muitos têm esse senso de beleza do mundo mais afinado.

Mas o fato de ter re-descoberto ele recentemente, me deixa mais atento ao mundo. Brinquedinho recuperado, doce de infância degustado novamente.

Nas idas e vindas, distâncias e proximidades no mundo social da Educação em Saúde - especialmente a que aqui na América Latina chamamos com militância e memória de Educação Popular - eu tenho identificado, com esse senso de intuição que a prática cotidiana da arte me trouxe, pessoas extraordinárias. Elas, usualmente, discordam: eu sou tão simples, eu sou tão fácil de ser lido, eu sou transparente, meu cotidiano é tão chatinho, etc. Isso faz delas mais extraordinárias. A Amélia, como eu esperava, discordou.

A dimensão estética do Ser e do Viver é dimensão abafada. Produzir beleza no cotidiano foge à consciência. Mas se manifesta em textos, em sons, em cores, em cheiros, em desejos, em pequenas e imperceptíveis formas de ir transformando o mundo - desde o invisível, passando pelo microscópico, até dimensões mais largas - mas não mais complexas nem mais importantes. Atender 12 pacientes na Vila Dique é tão surpreendente como ajudar a escrever uma Política Nacional para o SUS. Alguém discorda? E, é claro (muito intensamente) nas pessoas populares, nossas mestres, se manifestam nos gestos, nas ternuras, nas lucidezes, nas ecologias amorosas. Não são todas. Generalizar é empobrecer o mundo e suas surpresas encantadoras. Mas são, e estamos bem servidos, acredito.

20:04. Saindo da UFRGS (que se pronuncia guturalmente, engraçado) os parques nos abraçam. As luzes da cidade e dos carros formam imagens brilhantes. Recentemente também comecei a amar novamente a noite. E a noite combina bem com a Amélia.

De taxi veloz e rabugento chegamos ao bairro dela, a Cidade Baixa, onde tem bloco de carnaval, onde tem pessoas e lugares especiais, livrarias ecológicas, onde ela é saudada e querida. O bairro, neste caso, é também a pessoa. O bairro que me acolhe é a pessoa que me acolhe. 

20:40. Parangolé. Uns senhores muito idosos irão fazer músicas de antigamente. A conversa corre solta, leve. Depois fica dura, de amigos que confiam os desencantos, as lutas que magoaram, os sonhos partidos. E depois também a re-invenção da utopia, a renovação do acreditar, a busca por dimensões mais delicadas e complexas do fazer da Educação Popular, muito além dos estereótipos que nos empobrecem e nos colocam em pequenos cubículos e nos impedem o sentido fundamental da clarividência crítica.

A Renata se une a nós, cansada mas sempre bem humorada. Muitas coisas boas e únicas aconteceram confirmando minhas intuições.

Eu, que ando meio desligado, com dificuldade para entender certas feridas não cuidadas ou aprofundadas, e desgostando das meias palavras, das meias lealdades, das meias utopias, fui renovando esperanças e acreditando no instante da criação de projetos de futuro.

Essas moças ultrapassaram em muito intuições e expectativas, instauram um tempo outro para a Educação Popular. Aliam sensibilidade e criticidade.

Mas isso é só opinião pessoal, simples e encantada. Por tanto, não generalizável e menos ainda serve para impor nada a ninguém. Eis a agonia boa do poeta.

Textos Velhos (JWU): Da pedagogia dos sebos de Porto Alegre (ou crônica do Régis)

[para o Régis da Renata Pekelman]

Andar por uma cidade com um amigo parceiro empolgado é uma alegria enorme.

Mergulhar nos velhos livros, nos discos e nas conversas dos apaixonados por esses objetos sem valor nenhum assim que saem das lojas, é um luxo transcendental.

Ter andado pela Porto Alegre do Régis foi para mim um ato sagrado, uma forma de re-encontrar nesse mundo sulino o meu mundo peruano (de arte, de música, de poesia, de pessoas doidas pela arte e pelo mundo da cultura) e de confirmar as intuições e mudanças que faz algum tempo andam me tentando o lado dionisíaco, o lado mais "eu mesmo" que tinha enterrado sem ter morrido, numa hibernação obrigada não sei por que idiotice de homem triste.

Porto Alegre, estranho lugar para um peruano neto de chineses que mora no Rio de Janeiro há quase 20 anos. Deslocado, desenraizado, encontrado somente dentro de mim mesmo. Mas Porto Alegre e sua luz dourada de tarde, sua luz azul claro intenso de manhã, o frio que se mistura ao calor de lareiras e aquecedores de ferro antigo, essa cidade trouxe para mim os espelhos dos amores, os tempos d'ouro onde me faço simplesmente sorriso ténue. Trouxe a imagem suspensa do olhar intenso, do sorriso aberto, da ironia exata na hora do abraço.

A cidade abraça, mesmo que o frio anda chegando - lento, sem presa, como dizendo "vai e aproveita essas horas de ser Você Mesmo que o Centro te oferece". Eu, que aprendi a abraçar no Brasil, aproveito.

E o nobre Régis - talvez um dos músicos do Chagall, talvez um homem de fundos passos, que se perde e se encontra nas alegrias das andaduras felizes de dois jovens de 50 anos. Vamos, andamos, subimos, mergulhamos, conversamos, entusiasmamos, negamos, achamos, tocamos os objetos sagrados da mesma maneira ritual que os místicos descobriam a flor dourada do lótus na calma espelhada das lagoas indianas. Da mesma maneira que os amantes tántricos escutam no coração da/do amada/o a dança de Shiva, aquela que cria o universo com prazer, desejo e tempo sobrenatural.

O meu guia me leva de lugar em lugar, nas ladeiras, nas galerias, no barulho das ruas de sábado. Uma estação atrás da outra. Eu eu me procurando despreocupado, me encontrando nos reflexos das vitrines. Os letreiros a me colorir, embaraçam a minha visão... nos teus olhos também posso ver as vitrines te vendo passar. Na Galeria, cada clarão.... é como um dia depois de outro dia...

Eu ando catando a poesia que entornamos no chão, dois velhos músicos enchendo a alma de sons e boas histórias. Somente foram duas horas. Duas horas no coração claro de POA. E depois os almoços e as conversas e as confissões e as utopias. O som dos violões me trouxe o tempo em que somente o acorde encontrado trazia a paz. Aquele acorde exato que destruiria o Universo - para novas criações.

O tempo em que a musa amada tornara-se carne para ser beijada e amassada com desejo e ternura infinita. Esse tempo sem tempo que volta ingênuo e delicado. O tempo transparente da delicadeza e do beijo na boca.

Por isso tudo agradeço as caminhadas. Agradeço os finais sem final, as canções recém ensaiadas. Los sonidos que vendrán..... Prometi, em silêncio, voltar.

A cidade dos quintanares, mexeu levemente a grande cabeça e sorriu para mim.

Textos Velhos (JWU): Do Centro de Porto Alegre e das Coxas


Lá eu, me doendo de mim mesmo, enfiado no quarto de hotel. E recebo a dica do Regis: show pocket 12:15 na rua dos Cata-ventos.

Amo cata-ventos. Soprar neles. Ver as cores se mexer. O encantamento que eles produzem nas crianças. O sorriso dessas. O olhar além do objeto. Tudo o que o adulto persegue com tanta angústia. A criança e o cata-vento.

Jogo a preguiça, a ressaca, as dores profundas do espírito ingênuo... cata-ventos, Mario Quintana, passarinhos...

Rua dos Andradas velozmente. Cheio de portoalegrenses. Poucos outsiders como eu. Quem sabe por trás desse olhar desconfiado exista um camarada.

Ao chegar, pés doloridos de sapatos novos, quatro mesas, cadeiras e um palco pequenino, adaptado. Sons, ecos, familiaridades, poesia deixada por acaso - enganando bem a urdimbre cuidadosa da palavra - música latino-americanas. Afinal, sou isso, acredito. Não um chinês anônimo nem dono de pastelaria nem outra coisa... um latino apaixonado pelo que o continente tem de melhor: sons, poemas, sensações delicadas... risos e piadas... beijos extensos.

E, no meio da pequena multidão fumante e chimarrante... aquelas coxas intermináveis de uma mulher interminável. Tão bela que ninguém iria imaginar transar com ela, tão perfeita e pirua, tão de outra dimensão que o show ficou silencioso e ninguém podia fazer mais nada do que pensar nela. Homens, mulheres, bichos... as pernas perdidas como colunas, fazendo parte da Casa da Cultura.

Ela comendo sorvete picolé, os outros rodando com canções e tempos.

Ficou registrada nas memórias. Do lado do palco, comendo picolé, vestida como candidata a executiva de sucesso, altos saltos dolorosos, e o corpo que talvez fosse presente da espécie ou de algum deus que se esconde nos desejos.

No fim de tudo, discos autografados, fotos e vídeos e conversa em castelhano com Sebastian Jantos, fui-me embora... lento... fazendo tempo para esperar o tempo do meu amigo Regis que sempre é tempo Outro, tempo entre os tempos....

No meio da Rua dos Andradas a mulher gigantesca, estátua de templo perdido, tão extraordinária que ninguém ousava transformar em desejo real... mostrando a saia colada e a bunda que a coroava como ser de mitologia, quase uma aparição digna dos sonhos do Quintana.

E eu, perdido em ressacas, constatações de finais e estupidezes de cálculo minhas, fui sorrindo e escutando blues pela cidade toda....

Assim, visões do sobrenatural, mesmo que não seja o religioso ou o sagrado convencional, tem o poder de nos transformar.

Agradeço os pedaços de fetiche e à dona temporária deles.

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