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27 outubro 2017

TRILOGIA DA SUPERFICIE DE MARTE

Superfície de marte. Imagem capturada na internet, 2017.
Ernande Valentin do Prado

I


Ei...
aqui
(quase) ninguém é otário

Então
meu irmão
não venha com essa conversa

Controle
essa conversa de novo?
Controle da mídia?

Deixa
pare de ser Zé Ruela
Controle da mídia já existe (e tem tempo já)

Falar de controle da mídia
não é conversa de ditador
Nem de quem cultiva talento para tanto

A mídia
essa grandona (gorda)
Já é controlada faz tempo

Quem paga é quem controla
é quem determina o que é verdade
Tem dúvidas?

Viu ontem?
Eu vi
no Fantástico

Deram até os nomes
dos trabalhadores cativos
enganados

Trazidos ao Brasil
lá da Ásia
escravizados em condomínios de bacanas

O nome dos bacanas
que matam de fome e exaustão
todo dia um pouco

você
não vai
saber

não
não mesmo
nesta mídia controlada

Viu
Zé Ruela
Controle da mídia já existe

II


Reclamação?
Deixa o povo reclamar
eu dou risada

Disse
sorrindo
a mulher de jaleco branco

O meu salário
bateu no bolso com gestos vigorosos
no fim do mês vem do mesmo jeito

Então
que reclame
Oxi

Quando meu salário começar a diminuir
Disse olhando para os olhos de todos
Quase desafiando

nesse dia
vou começar a me preocupar com as reclamações

III


R$ 503.928,79?
Em um mês de trabalho
Pode?

"Eu não 'tô' nem aí (com as reclamações)
eu estou dentro da lei
...

Eu cumpro a lei
quero que cumpram comigo"
Disse o magistrado

Qual lei cumpri?
Quem fez essa lei?
E o teto constitucional?

Seria justo
Dizer

Quem planta miséria colherá violência?
[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras

25 agosto 2017

SODOMA E GOMORRA

Imagem capturada na internet, 2017.
Ernande Valentin do prado

"Não te ires, Senhor, mas permite-me falar só mais uma vez. E se apenas dez forem encontrados? " Ele respondeu: "Por amor aos dez não a destruirei".
Gênesis 18:32

Ana acordou antes das sete, como em todos os outros dias da semana. Detesta levantar cedo, hoje preferia ficar na cama, curtir um pouco mais aquele raro clima frio, mas fazer o que? Se acha uma criatura noturna e todas as noites se obriga a dormir antes do que gostaria para não se sentir mal durante o dia.
Mais do que acordar e levantar cedo, Ana detesta chegar atrasada, não apenas ao trabalho, mas em tudo que faz. Calcula com exatidão o tempo necessário para o deslocamento pela cidade, pelo trânsito cada dia mais atravancado. Tem horror de se deixar esperar, assim como detesta esperar por outros, porém, há muito tempo fizera a opção de esperar, uma vez que poucas pessoas com quem convive consegue respeitar o relógio. Observa com horror que algumas até se orgulham de nunca chegar na hora em nada do que fazem.
Outra coisa que Ana não suporta: chuva. Contando com hoje já são doze dias sem ver o sol, fez a conta mentalmente, como fazia todas as manhãs, nos últimos dias. Sente-se culpada por admitir que não gosta de chuva. Dias antes, no centro da cidade, Ana viu uma senhora caminhando na calçada sem guarda-chuva, enquanto ela recusava-se a atravessar a rua e ficou abrigada em uma loja. A mulher parecia muito satisfeita, contente, cantava e exaltava a água que caia de forma generosa. Com os braços levantados apontava o céu, como que agradecendo.
Olhando aquela mulher, que ao passar lhe comprimento sorrindo, Ana sentiu-se ainda mais culpada por não gosta de chuva. Havia se mudado do Sul, onde vivia toda sua família, onde viveu quase toda sua vida, para fugir do frio, da chuva, que em sua cabeça eram as mesmas coisas. Estava no Nordeste tempo suficiente para entender o que significava chuva para maioria das pessoas, por isso Ana procurava evitar admitir, mesmo que em pensamento, que não gostava de chuva, de dias chuvosos.
Ao tocar os pés no gato, que dormia sobre seus chinelos, ouviu o telefone, era a coordenadora do serviço onde trabalha.
— Tenho uma boa notícia.
Disse a mulher, mesmo antes de Ana dizer alô ou de saber quem era.
Ana trabalha no serviço público de saúde do município. Fizera concurso há três anos, mais ou menos quando decidira mudar de vida, de cidade e viver no Nordeste. Fora aprovada em primeiro lugar e deixou seu antigo trabalho, sua antiga vida, seus antigos amigos, que já não a satisfaziam há muito tempo. Queria recomeçar, sentir que fazia algo importante, não só para si mesma, queria ser parte de alguma coisa que pudesse de fato lhe mostrar que o juramento que fizera ao receber seu diploma não era uma simples formalidade. Deixou o consultório privado, um casamento sem filhos, uma cidade onde ver céu azul e sol eram momentos raros demais para ela.
— Qual a boa notícia?
Perguntou Ana, sem expectativas, nem curiosidade, sem fingir simpatia. Tinha aprendido a não confiar naquela mulher. Lembrava com desgosto do dia que fora chamada em sua sala para se explicar por cauda da reclamação das colegas de trabalho.  Havia assumido o cargo há seis meses e a coordenadora, sem sair de trás da mesa, sem nem dizer: bom dia, foi logo dizendo: seus colegas estão reclamando que a senhora é individualista, que não trabalha em grupo, não tem espirito de corpo.
Alguns colegas da secretaria de saúde recusavam-se a atender a população porque os consultórios estavam com mofo. Pediam que as paredes fossem pintadas, que os aparelhos de ar condicionados fossem trocados, que construíssem, na Unidade de Saúde, estacionamento coberto para seus carros. Enquanto nada disso acontecia, simplesmente não estavam atendendo a população. 
Ana recusava-se a agir da mesma maneira e continuava atendendo a população normalmente, dizia que o mofo em sua parece quase não se percebia e que apesar de concordar que mofo era uma coisa absurda, receber seus vencimentos sem trabalhar, sem atender a população, era desonesto, era mais absurdo do que entrar em uma sala com paredes sem tinta, além disso não gostava de ar condicionado e não tinha carro para pôr em estacionamento, coberto ou sem cobertura.  
— Com as chuvas o teto da unidade caiu.
Ana não disse nada, esperou a mulher continuar, deveria chegar na boa notícia em algum momento. No entanto era só isso, a boa notícia era que o teto da Unidade de Saúde tinha caído, só isso mesmo. A mulher não parecia ter mais nada que dizer, então ela perguntou:
— E qual é a boa notícia?
— A boa notícia é que você não precisa ir trabalhar, pode ficar em casa, viajar, fazer o que quiser e ainda receber seu salário...


[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

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