Ernande Valentin do Prado
Um
dia ele apareceu lá em casa.
Era
madrugada. Acordei assustada, com medo de abrir a porta.
Mas
abri.
Fazia
mais de três anos que a gente não se via.
E
assim, de repente ele ali: senti uma vertigem, achei que ia desmaiar.
(mas
aguentei).
Sua
roupa estava rasgada, retalhada, suja de sangue, terra,
Tempo
(eu
acho).
Tinha
os olhos fundos, avermelhados,
pele
queimada, a barba grande, o cabelo sujo e desgrenhado.
Tinha
marcas rochas, vermelhas, cortes, feridas.
Na
boca faltavam dois dentes na frente.
O
nariz torto, o braço esquerdo pendurado em uma tira de pano imunda,
que
servia de tipoia.
Na
coxa tinha um retalho de pano empapado de sangue, ainda bem vivo.
Não
se mantinha confortável em pé,
(mas
não pediu pra sentar).
Vi
mágoas no corpo e na alma.
Mas
o mesmo olhar verdadeiro,
(Eu
acho).
Fiquei
calada muito tempo.
Quando
consegui falar eu disse:
-
o que te aconteceu?
E
ele, com toda calma,
como
quem responde uma pergunta feita por uma criança, disse:
-
é preciso fazer uma revolução neste país.
[Ernande
Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 todas às 6tas]