21 dezembro 2013

Avó



               Eu não tive avôs, eles se foram cedo. Mas tive avós. Essa história que me abraçou hoje é minha e da minha avó  materna. Durante um bom tempo da minha vida eu tive uma certa vergonha da minha avó. Quando eu era pequena lembro-me  da  casa da minha vô na qual a minha mão passava inteira por algumas frestas entre a madeira da parede. Eu corria atrás das galinhas e brincava no pátio simples, meio plantação meio quintal. Quando cresci (e não muito), queria uma avó de filme, que fosse me visitar, usasse óculos redondos, fizesse crochê, me desse presentes, e me colocasse em uma cadeira de balanço contando histórias de contos de fadas. 

                Mas a minha avó, nem sabia ler, quando eu era pequena    escrevia-lhe um cartão de natal, e ela olhava para o desenho e dizia “que bonito”, mas eu logo percebia que ela não entendia o meu cartão. O máximo que fazia era um café no seu fogão a lenha em uma daquelas canecas de metal e com bastante açúcar. E me dava batidinhas na cabeça mandando-me  ir brincar lá fora. Eu ouvia histórias tristes sobre a infância da minha mãe e minhas tias. Cheguei a achar minha avó malvada. Nos últimos tempos, quando chego em sua casa nova que ela construiu com o seu próprio dinheiro economizado do fundo rural em um terreno um pouco grande no centro da sua pequena cidade, vejo no seu quintal revirado que meu tio montou um ferro-velho e ao redor  milhos plantados e um pequeno pomar com frutas no pé, só penso em uma coisa, que minha avó é simples.

                Certo dia ela me contava que o diabetes era como uma minhoca gigante que vai comendo a gente por dentro, e me explicou dos chás que ela tomava para controlar o bicho. Ela com o seu vestido de flor, sempre muito parecido, (ela deve gostar de azul, porque ela usa bastante um com o fundo azul e flores amarelas) com os pés um pouco inchados e chinelos de dedo. Um cabelo branco já comprido que ela leva de maneira trêmula as mãos. Mãos essas calejadas pela terra. 

           Quando vamos visita-la ela mostra as uvas na parreira, o que ela anda plantando, as galinhas ao redor da casa, algum porco que anda criando. Tudo isso com um caminhar arrastado e firme pelo seu pedaço de terra. Isso tudo é de uma sabedoria que tive que vencer vários preconceitos para compreender. 

               Certo dia, eu passei no vestibular, e cheguei orgulhosa e feliz para contar para ela que eu ia ser médica. Mas ela me olhou na sua simplicidade e disse que não era possível, mas que eu até poderia conseguir um emprego no hospital, mas ser médica não. Ela até contou que quando minha mãe ficou grávida de mim, ela fez uma promessa para uma santa para que eu fosse uma boa menina e trabalhasse no hospital de jaleco branco. Mas fazer medicina era muita ambição. Demoraram três anos para eu e minha família convencê-la de que eu estava virando médica, três anos tentando dizer que eu estudava para ser médica e não enfermeira, cozinheira, secretária, técnica de enfermagem, ou faxineira do hospital. 

                Aí ela resolveu contar para seu  médico, que tinha uma neta  “tirando o curso para ser médica”, ele riu e disse que não poderia ser verdade, que no máximo eu poderia ser uma boa técnica de enfermagem ou  trabalhar no hospital, mas médica não. Ela ficou completamente decepcionada e contou para nós no natal passado que eu não poderia ser médica mesmo, o médico dela dizia que não e indagou a minha mãe porque mentira pra ela e cobrava tanto de mim – se eu fosse uma boa enfermeira tava bom -  Respirei fundo, já estava mais conformada com o fato. 

                Minha mãe incansável pensou em tirarmos uma foto minha de jaleco e estetoscópio (o kit "médico") e eu escrever na foto “Para a minha avó”. E assim fizemos. 

                Hoje ao falar com a minha mãe, ela contou-me que ontem ela telefonou para a minha avó. E ela falou em gargalhadas e sorrisos que tinha levado a tal foto para o seu médico. E o médico tinha se levantado da sua cadeira e falado: “não é possível! Então é verdade” contornado a mesa do consultório e abraçado minha vó e dizendo “ela não é estudante, ela já é médica, tem cara de médica”. Minha avó com os seus oitenta e seis anos vividos de forma dura e simples ficou tão, mas tão feliz que certamente minhas palavras ficam pequenas aqui. 

                Eu descobri (e descubro) que não precisava como imaginava quando era pequena, de uma avó que me espera com presentes. Nem que tem uma casa perfeita. Mas precisava de uma avó que dá gargalhadas ao descobrir que a sua neta vai ser médica. De alguém que me ensinasse que a felicidade é simples, e às vezes mesmo na simplicidade - É difícil de compreender. Nós sabíamos que quando ela entendesse que Eu  iria ser médica ela ficaria genuinamente feliz. Bom, nenhuma família cinematográfica poderia ter me ensinado algo assim. Obrigada.

Minha avó e minha mãe
Voam abraços,

Mayara Floss
17/12/2013
Revisão: Elzira Cecília Serafini Floss

2 comentários:

  1. Mayara, que história bonita, emocionante. Acho que com o tempo a gente vai resignificando nossas vivências de uma maneira muito simbólica.

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