Mostrando postagens com marcador avó. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador avó. Mostrar todas as postagens

08 abril 2015

Novena

 
Quando eu estava no auge dos meus nove para dez anos, minha avó decidiu me explicar sobre a novena. Afinal, ela ficava à noite rezando e ninguém podia interrompê-la. Silêncio absoluto e eu ficava sentada no sofá vermelho com flores pretas e brancas com cheiro de casa de vó assistindo. Então ela me sentou na sala e explicou sobre a novena das três Ave-Marias, como rezar o terço – bolinhas grandes, bolinhas pequenas.

Nunca fui boa em decorar as orações. Trocava a ordem do credo e no Santo Anjo eu criava minhas próprias palavras porque não entendia o que eles estavam falando. Mas minha avó falou do poder da novena, nove dias rezando, vários Pai-Nossos e várias Ave-Marias – ajoelhada no chão que era importante o sofrimento! Eu ouvi com muita atenção e ela falou que se eu desejasse com muita fé, mas muita fé, iria se realizar. Seu eu orasse com todo o meu coração e devoção, toda a minha fé de nove anos de idade eu iria ter meus desejos atendidos.

Então ela anotou em um papel a novena e explicou que até gente muito doente tinha se curado com a novena, que quem estava mal na escola tinha passado de ano, entre tantos outros milagres. Eu fiquei maravilhada com o poder de rezar. Ela me explicou que eu poderia fazer três desejos como: passar de ano, tirar uma boa nota, entre outros. Mas em geral eu era uma boa aluna, não tinha ninguém doente em casa, parecia que tudo ia bem. E a advertência era clara: “não podia contar para ninguém o que eu tinha desejado. Se não, não acontecia”.

Então fiz meus três desejos por ordem de importância, os dois menos importantes eu não lembro. Mas o mais importante de todos eu lembro! Rezei por 9 dias ajoelhada no chão com a minha avó, e alguns dias sozinha no meu quarto, com toda a fé do meu coração, ficava ajoelhada até os meus joelhos ficarem vermelhos e com a marca do assoalho do chão, considerei até jogar milho no chão como tinha visto na novela. Mas achei que minha fé era boa para não precisar, porque perguntei para a minha avó e ela disse que rezar com milho no chão  era só para quem tinha feito algo muito ruim.

O meu desejo, acho que agora posso revelar sem medo se vai acontecer ou não, era, pasmem, que os Pokémons existissem!  Rezei com toda a minha fé de 9 para 10 anos de idade para que eu acordasse depois dos nove dias de reza intensa e encontrasse as pokebolas no meu quarto, ou para que o Professor Carvalho (personagem do desenho Pokémon) me enviasse uma mensagem e eu tivesse que escolher entre uma das criaturinhas para começar a minha jornada de treinadora de Pokémon.

Não preciso contar a minha decepção ao acordar depois dos nove dias e ficar esperando os Pokémons aparecerem. Já estava imaginando como seria na escola, eu não ia contar para ninguém, mas saberia que eu que tinha trazido os Pokémons para o mundo. Já tinha até um plano B se o professor Carvalho não me chamasse para ser uma treinadora, eu iria capturar um Pokémon selvagem!  Esperei para encontrar a minha avó e pedi para ela quando que o desejo acontecia, ela disse que “às vezes toma tempo” e advertiu que era preciso muita fé. Fiquei decepcionada e perplexa com a minha fé assistindo jornal e esperando que a manchete na televisão dissesse que os Pokémons eram de verdade e que estava recrutando novas crianças para treinar. 

Depois eu quis as corujas do Harry Potter, ou um armário para Nárnia e até fiquei sabendo que teve criança que desejou raio lazer verde como um dos três desejos da pulseira que arrebenta com o tempo do Padre Cícero. O tempo passou, não tive a minha Pokeagenda, mas sentei e tive uma conversa muito séria com um garoto que entrou com um boné do personagem principal do Pokémon. Não precisei nem de um segundo para reconhecer e perguntar para ele onde estavam as pokébolas, entre exame físico e conversas com o pai discutimos sobre qual Pokémon ele escolheria para iniciar a vida de treinador Pokémon, quais ele captaria e como cuidaria deles. Ele sorriu e até ficou um pouco melhor da amigdalite.

"Pelo mundo viajarei tentando encontrar. Um Pokémon e com o seu poder tudo transformar..."

Voam abraços,

Mayara Floss

21 dezembro 2013

Avó



               Eu não tive avôs, eles se foram cedo. Mas tive avós. Essa história que me abraçou hoje é minha e da minha avó  materna. Durante um bom tempo da minha vida eu tive uma certa vergonha da minha avó. Quando eu era pequena lembro-me  da  casa da minha vô na qual a minha mão passava inteira por algumas frestas entre a madeira da parede. Eu corria atrás das galinhas e brincava no pátio simples, meio plantação meio quintal. Quando cresci (e não muito), queria uma avó de filme, que fosse me visitar, usasse óculos redondos, fizesse crochê, me desse presentes, e me colocasse em uma cadeira de balanço contando histórias de contos de fadas. 

                Mas a minha avó, nem sabia ler, quando eu era pequena    escrevia-lhe um cartão de natal, e ela olhava para o desenho e dizia “que bonito”, mas eu logo percebia que ela não entendia o meu cartão. O máximo que fazia era um café no seu fogão a lenha em uma daquelas canecas de metal e com bastante açúcar. E me dava batidinhas na cabeça mandando-me  ir brincar lá fora. Eu ouvia histórias tristes sobre a infância da minha mãe e minhas tias. Cheguei a achar minha avó malvada. Nos últimos tempos, quando chego em sua casa nova que ela construiu com o seu próprio dinheiro economizado do fundo rural em um terreno um pouco grande no centro da sua pequena cidade, vejo no seu quintal revirado que meu tio montou um ferro-velho e ao redor  milhos plantados e um pequeno pomar com frutas no pé, só penso em uma coisa, que minha avó é simples.

                Certo dia ela me contava que o diabetes era como uma minhoca gigante que vai comendo a gente por dentro, e me explicou dos chás que ela tomava para controlar o bicho. Ela com o seu vestido de flor, sempre muito parecido, (ela deve gostar de azul, porque ela usa bastante um com o fundo azul e flores amarelas) com os pés um pouco inchados e chinelos de dedo. Um cabelo branco já comprido que ela leva de maneira trêmula as mãos. Mãos essas calejadas pela terra. 

           Quando vamos visita-la ela mostra as uvas na parreira, o que ela anda plantando, as galinhas ao redor da casa, algum porco que anda criando. Tudo isso com um caminhar arrastado e firme pelo seu pedaço de terra. Isso tudo é de uma sabedoria que tive que vencer vários preconceitos para compreender. 

               Certo dia, eu passei no vestibular, e cheguei orgulhosa e feliz para contar para ela que eu ia ser médica. Mas ela me olhou na sua simplicidade e disse que não era possível, mas que eu até poderia conseguir um emprego no hospital, mas ser médica não. Ela até contou que quando minha mãe ficou grávida de mim, ela fez uma promessa para uma santa para que eu fosse uma boa menina e trabalhasse no hospital de jaleco branco. Mas fazer medicina era muita ambição. Demoraram três anos para eu e minha família convencê-la de que eu estava virando médica, três anos tentando dizer que eu estudava para ser médica e não enfermeira, cozinheira, secretária, técnica de enfermagem, ou faxineira do hospital. 

                Aí ela resolveu contar para seu  médico, que tinha uma neta  “tirando o curso para ser médica”, ele riu e disse que não poderia ser verdade, que no máximo eu poderia ser uma boa técnica de enfermagem ou  trabalhar no hospital, mas médica não. Ela ficou completamente decepcionada e contou para nós no natal passado que eu não poderia ser médica mesmo, o médico dela dizia que não e indagou a minha mãe porque mentira pra ela e cobrava tanto de mim – se eu fosse uma boa enfermeira tava bom -  Respirei fundo, já estava mais conformada com o fato. 

                Minha mãe incansável pensou em tirarmos uma foto minha de jaleco e estetoscópio (o kit "médico") e eu escrever na foto “Para a minha avó”. E assim fizemos. 

                Hoje ao falar com a minha mãe, ela contou-me que ontem ela telefonou para a minha avó. E ela falou em gargalhadas e sorrisos que tinha levado a tal foto para o seu médico. E o médico tinha se levantado da sua cadeira e falado: “não é possível! Então é verdade” contornado a mesa do consultório e abraçado minha vó e dizendo “ela não é estudante, ela já é médica, tem cara de médica”. Minha avó com os seus oitenta e seis anos vividos de forma dura e simples ficou tão, mas tão feliz que certamente minhas palavras ficam pequenas aqui. 

                Eu descobri (e descubro) que não precisava como imaginava quando era pequena, de uma avó que me espera com presentes. Nem que tem uma casa perfeita. Mas precisava de uma avó que dá gargalhadas ao descobrir que a sua neta vai ser médica. De alguém que me ensinasse que a felicidade é simples, e às vezes mesmo na simplicidade - É difícil de compreender. Nós sabíamos que quando ela entendesse que Eu  iria ser médica ela ficaria genuinamente feliz. Bom, nenhuma família cinematográfica poderia ter me ensinado algo assim. Obrigada.

Minha avó e minha mãe
Voam abraços,

Mayara Floss
17/12/2013
Revisão: Elzira Cecília Serafini Floss

Postagem mais recente no blog

QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?

                ? QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?   Camila chegou de mansinho, magra, esfaimada, um tanto abatida e cabisbaixa. Parecia est...

Postagens mais visitadas no blog