09 janeiro 2014

As trincheiras na universidade de uma guerra em andamento.

As trincheiras na universidade de uma guerra em andamento.
A luta para preservar e construir uma sociedade que permita a todos a realização dos anseios fundamentais do coração




Todos os seres têm a mesma origem; um destino comum os une.

Vivemos, no entanto, a ameaça de devastações inimagináveis do sistema da vida por causa da ação irresponsável do ser humano.  O dinamismo do capitalismo parece consolidar uma cultura de individualismo alienante, de competitividade entre os seres e de relação utilitarista com a natureza. 

Uma guerra está em curso. As forças em luta têm nomes, interesses e discursos elaborados de legitimação.  Algumas destas forças têm ações extremamente perversas e espertamente dissimuladas. Outras são ingenuamente cúmplices.

Na história humana, sempre estiveram presentes a opressão, a perversidade, a necessidade de se distinguir pela desigualdade e o uso utilitário de outras formas de vida. No presente, no entanto, a tecnologia agigantou o poder de destruição das ações humanas. O desenvolvimento das ciências da administração possibilitou a criação de gigantescas instituições controladas por poucos e com capacidade de ação global. Os grandes meios de comunicação de massa possibilitaram a manipulação ampliada da cultura e das subjetividades.  O perigo de destruição da vida chegou a níveis nunca vistos.

O aumento de consumo de bens, a agitação e a alienação, resultantes do sistema, dispersa as vontades, fragmenta os sonhos e acomoda. A gravidade da situação não mobiliza. Um véu adocicado e cheio brindes encobre o processo de destruição do sistema da vida em andamento.

Cresce o desânimo dos que percebem o perigo e sofrem as consequências de forma mais direta.  Muitos seres ameaçados são impotentes diante dos poderosos mecanismos de destruição em marcha.

A esperança é hoje a virtude mais urgente e necessária. Uma esperança que nos mobiliza para a construção uma sociedade que crie condições e permita a realização dos anseios mais profundos e fundamentais do coração de todos os seres.

Como resgatar e difundir a esperança e a mobilização para o enfrentamento da gravidade da situação?

A esperança é filha do silêncio. Anda com mansidão sobre a terra – ela é sagrada. Distancia do turbilhão trazido pelo sistema econômico e político baseado na competição. É preciso permanecer desperto para o Sopro que perpassa tudo o que vive e respira. Escuta sensível. Por dentro deste espaço mental sensível, a esperança se recompõe pela percepção clara do que é fundamental.  A determinação para o enfrentamento é mobilizada. Surge motivação e inspiração para estudos bem orientados e reflexão cuidadosa dos desafios e estratégias de enfrentamento.

Pesquisar os anseios fundamentais dos seres para orientar o trabalho social, pois há muitos anseios e inquietações que dispersam e levam a aprisionamentos. Manter a fé, a firmeza e prontidão para o enfrentamento das estruturas sociais e subjetivas da alienação e opressão.  Cultivar a solidariedade e a afetividade nas relações sociais. Sem dispersar, viver a alegria e o amor, anseios fundamentais e, ao mesmo tempo, forças de transformação. Construir organizações sociais e econômicas fundadas na solidariedade e no respeito aos anseios da vida.

Nesta guerra, cada pessoa e cada grupo social têm seu lugar e sua trincheira. É preciso agir localmente, pensando e se articulando globalmente.

A universidade é espaço importantíssimo nesta guerra.

Para muitos jovens, a universidade é o local de contato com a diversidade de projetos pessoais e sociais presentes na história. Jovens pela primeira vez se expondo de forma ampla a correntes teóricas e forças políticas que estão para além do espaço de suas famílias e suas comunidades de origem, criando momentos de intensa reflexão e mudança.

Os projetos sociais em luta estão na universidade representados nos grupos docentes, na forma como suas instituições se organizam, nos conteúdos dos textos estudados, na diversidade dos movimentos estudantis e no clamor e na voz das pessoas ali assistidas.

Universidade, campo de luta voltado para a conquista ideológica dos futuros profissionais guerreiros que jogarão as próximas batalhas. Campo de luta pela consolidação e legitimação de práticas profissionais que irão favorecer, com a aparência de uma escolha apenas técnica, um ou outro lado das forças em luta. Local de pesquisa e aprimoramento de novos projetos de enfrentamento e de técnicas mais eficazes para o fortalecimento dos interesses em luta.

As práticas acadêmicas dominantes trazem embutidas uma educação ideológica, tornada invisível por um discurso técnico de eficiência pedagógica e de preocupação neutra com a multiplicação de formas mais científicas de agir profissional. Ensinam o individualismo, a competição como melhor caminho para excelência profissional e o olhar para o outro em atendimento que desconsidera sua complexidade e suas diferenças. Legitimam a relação com a natureza de modo instrumental. Formam profissionais operadores acríticos de técnicas desenhadas nos grandes laboratórios de empresas e governos marcados por interesses.  Multiplicam e legitimam os procedimentos técnicos que geram maior consumo de mercadorias. Reproduzem mentes profissionais conformadas com um modelo de vida centrada no consumismo e na busca de distinção individual. Enfim, uma educação muito adequada ao fortalecimento da organização econômica que está ameaçando o planeta.
Sob o manto de um discurso pedagógico voltado para eficácia e de uma agitação alegre, cheia de paqueras, brincadeiras, encontros, premiações, acontece a guerra entre as grandes forças sociais em luta pela condução da vida na Terra.

Há uma urgência e gravidade no nosso tempo que não estão sendo percebidos pela maioria. Alguns estão percebendo. Cabe a eles o despertar da maioria. Mesmo que pareçam uns chatos estragando a aparente tranquilidade da alegre agitação universitária que deixa rolar os modos dominantes de conduzir a vida, em grande parte gestados nas grandes empresas e poderosos governos, controlados por uma elite econômica.

Universidade, também campo importante de resistência ao processo de devastação do sistema da vida pela irresponsabilidade da ação humana. Há, na universidade, um movimento antigo de busca de novas formas de ensino e de novas práticas sociais que vêm experimentando e difundindo um significativo saber de reorientação do aprendizado e de novas formas de lidar com a sociedade e a natureza.

Para um conjunto considerável de estudantes e docentes mais comprometidos com a transformação social, estruturou-se um currículo informal que, ao mesmo tempo, critica o modelo dominante de ensino como também aponta caminhos, já testados e aperfeiçoados na atual estrutura universitária, para uma reforma mais ampla. É preciso escutar este movimento.

A extensão universitária é o espaço mais livre para a gestação de novas práticas pedagógicas contra-hegemônicas. É o lugar para o movimento social dentro da universidade. O novo não é gerado apenas a partir da reflexão de grandes intelectuais. Pelo contrário, é fruto principalmente de movimentos sociais. Uma construção coletiva realizada em processos históricos.

A luta por uma sociedade mais solidária, justa e amorosa é muito antiga na história. Com o desenvolvimento da humanidade, suas estratégias foram se transformando. Educação Popular é uma criação latino-americana, em expansão nos outros continentes, que busca incorporar os saberes trazidos da tradição cristã de busca da solidariedade com as reflexões das ciências sociais da modernidade que apontam para a importância do enfrentamento não apenas das relações pessoais e comunitárias injustas e destrutivas, mas também das estruturas políticas e econômicas geradoras desta injustiça e destruição.

O movimento extensionista brasileiro cresceu fortemente influenciado pela Educação Popular, sistematizada de forma pioneira por Paulo Freire.

O ser humano é marcado pela precariedade e limitação, mas se mobiliza e dá sentido a sua vida por meio de sua aspiração infinita. Perceber a ligação de sua existência limitada e precária com os projetos mais amplos de justiça, solidariedade e integração com toda a natureza, dá-lhe forças para escapar do conformismo com uma vida centrada no consumo de mercadorias e na busca de distinção pessoal.

A percepção e envolvimento nestas grandiosas possibilidades e perigos presentes no trabalho acadêmico, salva os seus profissionais e estudantes da mediocridade, alienação e submissão ao interesse políticos e econômicos de poucos. Cada iniciativa acadêmica e cada prática técnica realizada na universidade podem passar a ser gestos voltados para preservar e construir uma sociedade que permita a todos os seres a realização de seus anseios mais fundamentais. É um ato luta nesta guerra em andamento contra as forças que estão ameaçando submeter a vida à lógica do lucro monetário de uma minoria.

Mas mobilização e enfrentamento sem perder a mansidão, a ternura, o silêncio, a simplicidade e a sensibilidade para o que é fundamental. Com meditação e oração. Um ato de guerrear feito de novo modo. A exasperação e o rancor nos jogam para o lado do inimigo.

[Eymard Mourão Vasconcelos escreve no Rua Balsa das 10 às 5as-feiras]

3 comentários:

  1. Eymard. Parece-me que o poder nos inquieta e nos dói. Alguém me falou do poder do Bem. De exercer esse bem nos espaços de poder. Difícil mas não impossível. Mas suas imagens poéticas poderosas são inquietantes. Curioso pensar que os soldados e generais dessa guerra na academia são quase que acéfalos, tão angustiados estão na corrida por produção "científica" e por projetos financiados que afirmem o seu pequeno poder dentro dos campus.

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    1. Júlio, mas nós estamos tendo também a oportunidade de conviver e admirar muitos soldados, bem jovens, inquietos e com muito brilho no olhar, articulando iniciativas criativas e alegres de enfrentamento desta lógica que carreia montes de poderosos intelectuais famintos pela distinção nos moldes oficiais. Este dinamismo meio marginal é que me faz continuar, com gosto, na universidade, mesmo já podendo estar só em casa curtindo a aposentadoria.

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    2. Tens razão meu amigo. Mas eu me referia aos que, nessa guerra, querem trucidar a utopia e o ser-fazer médico (ou de outras profissões) que seja crítico ao sistema comercial e político de poder. Acho que muitos jovens médicos e sanitaristas caem na armadilha na vaidade e do poder fácil. Achar que são superiores porque dominam conceitos e jargões, porque se articulam bem nos espaços políticos e institucionais. Perde-se o que é mais valioso do "alternativo", a humildade e o serviço, e o encantamento pelo simples e o singelo.

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