12 agosto 2014

O MEU Robin Williams [julio wong]







Para Paula, confiando que um dia aprenda que 
a liberdade se luta a cada segundo. E sempre com humor e graça. 
Como Robin.

Hoje estou longe pra caramba do meu cotidiano. De alguma forma me encontro e descubro nos gestos, vozes e olhares de pessoas inesperadas a milhares de quilômetros dos meus lares afetivos. No norte da América do Sul, refugiado em Boyaca, eu me emociono como quem vê o filho andar pela primeira vez; ou sobreviver a uma cirurgia longa e muito arriscada. Comovido e algo choroso.

Hoje se faz duro digitar. E, como fazia há mais de vinte e cinco anos, criar para mim era digitar. Tive o meu primeiro PC ainda estudante de medicina em 1985. Fazia poemas que guardava em grandes discos flexíveis. Os achava poéticos e mágicos. 

Hoje, depois dos sismos de 2014, é duro digitar. Mas. 

Mas o Robin Williams se foi e então eu devo e quero escrever. Mesmo que seja com os polegares. Sim, sei que soa dramático. Mas não o é tanto. É só força de costume e manias de quem valoriza demais o criar. Ato inusitado. Sempre espantoso. Arranjos de espírito e corpo que recentemente perderam esse conforto, essa harmonia. 

Robin. 

Em 1992 eu voltava de morar em Cuzco. Contra a minha vontade sai de lá. Amava minha vida lá. Meus amigos. As paisagens. A mistura de Inca e espanhol que encontrava em cada parede da cidade. 1991 foi ano único, singular e singelo. Mas, burro de mim, não fui capaz de argumentar que não queria. Que estava nem aí para a idéia de sair e estudar. Calei e fui embora. Só queria a alegria e a tranqüilidade dos outros. 

Cheguei a Lima fragilizado. E, numa noite de Miraflores, assisti The Fisher King, um filme do ex-Monty Python Terry Gillian. Com Robin de protagonista. Eu, pouco proclive a prantos, chorei demais ao longo de toda a projeção. 

E foi no cinema com uma amiga canadense, Anne Hajer, que passava por Lima de volta a Toronto. Não foi na TV. Depois pedi desculpas. Mas chorei é muito. Fazia 30 anos e era ainda uma criança. 

Dai para frente eu tive em Williams um refúgio. A fala rápida, a imitação de vozes, o repetitivo e outros trejeitos não me importavam. Eu tinha uma versão do Robin que me consolava. Que me dava esperança de algum dia aprender, dentro de mim mesmo, a dizer o que morava no coração e não o que os outros achavam o melhor para mim. Demorou muito. Demora. 

Quando Victor Valla faleceu eu escrevi que cada um de nós tinha seu Valla particular. Cada um de nós acaba inventando um próprio Valla. É o que acontece com os homens que são transcendentes. Só conseguimos ver e entender partes. Por isso podem aparecer contraditórios. 

O importante é que o Humano nega o catecismo, rejeita a simplificação e a conversão do contraditório e do continente de fraquezas e heroísmos em panfleto, consigna, política nacional de controle mental pela mediocridade. Em mera reprodução e não em criação. 

Por isso ainda acalanto no peito o meu Robin Williams. Meu. Aquele que citava Whitman com empolgação. Que esqueceu que foi o Pan para depois renascer. O que desvirava robô em filme ruim, o que pulou no mundo dos tormentos para encontrar o amor que se foi, suicidado, de impossível redenção. Aquele que fez o Patch, herói de muitos dos meus alunos da UFF. 


Hoje a roda da vida avançou. Novos dilemas, novos aprendizados, alguns arrependimentos inúteis... E repetições com cheiro de karma em pessoas baixinhas, pessoas que amo. Que são de mim. Mas mais são do mundo. 

Por isso vale lembrar o seize the day de Robin em Dead Poets Society. Caaaaaarpe. 

Eu confio. Porque nada há como o poema. Como o canto selvagem no meio da ordem mais férrea. 

Gracias Robin. 


[Julio Alberto Wong-Un publica na Rua Balsa das 10 às 2das]

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