29 setembro 2014

O que dizer? A propósito de umas aulas por vir [Julio A. Wong Un]

Criciuma - em espaço/tempo amado

escrito no celular
no aeroporto

escrito para o amigo Eymard Vasconcelos

escrito também para Ivia e Lenita, cúmplices, parceiras.

agradeço muito a Ernande, Amélia, Vera Joana, Janaína e Renata.

1.

O porvir é ignoto. Sabemos pouco dele embora confiemos. Realizamos aquele parêntese ou suspensão temporária da incerteza e nos comprometemos a acreditar no jogo, na peça, na forma com que a realidade é mostrada a nós, pessoas de fé inevitável.Vivemos.

Nas próximas semanas terei uma alegria acalentada: voltar a ministrar aulas. Voltar a pôr em marcha o pensamento. O meu, que creio controlar ainda um pouco. E, de forma esperançada, o de alguns estudantes, neste caso de mestrado. Será temporário, teste, vontade de ser mais. De ir além de certas prisões benignas que o próprio corpo e suas mazelas criaram.

Alegria que testará as concordâncias entre o corpo e o espírito - o meu que tropeça, otimista em geral; e o meu que voa, louco em geral.

Movimentar por fora o que já se movimenta tanto ao longo destes meses. A harmonia sonhada entre corpo e mente. A dualidade provavelmente inexistente.

Eu, que ainda atravesso mares em barcaça frágil e rebelde, declaro com altura e som: viver pede uma energia extraordinária. Pensar, rir, encontrar o fio de criação alegre que todo pensamento perdurável demanda, é tarefa extraordinária. A forma como nosso cérebro se harmoniza silencioso e invisível com força, movimento, equilibro, sensibilidade, consciência do espaço, do peso, da velocidade, da força exata para que - inocentes - executemos o simples, é verdadeiro milagre.

Ao distanciarmo-nos do simples por alguma razão - seja lesão do corpo ou de outro tipo - acordamos à consciência da extraordinária complexidade de todo o viver. Desde o roçar dos corpos, a carícia, o abraço, até o idealizar novas formas para os sonhos, os futuros, as esperanças, exercícios e acrobacias mentais - e existenciais também.

O simples encerra níveis de complexidade que não imaginamos.

Pegar um copo, lavar um prato, fritar um ovo, acariciar a cabeça da filha pequena, subir e descer degraus... tudo... Escrever e digitar: coisa hiper complexa... no simples... no banal. Dar forma ao pensamento.

Mário Benedetti dizia que nada há mais complexo e desafiador do que construir / criar um poema simples. 

E, pelo contrário, nada mais fácil - para alguém habilidoso e preparado - do que exercer a erudição e a elaboração de textos densos e difíceis - que, de muitas maneiras, são formas de mostrar o próprio poder daquele que os escreveu.

O simples não. Ou cai no lugar comum e fica na superfície das coisas - sendo condenado, com justiça ou não, à mediocridade - ou atinge processos desconhecidos e potencializa ou inicia mudanças tanto no próprio artesão como nos seus possíveis leitores.

No simples se valoriza um certo ideal de Ser: o mínimo de poder e o máximo (dependendo de cada qual) de sabedoria, como diziam os sábios chineses taoistas. Eu acrescentaria: o máximo de sensibilidade poética e artística. E a habilidade construída de manter esses sentidos todos antenados, vigilantes, tingidos de maravilha. Isso que é o verdadeiro desafio. O caminho que se faz ao pensar e deixar de se pensar. O saber biológico entranhado (Bateson dizia). A propriedade de ser pedra e criar musgo: traste (proposta Manoelziana).

Enfim. Os temas das aulas me permitirão um re-encontro e quem sabe uma síntese parcial e temporária (como todas)porque ando enchido de espírito. Ando presenteado pelas vidas e pelos amores. Doce, felino, desejo aprazível que se acorda mutuamente nas madrugadas... admiração constante pelo milagre assistido... e de criação compartilhada.

Vale então refletir sobre as faces do dodecaedro chamado fé ou religiosidade, ou vínculo com (e procura do) o invisível... temas que sempre amei mas com freqüência deixei largados, abandonados por desleixo.

E, ainda, hoje reconheço, o objetivo principal (nada claro, nada coisa alheia, nada norteador e iluminado) do viver em busca da maravilha do simples: a imaginação e as artes.

4 aulas, 2 temas meus. Meus porque amados. Meus mas que deixo voar. Meus mas que espero escutar dos outros suas invenções.

Serão então, tempos de espelho e de portais. Tempo de escutar a voz e o silêncio - meus, das amigas, dos estudantes. Porque não tenho certezas dos comos e dos por quês, mas sou chama que persistiu. 


2.

Tenho sido um mal exemplo de convalescente. E ainda o serei. Brincadeiras com os riscos, as prudências, as leis que nos rotulam como doentes definitivos e mutilados. Tenho mexido com os limites, as advertências, as condições e rótulos. Tenho me testado e em geral tem dado certo. Mas tenho pagado alguns preços. Não se pode ter tudo. Alma cheia, corpo doído, ou chumbado.

Mas nesses anseios de ser mais e mais humano, mais e mais além, tenho arrastado pessoas queridas. Elas todas me apoiaram, cada uma com seu jeito. Agradeço com profundeza de alma. Com gratidão oriental - essa que não corresponde a favores ou a coisificar os atos amorosos. Gratidão que é simples sorriso ao universo.

Agradeço e continuo dando passos leves.

Elas sabem quem são. Espero que sorriam comigo.

Faz 1 semana fiz 6 meses do renascimento. E ando bem por aqui.








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