17 julho 2017

"Toda cidade tem suas baratas" [Julio A. Wong Un]



para a Janaina, amiga intensa e profunda
para que o sol a aqueça, e o carinho seja colo


O meu final de semana foi complexo. Fui desde a perplexidade e a dor, à raiva - mínima -  e à compaixão, até a alegria e a celebração da vida de uma das minhas filhas.

Na sexta, às 9 horas da manhã fui roubado na esquina de casa. Um garoto de bicicleta, magro como um arame, veio voando de bicicleta na contramão enquanto eu, distraído, olhava os carros virem e esperava abrir o sinal. O celular tocou insistentemente e eu peguei ele do bolso para ver o que era. Nem ficou 10 segundos e o garoto tomou ele da minha mão e saiu correndo na bicicleta, como um guepardo faminto. 

Celular caro, ainda nem pago completamente.... os que me conhecem sabem que uso esses aparelhos para mil coisas e não como ornamento ou luxo. Mas trabalho e daqui a alguns meses tentarei comprar outro.

Não consegui ficar com raiva do ladrão. No começo me senti mal por não sentir raiva ou ódio. Depois senti leveza e alívio por não ter mais acesso a esses sentimentos. Hoje cedo, ao sair à rua, senti um medo leve de andar nas ruas. Psicólogos explicam - embora não entendam.

Ao longo do dia, na sexta ainda, senti a solidariedade dos colegas aqui da minha equipe na FIOCRUZ. Como o iphone tinha localizador, vi que em menos de duas horas o aparelho estava numa favela de Caxias, e depois, no fim da tarde, na Vila Mimosa, lugar de prostituição, triste e miserável, de ladrões e reduzidores de latrocínios. Depois o celular sumiu, provavelmente desmontado ou hackeado.

No mesmo dia, aliás, noite, levei as minhas duas meninas a Niterói. Estava com a expectativa de que elas conhecessem a Orquestra de Cordas da Grota, grupo de jovens com os que eu já estou encantado e empolgado de apoiar em alguma coisa. 

A viagem de Uber foi demorada mas de conversa muito boa. O motorista, morador de Niterói, era gente fina. Até parou num posto para uma urgência fisiológica. Chegamos animados. E, graças às deusas e aos deuses, elas gostam do meu cantinho, com poucas coisas, mas cheio de imagens e pequenos objetos plenos de significado. A essa altura eu nem lembrava mais do roubo. A recordação iria e voltaria várias vezes, eu sabia, mas decidi meditar sobre o sofrimento e a violência e o que leva as pessoas à maldade.

No sábado, não tão cedo porque uma das minhas meninas é dormilona, fomos ao MAC. Nos disseram pelo Zap que as atividades na orquestra iriam acontecer o dia todo. O MAC foi lindo. Voltamos caminhando, conhecendo as belezas da região... 



Ali senti falta do meu celular, com sua câmera posante. Mas enfim, pensei de novo, trabalho e comprarei outro em meses. Mais importante era a alegria das filhas, uma delas quase com 17 anos - faltava tão somente um dia.

O dia em que ela nasceu, em 2000, foi o mais frio do ano. 17 anos depois os dias estão lindos, o mundo é feliz com a presença dessas três mulheres - Bia, Cacá e Paula. E eu não sinto que tenha mérito meu nenhum. Me sinto um acompanhante privilegiado, um sortudo sem fim. E nisso agradeço às companheiras, os amigos, os amores, os acasos, os destinos, os carmas, os sonhos e etc.

Na Moreira César, rua de luxos de Icaraí, vimos uma família grande de moradores de rua, todos obesos e sentados no chão numa das esquinas. Duas senhoras velhas, gordas e estranhas, caminhavam na nossa frente cochichando... depois que passamos o grupo de pedintes uma delas, a mais horrível, disse em voz alta: poi ser, toda cidade tem as suas baratas. Eu e as minhas filhas devíamos ter pisado nas duas horríveis, verdadeiras baratas.

No fim não conseguimos escutar a orquestra. Informação errada. Mas fomos lá e todos os jovens ficaram encantados - minhas filhas, a garotada da orquestra - e estavam comendo pão com linguiça que adoro. Mas pela vergonha de ter chegado tarde nem aceitamos.

O tempo afinal é um presente. E a perda do celular caro e amado é um ensinamento.

O nirvana nunca será da Apple.











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