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Figura disponível em: Goo.gl/Ur5Xqr
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Ernande Valentin do Prado
Você trabalha o dia inteiro, chega em casa e encontra seu filho com a
temperatura da pele elevada (febre?). Aproveita que a Unidade Básica de Saúde (UBS)
perto de sua casa fica aberta até às 21 horas e vai lá. Não lhe atendem porque “você
deveria ter procurado atendimento durante o dia”.
Te mandam para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), que é onde você
deve ser atendida em caso de urgência. E febre, segundo a recepcionista que te
atendeu (e parecia ser a única pessoa na UBS, além do guarda municipal) é uma
urgência.
Você pega um ônibus e vai, porque a UPA não é tão perto de sua casa
quanto a UBS e não dá para ir andando. Chega lá e fica esperando um tempão, porque
parece que todas as pessoas da cidade têm uma emergência (ou talvez não foram
atendidos nas UBSs ou nas USFs). Aí, depois de muito aguardar, alguém mede a
temperatura de seu filho, 37,8 graus e diz que não vão lhe atender porque no
seu bairro tem Unidade de Saúde que funciona durante a noite e deveria ser
atendida lá (o que não deixa de ser verdade).
O que ninguém consegue entender, nem o pessoal da UPA, é que mesmo a unidade
estando aberta você não consegue ser atendida. Os motivos podem ser:
1.
A enfermeira e o médico, às 19 horas podem ainda não ter chegado, apesar
do expediente começar às 17 horas.
2.
A enfermeira e o médico podem já ter ido embora, apesar do expediente
terminar às 21 horas.
3.
Você não é de área descoberta, por isso “não tem direito” de ser
atendida a noite.
4.
Você não fez um barraco e exigiu seus direitos da forma certa.
Você percebe, na porta da UPA, e já tinha percebido antes, que se correr
o bicho pega e se ficar o bicho come. Alguém diz:
- Porque a senhora não reclama no ministério público?
Aí você lembra que o judiciário liberou a mulher do deputado e do
governador corrupto, apesar de todas as evidência, e mandou prender por três
anos a mulher que roubou um shampoo, lembra que um juiz tem mordomias tão
absurdas que o distância do que é viver como um ser humano. Lembra também que já fez três queixas conta a
UBS no ministério público, que já reclamou no conselho de saúde, que já
reclamou até na ouvidoria de saúde (e só perdeu seu tempo) e responde:
- Todo mundo sabe como são as coisas aqui. O que tenho que fazer mesmo é
arrumar dinheiro para pagar um plano de saúde.
PS. Pode até parecer, mas esse texto não defende que o Sistema Único de
Saúde (SUS) não funciona ou que não tem como dar certo. Quem precisa de
serviços e cuidados de saúde e não tem outra escolha, sabe que sem o SUS a
situação poderia ser ainda pior. Porém não dá para ignorar que a coisa parece cada
dia pior, embora não seja em toda parte. O que parece mesmo não ter dado certo,
neste momento, é a própria ideia de Brasil.
Defender o SUS exige cada dia mais fé e é preciso admitir que nem todos
acreditam e precisam deste Deus. E grande parte dos que precisam estão trocando
de igreja.
[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às
6tas-feiras]
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