14 julho 2017

SE CORRER O BICHO PEGA SE FICAR O BICHO COME

Figura disponível em: Goo.gl/Ur5Xqr 
Ernande Valentin do Prado

Você trabalha o dia inteiro, chega em casa e encontra seu filho com a temperatura da pele elevada (febre?). Aproveita que a Unidade Básica de Saúde (UBS) perto de sua casa fica aberta até às 21 horas e vai lá. Não lhe atendem porque “você deveria ter procurado atendimento durante o dia”.
Te mandam para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), que é onde você deve ser atendida em caso de urgência. E febre, segundo a recepcionista que te atendeu (e parecia ser a única pessoa na UBS, além do guarda municipal) é uma urgência.
Você pega um ônibus e vai, porque a UPA não é tão perto de sua casa quanto a UBS e não dá para ir andando. Chega lá e fica esperando um tempão, porque parece que todas as pessoas da cidade têm uma emergência (ou talvez não foram atendidos nas UBSs ou nas USFs). Aí, depois de muito aguardar, alguém mede a temperatura de seu filho, 37,8 graus e diz que não vão lhe atender porque no seu bairro tem Unidade de Saúde que funciona durante a noite e deveria ser atendida lá (o que não deixa de ser verdade).
O que ninguém consegue entender, nem o pessoal da UPA, é que mesmo a unidade estando aberta você não consegue ser atendida. Os motivos podem ser:
1.    A enfermeira e o médico, às 19 horas podem ainda não ter chegado, apesar do expediente começar às 17 horas.
2.    A enfermeira e o médico podem já ter ido embora, apesar do expediente terminar às 21 horas.
3.    Você não é de área descoberta, por isso “não tem direito” de ser atendida a noite.
4.    Você não fez um barraco e exigiu seus direitos da forma certa.
Você percebe, na porta da UPA, e já tinha percebido antes, que se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. Alguém diz:
- Porque a senhora não reclama no ministério público?
Aí você lembra que o judiciário liberou a mulher do deputado e do governador corrupto, apesar de todas as evidência, e mandou prender por três anos a mulher que roubou um shampoo, lembra que um juiz tem mordomias tão absurdas que o distância do que é viver como um ser humano.  Lembra também que já fez três queixas conta a UBS no ministério público, que já reclamou no conselho de saúde, que já reclamou até na ouvidoria de saúde (e só perdeu seu tempo) e responde:
- Todo mundo sabe como são as coisas aqui. O que tenho que fazer mesmo é arrumar dinheiro para pagar um plano de saúde.

PS. Pode até parecer, mas esse texto não defende que o Sistema Único de Saúde (SUS) não funciona ou que não tem como dar certo. Quem precisa de serviços e cuidados de saúde e não tem outra escolha, sabe que sem o SUS a situação poderia ser ainda pior. Porém não dá para ignorar que a coisa parece cada dia pior, embora não seja em toda parte. O que parece mesmo não ter dado certo, neste momento, é a própria ideia de Brasil.
Defender o SUS exige cada dia mais fé e é preciso admitir que nem todos acreditam e precisam deste Deus. E grande parte dos que precisam estão trocando de igreja.

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]



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