12 junho 2018

CONTOS DE QUITANDA III - MORANGO SELVAGEM


Maria Amélia Mano

Antes da calma e da zumba, João Alberto contratou detetive mulher que era mais seguro. Se havia algo a esconder, Solange era a mais famosa na área de adultério feminino. E Solange começou a seguir Rosa. O tempo esse da vida, dos segredos, dos salões de beleza, dos esmaltes e das oportunidades é mesmo traiçoeiro para os que se apaixonam. Nada escapa e tudo acontece quando pessoas precisam se encontrar e viver seus desejos. Que desejos sempre aparecem, mesmo em uma retirada de cutícula. Mesmo na aparente calma.

No início, Rosa vinha fazer as unhas eventualmente no salão Brilho de Mulher. Usava sempre um esmalte incolor ou as mesmas poucas cores intercaladas: renda e pérola. Depois, repentinamente, começou a vir com mais frequência, cada vez mais. Chegava a vir de dois em dois dias, o que causou estranhamento em Sheila, a manicure que mais atendia Rosa. Agora, sempre queria os tons de vermelho, os nomes de esmalte variavam entre: rosa-pitanga, fada, cigana, goiaba, paetê, poodle (puxado para o lilás).

Depois de um período, veio com algo mais arrojado: escarlate, rubi, maçã do amor, licor, carmim, até chegar no cappuccino e violeta. Sheila ficava curiosa. Rosa, reservada, nunca deixou escapar uma só pista. Mas quando veio pedindo o esmalte de unhas husky, Sheila não se controlou e perguntou, afinal, por que tantas cores, tantas vezes. Rosa simplesmente sorriu, deu de ombros e disse que ficasse tranquila: agora, só usaria husky e morango selvagem, alternadamente. Como Rosa parecia magoada com a pergunta, Sheila resolveu não mais falar.

Meses antes, quando Rosa usava esmalte incolor, renda ou pérola nas unhas, eventualmente, notou que os dedos engrossaram e a aliança de casamento já não cabia mais. No espaço entre a aliança e o dedo, irritação de metal que aperta, depósito de sabão, detergente e angústia. Marca fina causando inchaço no dedo. Todas as justificativas para cortar a aliança, libertar o dedo. E assim fez e assim após 25 anos, desde que casou com João Alberto, viu seu dedo nu, ainda que as unhas estivessem mal-tratadas, de cor opaca e sem graça.

Assim, depois do corte, foi como se houvesse uma liberação de hormônios represados e cores presas. Veio um brilho nos olhos e um interesse pelas mãos nuas, tão lindas, as dela e as de homens que, antes, não via. E, assim, Rosa mudou de cores e amores, com a rapidez com que a acetona limpa um esmalte de unhas. Preocupado com a mudança, João Alberto deu de presente uma nova aliança, mais larga. Tão larga que Rosa conseguia tirar e botar quando assim desejasse. Seguiu estranha até iniciar com as aulas de zumba, quando, finalmente, se acalmou mais.

Nada foi descoberto sobre Rosa. João Alberto desfez o contrato com Solange, tranquilo com a calma da esposa, depois que ela entrou para a zumba. Rosa seguiu fazendo as unhas com Sheila. Sheila seguiu sem perguntas, mas ganhou uma nova cliente, uma loira estonteante com os olhos azuis tal qual um husky siberiano. Fora detetive e agora, virara professora de zumba. Solange conservava nas unhas, a cor especial: morango-selvagem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O que tem a dizer sobre essa postagem?

Postagem mais recente no blog

QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?

                ? QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?   Camila chegou de mansinho, magra, esfaimada, um tanto abatida e cabisbaixa. Parecia est...

Postagens mais visitadas no blog