27 julho 2018

EMPREGO


Ernande, saúde da criança 2007.
Ernande Valentin do Prado





— Você é o enfermeiro?
Disse o homem de mais ou menos um metro e setenta e cinco, barba sem fazer há uns dias, o que lhe dava uma aparência cansada. Os olhas eram tristes. Na mão segura uma receita com anotações.
— Sou eu...
Respondi estendendo a mão.
— A moça da recepção disse que eu deveria falar com o senhor...
Seu Carlos entregou a ficha de acompanhamento com anotações de valores de pressão arterial de vários dias. Todas alteradíssimas. Depois mostrou meia dúzia de receitas com diferentes medicações.
Ele contou sua história, quer dizer, contou a história da doença. Detalhou a escalada dos valores da pressão arterial, cada vez mais alta e descontrolada. Falou de todos os remédios que estava tomando, de todos os exames que já tinha feito, de todos os médicos de família que já tinha consultado, dos diferentes especialistas, das diferentes medicações e doses que já tinha experimentado.
— É só isso, seu Carlos?
Disse eu, esperando algo mais. Porém ele não respondeu de imediato. Levou um tempo, que não deve ter sido tão longo, mas que sempre parece mais constrangedor do que realmente é. Então insisti.
— ...não tem mais nada, Seu Carlos?
— É só isso...
Disse o homem, olhando para o chão.
— Talvez não tenha nada que possa me contar agora, Seu Carlos, mas se veio falar comigo, depois de tudo que já fez, deve ter mais coisas que ainda não falou com ninguém, concorda?
Ele não respondeu de imediato. E eu esperei, dando tempo para que o homem pudesse finalmente contar (e entender) o que fazia sua pressão se alterar. Finalmente ele levantou a cabeça e disse:
— Eu era caminhoneiro...
E quando terminou de contar sua história, depois de uns trinta minutos, eu apenas fiz uma pergunta retórica.
— Agora o senhor compreendeu porque a pressão não quer baixar?
— Compreendi.
Respondeu Seu Carlos, agora de cabeça erguida.
— Posso fazer mais alguma coisa?
— Hoje não...
— Então vamos medir novamente a pressão e na semana que vem o senhor volta para gente conversar, pode ser?


[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]


OUTROS TEXTOS DA MESMA SÉRIE

Sem Sossego



Nenhum comentário:

Postar um comentário

O que tem a dizer sobre essa postagem?

Postagem mais recente no blog

QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?

                ? QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?   Camila chegou de mansinho, magra, esfaimada, um tanto abatida e cabisbaixa. Parecia est...

Postagens mais visitadas no blog