Ernande Valentin do Prado
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Coração de pão. Imagem captura com o Google, 2018. |
O estômago roncava, já passava das 13 horas e não conseguira
comer ainda. Dois colegas a menos no setor e todos os demônios soltos. Era um
caso atrás do outro e nenhum podia esperar. Vida ou morte.
Tem dia que é assim, faz parte. Conformou-se enquanto descia
a escada correndo em direção ao refeitório.
A coisa estava tão desesperadora que até a cozinha abriu
exceção, geralmente não deixam ninguém entrar fora do horário das refeições. Já
estavam lavando a louça do almoço e se preparando para o lanche da tarde. A
cozinha, igual a enfermagem, nunca pára, neste hospital.
̶̶̶̶ Não tem mais
nada, só pão...
Disse a cozinheira, do outro lado do balcão, cortando duas
grossas fatias do pão caseiro feito pelas freiras da instituição.
̶ ...pode ser?
̶ Vai.
̶ Tem um resto de
sopa também...
̶ Sopa não, pelo amor
de Deus… só pão está ótimo.
Disse eu, tão rápido que fiquei com medo dela achar que
estava sendo mal agradecido.
̶ ...só pão e café
está ótimo.
O pão era quase a melhor parte do dia. Sempre delicioso.
Os serventes já estava limpando o chão. Uma mesa estava
separada:
̶ Senta ali...
E quando fui sentar a sirene tocou. Era a emergência de
novo. Dei uma golada na xícara de café, embrulhei o pão, coloquei no bolso e
corri. Na sala de emergência uma moça, talvez vinte e tantos anos,
convulsivava.
̶ 30 comprimidos de
uma vez...
Disse a colega, enquanto tentava estabilizar o braço
esquerdo para puncionar uma veia.
̶ ...nunca vi, devia
morrer de uma vez, assim deixava a gente ao menos almoçar, não acha?
̶ Acho que ela deve
ter seus motivos...
Respondi, colocando a luva de borracha na mão esquerda.
Depois na direita. Evitei olhar para colega:
̶ Deixa que eu faço
isso. Pode preparar o carvão ativado?
[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]
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