16 abril 2019

MENINO DO MORRO


Maria Amélia Mano

As cidades restarão silenciosas, sem um veículo:
apenas os pés de seus habitantes
reunidos na praça, à espera de seus nomes.
Adélia Prado

Cada luz de casebre no alto do morro é um olho que brilha. Um olho que acende e apaga. Um olho que pisca. Um olho que vacila. Um olho que deixa escorrer a lágrima que não vejo. Porque o casebre é longe, o morro é longe e essas pequenices só vemos de perto. Como pirilampos que reconhecem rua e chuva e seguem menino iluminado quando cantam alto seu nome.

Cada fumaça de casebre do alto do morro é uma linha na face do céu. Uma ruga que aperta e relaxa. Uma ruga que franze tudo ou só um canto de boca, canto de olho. Uma ruga que é leito onde escorre a lágrima que não vejo. Porque o casebre é longe, o morro é longe e essas pequenices só vemos de perto. Como o sorriso do menino quando escuta seu nome. 

Cada pipa colorida. Cada movimento diminuto. Cada arrastão, tiro, desabamento. Cada um, cada uma. Cada lata na cabeça. Onde sobem, onde descem, a razão de viver. Cada coisa que não se vê não só pela lonjura, não só pelo tamanho, mas pela falta de sonho ou esperança. Pela falta que é luta. Como o menino e essa alegria teimosa feito a luz do casebre, do olho, que ainda brilha, mesmo sem nome.

Ilustração: Shozo Ozaki

Um comentário:

  1. Muito bonito teu texto! Muito terno e sensível como tudo o que fazes e escreves:!💕💕💕

    ResponderExcluir

O que tem a dizer sobre essa postagem?

Postagem mais recente no blog

QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?

                ? QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?   Camila chegou de mansinho, magra, esfaimada, um tanto abatida e cabisbaixa. Parecia est...

Postagens mais visitadas no blog