09 novembro 2019

QUANDO A DOR DE FICAR É MAIOR QUE A DOR DE PARTIR


Maria Emília Bottini

O homem bicentenário (1999) é dirigido por Chris Columbus e narra a história de uma família que compra um novo objeto doméstico, um robô ao qual lhe dão o nome de Andrew. Aos poucos o robô apresenta traços característicos de um humano como curiosidade, aprendizagem, inteligência, humor e personalidade própria ao se relacionar com a família com quem  convive.
O filme é baseado em uma história de Isaac Asimov, escritor e bioquímico americano, nascido na Rússia, autor de obras científicas, considerado o pai da ficção científica. Sem dúvida,  o filme é uma aula de humanidade.
Após longo tempo servindo e sendo útil à família que o comprou e sendo propriedade deles, Andrew deseja sua liberdade, não quer mais trabalhar para a família e deseja ser reconhecido como um humano. Após a morte de seu dono ele inicia a jornada em busca de sua origem e de sua liberdade. Muitas conquistas vão ocorrendo e Andrew vai se transformando de robô autômato em um corpo de humano, porém sua longevidade não é humana; ele vive e todos que ama partem e ele permanece ano após ano. Ao se transformar em humano também perderá a condição de imortal.
O cinema tem a capacidade de nos emocionar, mas igualmente proporciona reflexão que ampliam nossos horizontes e percepções de mundo. O que seria de nós sem essa capacidade de nos emocionarmos? Nós estamos nos filmes e é por isso que nos identificamos e nos projetamos neles.
O homem bicentenário nos questiona sobre o que realmente nos torna humanos?
É a condição de sentir o gosto dos alimentos, é a sexualidade, é o trabalho, é o ganhar dinheiro, é ter uma casa? Tudo isso nos torna seres humanos, porém sentir emoções e ter a consciência da finitude é da natureza do homem. Ao mesmo tempo somos questionados sobre qual é o sentido da liberdade? O que significa ter livre arbítrio e fazer escolhas?
Para mim, esse filme é uma das obras-primas do cinema mundial e a atuação do Robin Willians é primorosa, lamentei por ele ter desistido da vida, mas carregava dentro si uma alma devotada na tristeza e na dor, que suas atuações permitiam mascarar, mas a vida real não.
Andrew tem uma parceira de nome Porchea, ele tenta transparecer que não está percebendo o envelhecimento dela, pois aparenta menos idade do que realmente tem. Porchea reforça que não se sente com cinquenta anos e que existe uma ordem natural na vida, que os seres humanos estão destinados a permanecer um tempo e depois partem.
Andrew faz menção ao elixir que desenvolveu para ela como possibilidade para a manutenção e prolongamento da sua vida, mas a vida tem limites que ele desconhece, pois é imortal.
Nas cenas finais do filme Andrew morre, minutos antes de ser declarado humano. A nossa vida está na impermanência, em sermos mortais, podemos negar, mas não fomos feitos para durar uma eternidade e mais seis meses. Nosso tempo é curto, é pequeno. É o tempo de vir contar uma história e partir.
O que fazemos com o tempo que temos? Quais são nossas escolhas? Que jornadas interiores fazemos? Que descobertas são necessárias?
É um filme belíssimo para pensar a vida e o viver; ele nos ajuda a aprimorar nossa condição de não robôs, mas vivendo por vezes como se fossemos. Acorda, come, trabalha, almoça, estuda, faz sexo, dorme, acorda e tudo se repete de novo e de novo até os botões biológicos se desligarem. Nossa sorte é que não somos avisados de quando eles param, mas podemos contar com isso, pois não somos robôs, somos humanos e a finitude está em nós, em nosso DNA.


 [Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados] 

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