07 janeiro 2020

JOANA E OS POMBOS DO TERMINAL



Maria Amélia Mano

Madrugada no terminal rodoviário. Chove. Pombos entram com seus ares de superioridade, suas patas vermelhas. Damaris sabe que é mau agouro. Dobra os papeis higiênicos no banheiro, cochila, ouve rádio. Longe dali, Joana toma banho, café forte, pega pacote de sopa instantânea pro almoço.

Pombo cinza de peito esverdeado. Damaris coloca baldes debaixo das goteiras do terminal. Homem parecendo Galeano pede café no balcão. Já vem adoçado. Tudo bem? Galeano faz que sim com a cabeça. Damaris arruma sacola. Joana sai de casa ainda escuro. Sente medo do céu sem lua, dia cinza.

Pombo de cauda listrada busca migalhas no piso sujo. Mulher tipo Hebe Camargo, desarrumada, pede suco. Fala de cachorros pequenos que mandam em grandes. Homem do balcão filosofa: a minoria manda na maioria. Falam de injustiças. Joana entra no ônibus que atrasa. Damaris espera, exausta.

Pombo malhado de peito escuro, alguém reivindica olhar em vão, 45 minutos, embarque pra São José dos Ausentes, plataforma sete. Joana chega. Troca de turno com Damaris. Falam da heroína da novela das oito, dos pombos. Vai acontecer coisa ruim. Incêndio na mata, lama em Minas, óleo na praia.

Pombo cinza e preto. Hebe Camargo entra no banheiro, chama Joana de negra preguiçosa porque não deu papel higiênico. Joana se distraiu com Damaris. Mal entendeu a razão. Chora quieta. Bota uniforme. Passa perfume e batom. Pega Bíblia. Abre em qualquer página. Damaris corre, mas perde trem.

Pombos saem pela porta de emergência pensando: avisamos. No terminal, café adoçado, suco artificial, aguado, sopa de pó e sal, solidão, sujeira, goteira, balde, pombos, papo sobre heroína das oito e ruindades de jornal. Damaris e Joana não têm carteira assinada, vendem Avon pra inteirar o mínimo.

Moça tipo roqueira Janis Joplin entra no banheiro sorrindo: nessa sua terra tem lua? Joana acha que é aviso, alívio. Abriu justo no Salmos que falava de lua. Damaris dorme no trem. Joana sorri pra Janis, entrega papel higiênico bem dobradinho e consola: hoje tá feio, mas de tarde abre sol.

Ilustração: Adrian Gomez
Texto para a Oficina Santa Sede Mosaico

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