28 setembro 2020

DEVER CUMPRIDO


 

DEVER CUMPRIDO

 

 

Ah! Foram anos e anos de fazer companhia, roer sapatos, sujar roupas no varal, e até fazer uns rasgões em algumas, muitos anos de latir para passarinho, vizinho, folha e sombra... Agora a sensação de dever cumprido se confundia com o desejo de sonecas tranquilas, de boa comida, de poder apreciar o caminhar das formigas de usar restinhos de energia para uma vez ao dia tocaiar e correr atrás das galinhas no quintal. Pena que as crianças da casa não concordassem com seus desejos. Vinte vezes por dia adormecia para levar um susto com elas correndo e gritando perto de seu corpo largado no chão. Pena que nem sempre entendessem que aquele exercício matinal de suas pernas reumáticas não era de verdade com intuito de pegar as frangas, era um lampejo de forças que vinha e ela não fazia questão de conter. Na idade de gente era a mais velha da casa, segundo o veterinário rondava os 100 anos... merecia que lhe deixassem fazer o que bem entendia, fosse entrar na casa e deitar no tapete branco mesmo estando imunda de deitar na lama, fosse rasgar papéis dos desenhos das crianças ou passar sobre a roupa a quarar, ou mesmo deixar suas pegadas na varanda recém lavada.

Boa praça, não ia reclamar de nada não. Sua “altiva dignidade” não faria tal papel. Seguiria ignorando as pequenezas humanas e se voltaria para dentro tirando mais uma soneca na grama sob a goiabeira... até as crianças chegarem para subir na árvore. E tenho dito!

 

 

Maria Lúcia Futuro Mühlbauer 

                                                                                                             Publica às segundas-feiras

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