19 setembro 2020

KAKI OU CAQUI?


 Maria Emília Bottini

 

Andávamos de carro, eu e meu marido, dirigindo-nos à casa de uma amiga no interior de Goiás. Seguíamos em uma estrada bastante movimentada para um começo de sábado à tarde. Como não estava dirigindo observei o caminho mais atenta e detalhadamente.

Na rodovia, vi alguns absurdos que perfeitamente posso fazer uma análise bastante interessante sobre o Brasil, pois permite pensar como funcionamos em tudo, com pouca ou quase nenhuma seriedade.

Atualmente, fico bastante incomodada com a falta de civilidade de uma parcela do povo brasileiro, independente de classe social, em relação ao Código Brasileiro de Trânsito, talvez apenas uma sugestão para muitos motoristas. Dirigir não é apenas sentar-se ao volante ou mesmo conseguir carteira de condutor de um veículo, é muito mais que isso é lidar com a própria vida e a de outros.

Vi uma sequência de atitudes imprudentes e irresponsáveis: ultrapassagens arriscadas e perigosas, cortar a frente do carro em alta velocidade e quase bater, dirigir no acostamento, uma mão ao celular e a outra ao volante, crianças no banco da frente no colo de uma criatura inconsequente, troca constante de pista sem sinalizar. Aliás, os carros vem bem equipados, com designs arrojados, mas parece que são enfeites, não elementos necessários na hora de dirigir.

Nessas condições fiquei um tanto tensa, pois tenho medo de acidentes, embora não tenha enfrentando um na vida. Seguindo a viagem olhei pela janela e vi bancas de frutas ao longo da pista, e eram muitas. Quando vi uma placa fiquei pálida e sem entender o que estava vendo ou lendo. Esfreguei meus olhos, pensei que não estava enxergando direito e precisando de óculos novos. Esfreguei meus olhos várias vezes, mas infelizmente nada mudou. Lá, ao alcance da visão, estava a placa indicando a fruta a ser vendida: kaki. Pensei: ‘não é possível!’ Pensei mais um pouco e conclui: é possível!

A escrita correta é com a letra inicial ‘c’ e depois com ‘que’, portanto caqui se escreve assim.

A mim, doutora em educação, doeu ver a dita placa, uma palavra relativamente simples de ser escrita comparando com outras tantas da língua portuguesa, deveras mais complexas.

Falar é mais fácil que escrever. O que aconteceu provavelmente é que a pessoa utilizou o som da palavra e não a escrita formal, que evidentemente não domina, porque não conhece o alfabeto, ou se conhece é pouco que não lhe permite escrever corretamente esta pequena palavra de duas sílabas.

O que a placa revela é uma das coisas que considero ainda um flagelo da sociedade brasileira, o analfabetismo. O alfabeto brasileiro só tem 26 letras, somente isso.

Não conseguimos fazer com que nossas crianças aprendam esses códigos? O que acontece? O que estamos esperando do futuro do Brasil? Alguém se importa? A educação não é um bem social a ser defendido, garantido?

O Brasil ainda tem 12,9 milhões de analfabetos, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD). A Região Nordeste continuou a apresentar a maior taxa de analfabetismo (16,2%), embora com proporção menor que a observada em 2014 (16,6%). No Norte, a taxa de analfabetismo cresceu de 9% para 9,1%, a única região em que houve avanço. As menores taxas também continuaram sendo registradas no Sul (4,1%) e Sudeste (4,3%). No Centro-Oeste houve queda de 6,5% para 5,7%.

Os dados do analfabetismo ainda são vergonhosos para uma sociedade que pretende o desenvolvimento social, cultural e econômico. Pouco se pode esperar sem a escola ou mesmo sem a educação, pouco muda, pouco se avança e não adianta se iludir.

Isso pode mudar? Tem jeito? Na minha percepção, sim. Muitos países como Japão, China, Reino Unido, Estados Unidos já entenderam que é possível, mas dá trabalho. Será que queremos trabalhar duramente para mudar a realidade em que nos encontramos? Precisamos deixar velhas práticas, arregaçar as mangas e entender que a educação é muito séria para deixar apenas sob a responsabilidade do Estado.

No Brasil, enquanto alguns comem caqui outros comem kaki, a fruta é a mesma, mas o sabor é amargo, azedo demarcando a diferença dos que tiveram escola ou escola alguma.


 

 [Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados] 

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