Andávamos de carro, eu e meu
marido, dirigindo-nos à casa de uma amiga no interior de Goiás. Seguíamos em
uma estrada bastante movimentada para um começo de sábado à tarde. Como não
estava dirigindo observei o caminho mais atenta e detalhadamente.
Na rodovia, vi alguns
absurdos que perfeitamente posso fazer uma análise bastante interessante sobre
o Brasil, pois permite pensar como funcionamos em tudo, com pouca ou quase
nenhuma seriedade.
Atualmente, fico bastante incomodada
com a falta de civilidade de uma parcela do povo brasileiro, independente de
classe social, em relação ao Código Brasileiro de Trânsito, talvez apenas uma
sugestão para muitos motoristas. Dirigir não é apenas sentar-se ao volante ou
mesmo conseguir carteira de condutor de um veículo, é muito mais que isso é
lidar com a própria vida e a de outros.
Vi uma sequência de atitudes
imprudentes e irresponsáveis: ultrapassagens arriscadas e perigosas, cortar a
frente do carro em alta velocidade e quase bater, dirigir no acostamento, uma
mão ao celular e a outra ao volante, crianças no banco da frente no colo de uma
criatura inconsequente, troca constante de pista sem sinalizar. Aliás, os
carros vem bem equipados, com designs arrojados, mas parece que são enfeites, não
elementos necessários na hora de dirigir.
Nessas condições fiquei um
tanto tensa, pois tenho medo de acidentes, embora não tenha enfrentando um na
vida. Seguindo a viagem olhei pela janela e vi bancas de frutas ao longo da pista,
e eram muitas. Quando vi uma placa fiquei pálida e sem entender o que estava
vendo ou lendo. Esfreguei meus olhos, pensei que não estava enxergando direito
e precisando de óculos novos. Esfreguei meus olhos várias vezes, mas
infelizmente nada mudou. Lá, ao alcance da visão, estava a placa indicando a
fruta a ser vendida: kaki. Pensei: ‘não é possível!’ Pensei mais um pouco e
conclui: é possível!
A escrita correta é com a
letra inicial ‘c’ e depois com ‘que’, portanto caqui se escreve assim.
A mim, doutora em educação,
doeu ver a dita placa, uma palavra relativamente simples de ser escrita
comparando com outras tantas da língua portuguesa, deveras mais complexas.
Falar é mais fácil que
escrever. O que aconteceu provavelmente é que a pessoa utilizou o som da
palavra e não a escrita formal, que evidentemente não domina, porque não
conhece o alfabeto, ou se conhece é pouco que não lhe permite escrever
corretamente esta pequena palavra de duas sílabas.
O que a placa revela é uma
das coisas que considero ainda um flagelo da sociedade brasileira, o
analfabetismo. O alfabeto brasileiro só tem 26 letras, somente isso.
Não conseguimos fazer com que
nossas crianças aprendam esses códigos? O que acontece? O que estamos esperando
do futuro do Brasil? Alguém se importa? A educação não é um bem social a ser
defendido, garantido?
O Brasil ainda tem 12,9
milhões de analfabetos, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio (PNAD). A Região Nordeste continuou a apresentar a maior taxa de
analfabetismo (16,2%), embora com proporção menor que a observada em 2014
(16,6%). No Norte, a taxa de analfabetismo cresceu de 9% para 9,1%, a única
região em que houve avanço. As menores taxas também continuaram sendo
registradas no Sul (4,1%) e Sudeste (4,3%). No Centro-Oeste houve queda de 6,5%
para 5,7%.
Os dados do analfabetismo
ainda são vergonhosos para uma sociedade que pretende o desenvolvimento social,
cultural e econômico. Pouco se pode esperar sem a escola ou mesmo sem a educação,
pouco muda, pouco se avança e não adianta se iludir.
Isso pode mudar? Tem jeito? Na
minha percepção, sim. Muitos países como Japão, China, Reino Unido, Estados
Unidos já entenderam que é possível, mas dá trabalho. Será que queremos
trabalhar duramente para mudar a realidade em que nos encontramos? Precisamos deixar
velhas práticas, arregaçar as mangas e entender que a educação é muito séria
para deixar apenas sob a responsabilidade do Estado.
No Brasil, enquanto alguns
comem caqui outros comem kaki, a fruta é a mesma, mas o sabor é amargo, azedo
demarcando a diferença dos que tiveram escola ou escola alguma.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das
10 aos Sábados]
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