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25 janeiro 2019

ÉTICA, VERGONHA NA CARA E BOA VONTADE NOS SERVIÇOS DE SAÚDE

Ernande Valentin do Prado




Em 1990, logo depois de sair do exército, trabalhei de balconista em uma grande padaria na Região Metropolitana de São Paulo.
Na época, não lembro o motivo, faltava leite no Brasil, talvez por conta de uma seca ou por causa de uma das políticas descabidas do Collor, não sei dizer. O que importa é que o governo importou leite em pó e este era reidratado e vendido em pacotinhos plásticos. A caixinha longa vida ainda não era o padrão.
Então tinha esse leite reidratado, mais fraco e tinha o leite tipo A. O gerente da padaria, um senhor muito elegante e de fala agradável, orientava os balconistas, três vezes ao dia, a empurrar o leite reidratado para “aquelas pessoas com “cara de pobres” e deixar o leite tipo A para as outras pessoas.
E os balconistas respeitavam essa orientação?
E se não respeitassem, o que aconteceria, o gerente iria pessoalmente entregar o leite ruim para os mais pobres? Iria demitir quem entregasse leite bom para os pobres?
Ninguém nunca quis saber quais as consequências, o chefe mandou, era executado sem questionamentos.
Mas eu nunca fui bom em respeitar ordens, o Sargento Borba bem sabe disso. Pelo meu julgamento, era justamente quem parecia pobre que precisava do melhor leite e era isso que eu fazia. O gerente nunca reclamou comigo, por eu não respeitar sua orientação, talvez porque eu nunca chegava atrasado, pegava pesado no trabalho e, principalmente, porque ele gostava do café bem forte que eu fazia.
Por outro lado, os colegas de balcão reclamavam o tempo todo. O que me leva a perguntar: será que agradar quem tem o poder de mandar é mais importante do que ter ética e vergonha na cara?
Concordando com Paulo Freire, acredito que na vida é preciso escolher um lado e o meu sempre esteve muito claro desde que me entendo no mundo e com o mundo.
Talvez depois de uma introdução tão longa, para os padrão de textos de hoje em dia, você esteja se perguntando: tá certo, mas o que isso tem a ver com a saúde?
Estamos vivendo um tempo estranho. Vários avanços dos últimos anos, como o respeito às diversidades humana, de gêneros, etnias, culturas, posicionamentos políticos e religiosos, estão sendo questionados e tenta-se padronizar as pessoas em caixinhas fáceis de entender. Querem voltar ao tempo em que meninas “vestem rosa e meninos vestem azul”.
Daí que normas éticas, respeitosas, como por exemplo, a lei do nome social, a prioridade de atendimento para crianças, gestantes e idosos, entre outras, podem perder o sentido e até serem revogadas.
Se amanhã uma ordem nova for dada, por exemplo, de que mulheres abortando não devem ser atendidas, ou que “homens de bens têm preferência” no atendimento, quando comparados com um “homossexual”, uma mulher ou um morador de rua, você vai aceitar?
Absurdos esses exemplos? Será? Você lembra que o Prefeito do Rio de Janeiro, bispo da Igreja Universal, foi flagrado orientando os evangélicos a procurar sua assessora para agendar cirurgias cortando a fila?
Se mesmo assim acha que meus exemplos são absurdos, vamos pensar uma coisa mais leve:
Quando a Secretaria de Saúde dá uma ordem para que a Equipe não atender moradores de outros municípios ou de outros bairros, você respeita?
Respeitar ou não normas que parecem éticas ou não, cabe ao profissional na ponta do serviço, não ao gestor. Quem atende ou nega atendimento, seja qual for o motivo, seja qual for e de quem for a ordem, é o trabalhador na ponta, atrás do balcão, na sala de curativo, no consultório, sempre ele. Assim como quem luta a guerra e executa as estratégias são os soldados, quase nunca os generais.

Por isso insisto: Você vai ser ético, vai ter vergonha na cara, boa vontade com o ser humano que jurou cuidar, independentemente da cor da pele, da cor ideológica, das paixões transcendentais ou vai obedecer ao capitão, quer dizer, ao general?

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

16 setembro 2016

SOBRE ELEIÇÕES, CORRUPTOS E CORRUPÇÃO

Fonte da foto: internet.
Ernande Valentin do Prado
A visão de um bando, com bandeiras azuis com números dentro, prontos para invadir uma comunidade, que no resto dos dias passa abandonada, achincalhada e que seus moradores viajam nos piores entre os piores ônibus públicos de João Pessoa, fez me lembrar dos versos da música de Bezerra da Silva:
“Hoje ele pede seu voto
Amanhã manda a política lhe bater”
Essa comunidade ocupa uma faixa nobre próximas da orla de João Pessoa. Todos os outros pontos, nesta mesma faixa, já foram ocupados por prédios de alto padrão, que estão no imaginário da elite Branca[1], que possivelmente sonha com uma remoção dos moradores, preferencialmente em uma ação policial violenta na madrugada.
Quase sempre tem um juiz (elite branca) disposto a dar autorização, não é mesmo?
Mas nesta época todo mundo conta. Cada pessoa um voto. E na comunidade eles devem ser bem mais baratos do que em outros locais da cidade. Isso parece ser o suficiente para explicar porque as pessoas que têm horror em adentrar nas ruas e vielas mal cheirosas daquele lugar, durante todos os dias dos anos que não têm eleições ou que não se pode fazer campanha, nesta época invadem a comunidade com bandeiras e santinhos nas mãos e sorriso nos rostos.  
Levam muitas promessas em nome de seus patrões, mas os moradores já sabem ser mentiras arrumadinhas. Fingem acreditar, mas no final das contas querem saber quanto é que vão levar para votar e apoiar o “canalhocrata” do dia, como diria mestre Bezerra da Silva.
É fato, neste sistema eleitoral que atende perfeitamente as necessidades, materiais e espirituais, das elites brancas, o voto não é dado, mas vendido. Francamente: vender o voto é, quase sempre, a única forma de garantir receber algo dos políticos (que depois vão mandar a polícia para negocias as políticas públicas). Quem acredita que não é bem assim talvez nunca tenha andado pelas ruelas das comunidades do Brasil (que antes se chamavam favela).
O fato de não saber em quem acreditar, ou (correndo o risco de uma obviedade burra) não pode acreditar em nenhum candidato, serve, entre outras coisas, para justificar porque não existe mais o jogo de convencimento, que já existiu um dia, entre candidatos e eleitores. Hoje o que acontece é uma negociação comercial na cara dura.
- Quanto me dá pelos meus votos?
- Quantos votos tem em sua casa?
Por exemplo (sempre gosto de exemplos): nas eleições municipais passada estava na Bahia. Um determinado candidato a vereador quase perdeu a esposa, porque no final das eleições só restou, em sua casa: o fogão (que a mulher se recusou a doar em troca dos votos, ameaçando abandona-lo) e parte do telhado da cozinha. O resto tudo deu pagando os poucos votos que teve.
Por outro lado, não sei se aceito tão bem o argumento de que é impossível existir políticos e governos honestos com um povo tão antiético quanto o brasileiro. Pode até ser verdade, mas também esconde a necessidade das elites brancas se justificarem, nem que seja a Deus ou a suas consciências (se é que têm), diante do sistema que aqui montaram e administram desde sempre, ora com este ora com aquele outro partido (que dá no mesmo).
No Brasil (correndo o risco de estar fazendo chover no banhado, com essa fala) as instituições são corruptas (tanto faz se púbicas ou privadas, do executivo, legislativo ou do judiciário e, pasmem: até as instituições religiosas não gozam de boa fama).
Essas instituições são dirigidas ideologicamente pelas elites financeiras (que realmente detêm o poder, não importa qual o partido à frente ou atrás da mesa presidencial). São corrompidas desde que aqui chegaram, vindas da Europa, trazendo armas, espalhando discórdia, ódio e levando ouro, açúcar, pau Brasil. Enfim, parece um obvio ululante dizer que são elites mal intencionadas e corrompidas até a pleura, como diria o bom Sargento Borba (orgulho da direita tupiniquim).
Ainda hoje os governos, o estado e suas instituições (na ânsia de centralizar o poder), são organizados para impedir que as vozes dos honestos (e do povo em geral) sejam ouvidas ou que tenham algum peso nas decisões públicas. A voz das classes populares, certas ou erradas, não contam quase nada no dia-a-dia. Quando se vê o grau de corrupção das instituições públicas e privadas deste país, dá para dizer: “se o povo fosse tão corrupto quanto, não teríamos mais nação, nem teríamos como sair à rua sem sermos esfaqueados”.
Por exemplo, as instituições brasileiras organizaram o processo eleitoral (inclusive com a participação do judiciário) de uma forma que Partidos (quase todos corrompidos) escolhem candidatos (quase todos mal intencionados) sem necessidade de participação popular.
A mesma coisa pode se dizer dos sindicatos (quase todos eles não precisam dos trabalhadores para se manter financeiramente e menos ainda para deliberações). Acho até que preferem assim, fica mais fácil negociar e tomar decisões sem tanta gente dando opiniões, fiscalizando os atos da diretoria e lhe chamando de pelegos.
Até o controle social no Sistema Único de Saúde, tão bem desenhadinha pela leio 8.142/90 e defendido com unhas e dentes por quem se diz favorável a um sistema de saúde público e de qualidade com a participação popular, é feito sem a real participação popular (não porque não queiram, mas porque é perda de tempo, sabem que quase nada que debaterem contará para a decisão final, que é do dono do mandato ou de alguém designado por ele).
A população só pode votar, no processo eleitoral, entre os candidatos escolhidos pelos partidos. E se os partidos têm processos de escolhas baseados no oportunismo, no ganho financeiro, nos esquemas múltiplos, na troca de favores, toda escolha feita pelo eleitor será errada, ou estou errado?
Isso parece muito mais uma armadilha do que uma democracia.
Em quantos candidatos o eleitor realmente pode confiar? E se o eleitor desconfiar de todos os candidatos apresentados pelos partidos e financiados pelos empresários (quase sempre tão ou mais mal intencionados do que os partidos), faz o que?
Se votar, neste sistema, vota errado. Se anular o voto é chamado de alienado. Votar em outros, que não foram escolhidos pelos partidos, não pode e mesmo que pudesse, quem saberia que são candidatos, sem o financiamento de campanha dos empresários?
Será justo a população, refém desse sistema, ainda ser chamada de corrupta, de responsável pelas escolhas das elites financeiras e culturais (corruptas, quase todas) e pelo estado (em essencial corrupto, pois é a expressão das elites)?
Pode até ser verdade que o povo é corrupto, mas parece ser um comportamento aprendido com as elites corruptas, ou seja, é um exemplo que vem de cima e não se aplica a maioria de nós.
Talvez essa seja uma “verdade” tão absurda que o melhor é ignorar ou desacreditar, do contrário, fica-se louco de tanto tentar encontrar uma saída.

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]



[1] Elite Branca, no Brasil todo, tem de várias cores: elite branca Japonesa, elite branca parda e de vários outros tons. Ser elite branca é quase um estado de espírito.

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