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22 junho 2018

METODOLOGIAS ATIVAS: ALGUMAS OBSERVAÇÕES IMPERTINENTES

Imagem capturada na internet, 2018.
Ernande Valentin do Prado


Ser professor de javanês no Brasil do século XXI, continua tão fácil e simples quanto no tempo de Lima Barreto e o seu: “O Homem que falava javanês”, principalmente porque pouca coisa mudou, ou seja,  mais de cem anos depois e entre nós quase ninguém fala javanês. A diferença é que agora o javanês caiu nas graças do mercado.
O moderno ensino de javanês foi reintroduzido no Brasil a partir do interior de São Paulo e Paraná. Os primeiros mestres importaram suas técnicas da Universidade de McMaster, no Canadá e da Universidade de Maastricht, na Holanda. Aprender e, consequentemente ensinar essa língua ou a partir dela, inicialmente era difícil e demorado. Exigia-se vencer preconceitos e costumes arraigados nos estudantes e principalmente nos professores. Dedicação, esforço, acompanhamento constante, eram fundamentais, o que não combina com as exigências e o ritmo do mercado atual.
Para contornar esse problema desenvolveram-se novas técnicas que prometem ensinar o javanês, seus diferentes dialetos e sotaques, seja o clássico, o javanês falando na rua e até o javanês do oeste de Java, um dos mais difíceis, em poucas e rápidas aulas, geralmente em treinamentos de início ou fim de semestre.
As técnicas usadas pelos  modernos consultores e mestres em javanês são importadas de diversas instituições globalizadas e não só do Canadá e da Holanda, como no século passado, o que garante muita flexibilidade em relação ao javanês que se ensinava anteriormente.
E por que o javanês está tão na moda?
Uma das causas dessa tendência foi promovida pelo Ministério da Educação e da Saúde, ambos só têm autorizado a abertura de novos cursos, sobretudo de medicina, se o javanês for a língua oficial. Isso tem motivado certa correria das instituições, sobretudo privadas, para encontrar treinadores e consultores em javanês para habilitar sua mão de obra. E, se esse é um idioma bom para os cursos de medicina, deve ser bom para todos os outros cursos, esse parece ser o raciocínio lógico dos gestores educacionais.
Outro ponto que motivou as instituições de ensino superior a capacitar seus empregados em javanês é o fato do Ministério da Educação (MEC), tendo como suporte a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, exigir capacitação dos professores, sobretudo em javanês. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) tira ponto das instituições que não oferecem capacitação aos seus professores e com menos pontos elas perdem mercado. Simples assim.
Oferecer capacitação é uma coisa que as instituições nunca deixam de fazer, nunca. Pode-se questionar se funciona, se é feita de modo satisfatório, com tempo e métodos adequados para que ocorra o processo de ensinar e aprender. No entanto, essa questão é secundária, uma vez que o MEC parece não ter como avaliar se as capacitações são eficazes. Então o raciocínio dos gestores é simples, no final ou no início do semestre coloca no calendário acadêmico os treinamentos. Pode até não ser eficiente, mas garante pontuação nos índices avaliativos.
Divulgar os índices avaliativos das instituições parece tão importante, para captação de novos clientes, quanto divulgar o número de vagas no estacionamento, ao menos nas instituições privadas.
A oferta de treinamento em javanês costuma garantir boas notas para as instituições e como não existem tantos professores desse idioma dando sopa por aí, muitas vezes não é possível escolher. E, talvez por causa disso, o ensino de javanês está se constituindo em uma verdadeira torre de babel.
Grande parte dos diplomados não conseguem conversar entre si usando o idioma aprendido. Falantes de javanês de instituições públicas não conseguem conversar com falantes de instituições privadas, embora todos tenham certificados coloridos, impressos em bom papel e com notas excelentes, entre nove e dez em fluência verbal.
Na maioria dos treinamentos que presenciei, o comportamento de parte dos treinadores parecia demonstrar que esperavam que as técnicas  importadas, por si só, pudessem garantir a qualidade e a credibilidade do processo de ensino, afinal de conta foram pensadas pelas maiores e melhores cabeças em educação do mundo, na opinião deles.  O contraditório é que, na maioria dos casos, o javanês não é ensinado usando-se o javanês. Quase sempre usa-se o idioma expositivo de sempre (ou bancário, como denomina Paulo Freire).
Depois de tantos investimentos por parte das instituições de ensino em capacitar sua principal mão de obra, será que ela está conseguindo aprender e usar o javanês, segundo a gramática e a ortografia apropriada?
Será que para utilizar o javanês, basta capacitar os empregados ou a instituição precisa fazer outros investimentos, que nem sempre são feitos?
Certa vez, em um desses treinamentos de javanês de fim de semestre, ouvi uma colega dizer que iria aproveitar as férias para viajar ao Texas, onde, segundo ela, iria treinar a fluência de seu javanês com as pessoas na rua.
Ela não se deu conta de que não se fala javanês no Texas e que lá é tão somente um desses centros modernos de ensino de javanês. A colega não ter percebido o absurdo de sua fala é até aceitável, mas o que dizer do instrutor/consultor/treinador de javanês que achou que a ideia era ótima e que ela deveria mesmo fazer isso?
Deve existir bons instrutores de javanês, não há dúvidas, e este idioma parece realmente interessante em alguns lugares. No Texas não parece ter muita utilidade, não ao menos para falar com as pessoas na rua, mas vá saber.
Uma curiosidade, que a maioria dos treinadores de javanês parecem desconhecer completamente, no Brasil e em quase toda América Latina, há tradição em falar e ensinar através do javanês. O dialeto que se fala por aqui parece ser mais apropriado à anatomia linguística e cerebral de nosso povo, além disso é melhor adaptável aos diferentes sotaques e realidades locais das diferentes regiões. No entanto, parece ser mais interessante importar outros dialetos, ao menos para o mercado de ensino.
Importar modismos alienígenas é uma prática que nunca sai de moda na educação brasileira. E qual será a responsabilidade dos importadores na qualidade do nosso sistema de ensino?

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]


04 maio 2018

PASSOS NO CHÃO


Ernande Valentin do Prado
Quando olho para trás

Começo a ter dificuldade
Para ver de onde saí

Olho
Procuro
E não vejo

meus
passos
no chão

Se ou quando
não puder mais ver
de onde saí

Ainda
saberei
onde
devo
chegar?


[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

11 novembro 2016

HOMEM BOMBA

Ernande Valentin do Prado
1
O homem aproximou-se por trás, sem ser visto. Deu apenas um tiro, que atravessou o crânio do deputado, espirando sangue e resto de massa cinzenta nas caras assustadas dos jornalistas.
Antes, porém, ele gritou:
- Vai roubar merenda no inferno, corrupto sem vergonha.
2
O rapaz esgueirou-se pela calçada, passando entre carros, irregularmente estacionados na calçada. Com um prego, fechado na mão esquerda, aparecendo apenas a ponta, riscou cada uma das latarias.
3
A menina de 13 anos contou cada minuto que sua avó, de 76 anos, passou na recepção da Unidade de Saúde, sentada em sua cadeira de rodas, já com o estofamento esfacelado pelos mais de 15 anos de uso.
Viu quando a médica estacionou sua BMW branca nos fundos da UBS, mais de duas horas depois do horário previsto.
A menina, com uma pedra, sem ninguém ver, quebrou cada uma das lanternas do carro da médica, como ainda não se sentia vingada, quebrou também os retrovisores.
4
Ela disse para o gerente:
- Esse arroz tá frio e essa carne cheia de nervos, não dá para cortar. Além disso esperamos quase duas horas pelo pedido, já estamos quase embriagados de tanto tomar cerveja quente.
Cinicamente o gerente disse:
- Essa faca não ajuda em nada. Vou trocá-las e volto já.
Virou as costas e foi buscar as facas. O grupo, sem nada dizer, levantou-se e foi embora.
5
A mulher, com várias sacolas colocou o pé na faixa de pedestres e começou atravessar a rua. Apressada a mulher da Mercedes azul marinho, obrigada a parar, buzinou impertinente.
A mulher, sem alterar o passo, parrou, descansou as sacolas no chão, em frente ao carrão, tirou dela um ovo e arremessou contra o para-brisa de dois mil reais.
Depois, sem pressa, ergueu as sacolas e continuou atravessando a rua.
6
Depois de dez minutos sentado, sem nada ouvir ou poder dizer, olhando a mulher em sua frente preencher papéis: dois livros ato, e mais dois formulários, que teve que assinar dando ciência de que estava sendo atendido, finalmente ouviu a voz da médica:
- O senhor tem diabetes, mas vem muito pouco aqui. Já tem mais de seis meses que passou pela última consulta. Não acha que é muita falta de responsabilidade consigo mesmo?
- Sabe o que é...
- Não sei, pode me dizer por que demora tanto para vir à consulta médica?
- É que seu atendimento é muito ruim, por isso eu evito ao médico ficar em sua presença, só venho mesmo em último caso.
 No final, depois de responder a pergunta, procurou sorrir, como se tivesse apenas respondido de forma protocolar o questionamento. A mulher, sem voz, abaixou a cabeça e continuou fazendo anotações.
7
De dentro do carro, reconheceu a cara do novo ministro da educação.
- Vai mais devagar. Pediu ele ao colega, já arrancando o tênis do pé.
O rapaz, filho de um vaqueiro do sertão da Bahia, acabara de ser aprovado para cursar Filosofia em uma universidade pública, mas agora nem sabia se entraria com a diminuição das vagas, imposta por aquele burocrata.
- Toma essa, ministro pilantra. Gritou arremessando o tênis, que acertou na cara do homem, em pé na calçada, enquanto dava entrevista para uma tv.
8
O diretor da Escola de Saúde Pública, na roda com os estudantes que lhe cobrava providência quanto a falta de livros e internet na biblioteca, acendeu um cigarro. Sem cerimônia, sem disfarçar a impaciência, baforava fumaça na cara dos estudantes, que tossiam incomodados.
Discretamente, Luzia, menina pequena, magrinha, saiu da roda. Quando voltou trazia um extintor, que descarregou na cara do diretor. Do cigarro não saiu mais fumaça, mas todos continuaram tossindo.
9
A estudante foi para a comunidade assim:
Sapato de salto alto – R$ 538,00.
Camiseta bordada – R$ 164,00.
Relógio de ouro – R$ 2.600,00.
Brincos de diamante –R$ 5.850,00.
Calça jeans – R$ 544.90.
Jaleco Banco bordado com seu nome – R$ 326,00.
Quando saiu do outro lado da viela, seu orçamento já era bem menor.
10
Quando perguntado o que sentia, pelo menino de jaleco branco e estetoscópio nos ombros, o homem disse, com toda certeza:
- Acho que tô com princípio de peleumonia.
O menino, parou de escrever na ficha e olho para o homem pela primeira fez.
- Se o senhor sabe que tá com PELEUMONIA, não precisava vir aqui, não é mesmo?
- Meu pai morreu de peleumonia e eu tô sentindo a mesma coisa que ele sentiu antes de morrer...
- Não existe peleumonia, seu... Interrompeu bruscamente o menino de branco. É pneumonia. E quem sabe se o senhor tem PNEUMONIA, é o médico, não o senhor, que nem estudo tem. O senhor por acaso sabe ao menos ler?
O homem baixou a cabeça, não disse mais nada. O menino levantou-se, fez ausculta no pulmão.
Do seu lado estava o filho, adolescente de 16 anos. Nada disse e o menino de jaleco branco não pareceu perceber sua presença.
Depois da ausculta, escreveu alguma coisa na ficha e estendeu um papel com sua assinou:
- Peça para recepcionista um raio X e volte quando estiver pronto.
O homem e seu filho levantaram-se e foram saindo. Ainda no porta, o menino sorriu e disse:
- E não se esqueça, não existe peleumonia. É P-NEU-MO-NIA, seu...
Antes que os dois tivessem saído completamente, gritou:
- O próximo.
No meio do atendimento seguinte, alguém abre bruscamente a porta do consultório, interrompendo a consulta e anuncia com urgência:
- Seu carro tá pegando fogo, doutor.

Ele corre ao estacionamento, mas o fogo no seu Jeep já não tinha mais como ser apagado.
[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

08 janeiro 2016

TRILOGIA DA SOLIDARIEDADE



CENA 1 - Coisas importantes para se fazer antes de morrer


Estendido no asfalto,

suas forças esvaiam-se aos poucos.

Era nítido seu estado.


A vida separava-se de seu ser,

como uma vela que vai se apagando lentamente

na brisa de uma noite fria.


Antes de fechar os olhos,

disse:

cuide de meu cachorro, gosto muito dele.


CENA 2 - Sem sangue


O corpo desceu numa velocidade espantosa,

os quinze andares que o separavam do chão.

lá embaixo, grudou-se ao asfalto.


O silêncio: tomou conta da multidão,

só por alguns segundos,

neste intervalo, câmeras digitais foram apontadas para o crânio partido.


Lúcia

foi para casa,

quando o corpo morto deixou de ser novidade.


O namorado,

sentado no sofá da sala, de frente para tv ligada,

ansioso, esperava.


Lúcia,

Olhos vazios, distantes,

jogou a bolsa no sofá, foi até a cozinha.


Encheu um copo com água:

tentou beber, quis chorar.

- Eu sou uma burra mesmo: isso não podia ter acontecido comigo.


CENA 3 - Resgate


- Vamos rápido com isso. Tá muito frio.

- Jeito lazarento de morrer.

- E tinha que ser hoje? Por que não esperou até o tempo esquentar um pouco?

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

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