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11 novembro 2016

HOMEM BOMBA

Ernande Valentin do Prado
1
O homem aproximou-se por trás, sem ser visto. Deu apenas um tiro, que atravessou o crânio do deputado, espirando sangue e resto de massa cinzenta nas caras assustadas dos jornalistas.
Antes, porém, ele gritou:
- Vai roubar merenda no inferno, corrupto sem vergonha.
2
O rapaz esgueirou-se pela calçada, passando entre carros, irregularmente estacionados na calçada. Com um prego, fechado na mão esquerda, aparecendo apenas a ponta, riscou cada uma das latarias.
3
A menina de 13 anos contou cada minuto que sua avó, de 76 anos, passou na recepção da Unidade de Saúde, sentada em sua cadeira de rodas, já com o estofamento esfacelado pelos mais de 15 anos de uso.
Viu quando a médica estacionou sua BMW branca nos fundos da UBS, mais de duas horas depois do horário previsto.
A menina, com uma pedra, sem ninguém ver, quebrou cada uma das lanternas do carro da médica, como ainda não se sentia vingada, quebrou também os retrovisores.
4
Ela disse para o gerente:
- Esse arroz tá frio e essa carne cheia de nervos, não dá para cortar. Além disso esperamos quase duas horas pelo pedido, já estamos quase embriagados de tanto tomar cerveja quente.
Cinicamente o gerente disse:
- Essa faca não ajuda em nada. Vou trocá-las e volto já.
Virou as costas e foi buscar as facas. O grupo, sem nada dizer, levantou-se e foi embora.
5
A mulher, com várias sacolas colocou o pé na faixa de pedestres e começou atravessar a rua. Apressada a mulher da Mercedes azul marinho, obrigada a parar, buzinou impertinente.
A mulher, sem alterar o passo, parrou, descansou as sacolas no chão, em frente ao carrão, tirou dela um ovo e arremessou contra o para-brisa de dois mil reais.
Depois, sem pressa, ergueu as sacolas e continuou atravessando a rua.
6
Depois de dez minutos sentado, sem nada ouvir ou poder dizer, olhando a mulher em sua frente preencher papéis: dois livros ato, e mais dois formulários, que teve que assinar dando ciência de que estava sendo atendido, finalmente ouviu a voz da médica:
- O senhor tem diabetes, mas vem muito pouco aqui. Já tem mais de seis meses que passou pela última consulta. Não acha que é muita falta de responsabilidade consigo mesmo?
- Sabe o que é...
- Não sei, pode me dizer por que demora tanto para vir à consulta médica?
- É que seu atendimento é muito ruim, por isso eu evito ao médico ficar em sua presença, só venho mesmo em último caso.
 No final, depois de responder a pergunta, procurou sorrir, como se tivesse apenas respondido de forma protocolar o questionamento. A mulher, sem voz, abaixou a cabeça e continuou fazendo anotações.
7
De dentro do carro, reconheceu a cara do novo ministro da educação.
- Vai mais devagar. Pediu ele ao colega, já arrancando o tênis do pé.
O rapaz, filho de um vaqueiro do sertão da Bahia, acabara de ser aprovado para cursar Filosofia em uma universidade pública, mas agora nem sabia se entraria com a diminuição das vagas, imposta por aquele burocrata.
- Toma essa, ministro pilantra. Gritou arremessando o tênis, que acertou na cara do homem, em pé na calçada, enquanto dava entrevista para uma tv.
8
O diretor da Escola de Saúde Pública, na roda com os estudantes que lhe cobrava providência quanto a falta de livros e internet na biblioteca, acendeu um cigarro. Sem cerimônia, sem disfarçar a impaciência, baforava fumaça na cara dos estudantes, que tossiam incomodados.
Discretamente, Luzia, menina pequena, magrinha, saiu da roda. Quando voltou trazia um extintor, que descarregou na cara do diretor. Do cigarro não saiu mais fumaça, mas todos continuaram tossindo.
9
A estudante foi para a comunidade assim:
Sapato de salto alto – R$ 538,00.
Camiseta bordada – R$ 164,00.
Relógio de ouro – R$ 2.600,00.
Brincos de diamante –R$ 5.850,00.
Calça jeans – R$ 544.90.
Jaleco Banco bordado com seu nome – R$ 326,00.
Quando saiu do outro lado da viela, seu orçamento já era bem menor.
10
Quando perguntado o que sentia, pelo menino de jaleco branco e estetoscópio nos ombros, o homem disse, com toda certeza:
- Acho que tô com princípio de peleumonia.
O menino, parou de escrever na ficha e olho para o homem pela primeira fez.
- Se o senhor sabe que tá com PELEUMONIA, não precisava vir aqui, não é mesmo?
- Meu pai morreu de peleumonia e eu tô sentindo a mesma coisa que ele sentiu antes de morrer...
- Não existe peleumonia, seu... Interrompeu bruscamente o menino de branco. É pneumonia. E quem sabe se o senhor tem PNEUMONIA, é o médico, não o senhor, que nem estudo tem. O senhor por acaso sabe ao menos ler?
O homem baixou a cabeça, não disse mais nada. O menino levantou-se, fez ausculta no pulmão.
Do seu lado estava o filho, adolescente de 16 anos. Nada disse e o menino de jaleco branco não pareceu perceber sua presença.
Depois da ausculta, escreveu alguma coisa na ficha e estendeu um papel com sua assinou:
- Peça para recepcionista um raio X e volte quando estiver pronto.
O homem e seu filho levantaram-se e foram saindo. Ainda no porta, o menino sorriu e disse:
- E não se esqueça, não existe peleumonia. É P-NEU-MO-NIA, seu...
Antes que os dois tivessem saído completamente, gritou:
- O próximo.
No meio do atendimento seguinte, alguém abre bruscamente a porta do consultório, interrompendo a consulta e anuncia com urgência:
- Seu carro tá pegando fogo, doutor.

Ele corre ao estacionamento, mas o fogo no seu Jeep já não tinha mais como ser apagado.
[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

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