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31 maio 2019

JESUS NÃO TEM DENTES NO PAÍS DOS BANQUELAS - PARTE 4


Ernande Valentin do Prado

Jaime sorriu ouvindo o homem no carro de som.
— O bandido anda armado, mas o pai de família está indefeso.
Disse o homem e esperou pelos aplausos.
— Verdade!
Aplaudiu quase sozinho Jaime com entusiasmo exagerado, enquanto cutucava um senhor de terno e gravata, com uma bíblia embaixo do braço, em pé ao seu lado.
— Esse é bom, né não?
Disse encarando o homem, esperando uma resposta que só poderia ser positiva, segundo o que acreditava como uma verdade absoluta.
— Gente como a gente, né não?
O homem, constrangido, tentou afastar-se. Insistente, aguardando sua resposta, Jaime deu um passo em direção ao senhor com a bíblia e continuo argumentando:
— Pai de família tem que andar armado, né não? Eu mesmo não saio de casa sem meu treisoitão.
Disse e apalpou o volume na cintura para que o homem visse.
— Esse é meu, não é da corporação. Tô ou não tô certo?
Jaime, desde criança está sempre disposto a comprar briga. Não precisa motivo, parece que nasceu com ódio ou que relaxa esmurrando alguém. Para melhor executar seu talento, desde cedo frequenta academias e aulas de jui shih tzu. Tem vontade de ser lutador de MMA, mas já ouviu o Sargento Mendonça dizendo que isso não é para os homens da corporação.  Jaime leva muito em conta a opinião do sargento mais durão do batalhão.
Jaime, nos dias de folga, diverte-se metendo medo nas pessoas que discordam de suas opiniões. Coloca roupas civis e entra em todo tipo de discussão.
Queria mesmo era voltar a descer a porrada em serviço, mas depois de responder dois processos disciplinares, resolveu atender ao pedido do coronel e maneirar por uns tempos.
— Tem sempre um escroto dos direitos humanos de olho na gente.
Disse o coronel, ao arquivar mais um processo disciplinar contra ele.
— Direitos humanos só para humanos, coronel...
Disse batendo continência.
O coronel sorriu olhando o soldado sair de sua sala.
— Cuidado com as câmeras de celulares...
Ainda acrescentou o coronel.
Às 20 horas, daquela mesma noite, Jaime estava sentado no banco direito da viatura, estacionada em frente ao Cachorro quente do Zé Pretinho. Atendeu o rádio: violência doméstica. 
— Coisa boba...
Pensou.
Instintivamente levou a mão ao revólver e pensou que seria bom trabalhar na viatura do Sargento Mendonça, trocar tiros com marginal de verdade. Ultimamente só atendia esse tipo de chamado, quando não era marido bêbado, era som alto, quase sempre em igrejas pentecostais. Essas chamadas o Sargento não atende.
Certa vez, quando chegou para atender um destes chamados, já mais de meia noite, prendeu o reclamante e desculpou-se com o pastor. Essa história contou de forma anedótica mais de uma vez, sempre tomando cerveja em bares onde PEMES não pagam as próprias despesas.
— Onde já se viu? 
Repetia com o copo na mão, falando cada vez mais alto e mais entusiasmado:
— O negão era da umbanda...
Dizia esperando que a conclusão fosse óbvia para todos e diante do silêncio, concluía gritando:
— ...vagabundo, né não? Enfiei o cano do treisoitão na boca do meliante, algemei e levei o negão embaixo de porrada para delegacia do Gervásio, que além de delegado dos brabos, é pastor da Assembleia de Deus.
E antes que todos se afastassem, acrescentou:
— Satanista na minha área não, né não, mermão?
Quando chegou ao local, já não ouviu mais nada. A briga devia ter terminado. Mesmo assim resolveu entrar para averiguar, quem sabe ainda pudesse dar uns sopapos...
Muitas vezes divertia-se agredindo o agressor. Era sempre a mesma coisa.
— A mulher, depois de apanhar bem...
Dizia.
— ... ainda pede pelo amor de Deus para liberar o seu marido.
Ria contando essas histórias nas sessões de cerveja e salgadinhos na faixa, nos bares do bairro, enquanto a viatura ficava estacionada em cima da calçada.
— Mulher é bicho sem vergonha, né não?
Dizia ao colega, no volante da viatura:
— Nem precisa descer. Essa região é de casas de trabalhador, chá comigo, eu resolvo.
 Desceu, entrou pelo portão, caminhou através do jardim ouvindo o vira-lata e o colega parar em uma estação de rádio que tocava “Bichos escrotos”, do Titãs. Deu três batidas leves na porta:
— Abre a porta, cidadão, é a polícia.
Foi o que disse com voz firme.
A porta não se abriu. Jaime bateu novamente três vezes, agora mais forte e gritou:
— Abre, é a polícia.
Esperou e a porta não se abriu. De dentro, o homem de bem, pai de família, puxou o gatilho duas vezes.



[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]


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