— Direitos humanos o caralho...
Pensou Mendonça, dentro de seu de seu coturno impecavelmente
engraxado e sua farda engomada, sem um vinco se quer.
Olhou para o lado esquerdo: ninguém. Olhou para o lado direito:
ninguém. No muro a sua frente o nome de um candidato em campanha eleitoral.
— Mito...
Pensou, quase exibindo na face a alegria que sentia no seu íntimo.
Mas o Sargento, sobretudo em serviço, não era de sorrir, nem de rir, na verdade
não era nem de falar. Se considerava um homem de ação. “Teoria é para os
frescos”, repetia com frequência entre os soldados sob seu comando.
— Vamos retomar esse país...
Nas costas sentia toda energia negativa vinda dos barracos
improvisados com resto de madeira, lona, papelão e sonhos desfeitos. A sola do
coturno preto pisava na lama de esgoto a céu aberto e milhares de frustrações
cotidianas. Só via, além da cor da pele do meliante, seus olhos brancos
arregalados na noite mais escura que já devia ter visto na vida.
— Mito.
Repetiu baixinho para si mesmo e passou a lâmina na jugular.
Não foi tão fácil quanto via nos filmes, mas nem um ruído se
espalhou pela noite. Morreu calado.
Sorriu satisfeito enquanto o pacote se desmanchava no chão fétido.
— Uma mãe vai chorar amanhã e não vai ser a minha.
Pensou mais do que satisfeito consigo mesmo.
— ...não mandei abrir as pernas e por bandido no mundo...
Limpou a lâmina e guardou na bainha preza a cintura. Nada ouviu,
nada aconteceu. Total silêncio.
— Ninguém viu nada...
Pensou, enquanto admirava a inscrição no muro.
— Aqui ninguém vê nada, nada nunca, mito!
Voltou para viatura, onde os outros três subordinados o aguardam.
Entrou, bateu a porta com excessiva força, fingindo não perceber e disse, quase
sorrindo:
— Missão cumprida.
[Ernande
Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]