Ernande Valentin
do Prado
Noite dessas
estive debatendo com uma amiga sobre as condições dos PROVABIANOS, que ela acompanha como
supervisora de campo do PROVAB e eu como Apoio Pedagógico no curso de
especialização ao qual são “obrigados” a cursar.
Ela acredita que
as condições em que trabalham são muito difíceis. Não nego as dificuldades,
realmente falta muita coisa, mas não são ruins apenas para os PROVABIANOS, são
para todos os outros profissionais já inseridos na Estratégia Saúde da Família
e, principalmente, para população que depende do serviço. Aliás, penso que se
as condições fossem as ideais, esse tipo de estratégia seria completamente desnecessário.
Os profissionais
de saúde e não apenas os Médicos estudam em escolas públicas ou particulares
com incentivos públicos. Recebem bolsas de diversos tipos, desde incentivo à
moradia, iniciação científica, residência e até para estudar no estrangeiro.
Até aí tudo bem, acho que tudo isso é importante mesmo, porém o Estado brasileiro,
diferente de outros tão ou mais burgueses que o nosso, nada exige do estudante.
Pode frequentar ou não as aulas, pode aprender
ou não, pode formar-se ou não, pode, depois de formado trabalhar ou não e ainda
escolher onde e tudo bem, nada tem que provar para ninguém, sobretudo para
população, que em alguns casos serviram de “cobaias” para que aprendessem seu
saber/fazer.
Estudei na
PUCPR, com bolsa não reembolsável. Meu compromisso para manter a bolsa, segundo
a assistente social, não faltar às aulas e tirar notas boas. Os beneficiados do
Programa Bolsa Família (PBF) precisam assumir uma série de compromissos com as
condicionalidades, por exemplo, frequentar às aulas, se grávida fazer
pré-natal. Concordo, só não entendo porque estas e outras exigências não são
para todos independentes da classe social.
Após 6 anos de
estudo, o profissional de medicina pode aderir a uma bolsa de especialização em
serviço e, além de trabalhar, aprimorar-se, tornar-se apto a entender e
praticar Atenção Primária à Saúde. A bolsa prevê 40 horas de trabalho em uma
equipe de ESF, e, dessas 40 horas, 8 são dedicadas (em teoria) à
especialização. Alguns levam à sério, outros nem tanto, mesmo tendo assinado um
contrato comprometendo-se a fazer (o mesmo vale para os beneficiados do Bolsa
Família). No meio do curso começam as “desculpas” honestas ou não para não
fazer isso ou aquilo. Não seria isso o condicionamento do Estado que “tudo”
oferece sem nada pedir em troca (para alguns)? Ninguém está acostumados a dar
nada, comprometer com nada que não seja individualizado – essa parece ser uma
resposta possível. Outra é que, de fato, a maioria não têm interesse em atenção
primária, estão no programa, parece por dois motivos; primeiro, para maioria,
por conta do incentivo de 10% de bônus para cursar a residência que escolher
depois, segundo lugar, a bolsa de dez mil reais, que parece pouco pelo valor que se atribuem, mas
que de fato não é tão pouco assim.
Porém, estes, a
meu ver, são os problemas pequenos. O que incomoda mesmo é o fato de que estão
em tese preparando-se para ser melhores profissionais, mas poucos aproveitam essa
oportunidade. Conheço PROVABIANOS que alegam que foram obrigados pelo
Ministério da Saúde a fazer o curso. O problema é que não se engajam no fazer,
não demonstram conhecer nenhuma técnica ou terapêutica além da consulta clínica
calcada na distribuição de pedidos de exames e receitas medicamentosas.
Não espero que
estes recém-formados tenham condições de enfrentar problemas complexos e os
resolver, pois em APS muitos problemas não têm mesmo solução, mas que se
importem o suficiente para incomodar-se com eles, para que
“infernize” a vida dos colegas e dos gestores em busca de soluções conjuntas e
que não simplesmente passem um encaminhamento e acreditem que já fizeram sua
parte.
Dia desses falei
com um PROVABIANO que está há 10 meses em determinado território que visitei um
senhor acamado, com sequelas de AVE em sua área e ele respondeu-me que não
sabia da existência desse homem. Realmente ele não sabia, mas esse é exatamente
o problema, disse-lhe: como ficar tanto tempo em um lugar e não conhecer seus moradores?
Será isso ético, humano, condizente com a profissão e com o PROVAB não
conhecer, não saber da existência desse homem?
Diante desse
quadro, pergunto-me: A minha tolerância com esse tipo de comportamento é
coerente com meu compromisso com a população, com meus deveres éticos e legais?
Acho que não
estou pedindo (ou exigindo) muito, na verdade não estou nem mesmo exigindo que
faça o que estou fazendo, pois nem dormir direito durmo quando tenho um
problema que não consigo encaminhar de modo satisfatório. O que aprendi nestes
anos todos trabalhando em APS é que não existem problemas intransponíveis, mas
pouca criatividade, pouca insistência, pouca vontade de ser mais e fazer mais.
[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa
das 10 às 6tas-feiras]
Revisão –
Jailson Conceição – Bahia.