Tatuagem de parede - Tambau, João Pessoa. Ernande, 2016. |
Ernande Valentin do Prado
Dia destes estive em um restaurante muito
interessante em João Pessoa, bairro dos bancários, ao lado da praça da paz, mas
ele poderia ser realmente bom, mas parece que se contentam em ser só
interessante, em ser uma imagem do que poderia ser.
Era um sábado de clima agradável. A praça da
paz estava cheia de gente. Eu, Larissa e Alice saímos do Circo Irmãos Power e
caminhamos a procura de um lugar para comer e conversar sobre o espetáculo
circense que havíamos visto. O restaurante, antes de entrarmos, parecia um ambiente
agradável, limpo, arejado, bem decorado, poucas mesas, música ambiente na
altura correta e coerente com a proposta do lugar (só forró pé de serra), o
cardápio variado e diferenciado incluía iguarias nordestinas como carne de sol
com macaxeira, tapiocas de diversos tipos, petiscos e sorvetes com sabores da
região, doces, cachaças, sucos. As coisas, pensando apenas na estrutura,
pareciam no lugar certo, no tamanho exato. Mas vai vendo, como
disse em outro texto:
O que me serviram, macaxeira com carne de
bode, poderia estar delicioso, mas...
Quando entramos, o rapaz que atendia, bem
uniformizado, utilizando-se de um tablet para organizar os pedidos,
praticamente não nos notou, apenas lançou um olhar cansado, como quem diz: mais
uma mesa para atender.
Ficamos
sentados, aguardando que alguém nos notasse, mas nada. Com o tempo de espera
notamos que as bonitas mesas de madeira estavam meio sebosas. Não exatamente
sujas, era mais uma coisa do tempo, uma gordura que vai se acumulando pelo
descuido sistemático. O que era meio estranho, já que o lugar parecia bem novo
ainda, assim como os atendentes.
Depois de um tempo o rapaz do Tablet, ainda
na mesa ao lado, olhou em nossa direção e sem mudar a expressão facial ou abrir
a boca, jogou um cardápio na mesa. Estávamos em três, haviam cardápios à
disposição, mas ele só nos “jogou” um. E, no seu rosto, tive a sensação de ver que
ainda pensou estar nos fazendo um favor inestimável. Não acho que ele deveria deixar
de atender a outra mesa para nos dar atenção, não é isso, mas o que custava
dizer: “só um instante, já lhe atendo” ou então entregar os cardápios de um
modo eficiente e humanizado? Se assim tivesse agido, poderíamos nos distrair
até que ele pudesse nos dar sua atenção de verdade.
Não havia no restaurante, no momento que
entramos, nem 15 pessoas. Eram mais ou menos umas cinco ou seis mesas ocupadas,
ou seja, com três pessoas atendendo, menos de cinco pessoas por atendente. Não
havia superlotação, o que poderia ser uma desculpa para não acolher de imediato
os novos frequentadores.
Quando, depois de um tempo e de Alice chamar
atenção, o rapaz resolveu nos atender, parecia que não escutava o que falávamos
ou que não entendia (mas poderia ser apenas falta de interesse). Tive que repetir
três vezes o meu pedido: carne de bode com macaxeira, e até apontar a figura no
cardápio. O rapaz, com o tablet na mão parecia não estar acostumado com a
tecnologia, que francamente, com aquele nível de movimento não parecia ajudar
em nada. Imaginei que ele anotava o pedido e automaticamente a cozinha tinha
acesso, mas o vi no balcão repassando os pedidos para uma moça que os anotou, isso
depois que ele ainda passou em outras duas mesas, no caminho do balcão. Enfim,
o tablet parecia como aqueles televisores que, como desculpa pelo
potencial educativo, ficam ligadas na Ana Maria Braga ou em desenhos animados,
nas repartições públicas.
Larissa fez suas escolhas, Alice as dela.
Ele foi embora. Depois de um tempo voltou. Já estava achando que o serviço era
rápido, mas ele só queria confirmar os pedidos, talvez achando que da primeira
vez tinha sido pegadinha ou que havíamos mudado de ideia. Não tenho certeza
sobre o que se passou na cabeça dele. Aproveitei para reafirmar que queria uma
cerveja, mas o pedido não vinha nunca e eu vendo os três atendentes conversando
no balcão. Chamei, mas claro que ele não
viu, estava de costas e tive que esperar até ele resolver olhar para o salão.
Quando fez, chamei-o e perguntei:
- E as bebidas?
Assustado, como se servir bebidas não fosse
uma coisa normal, ele disse:
- É para servir as bebidas?
Foi até um freezer vertical muito bonito, estampado
com a marca da cerveja, com portas de vidro e trouxe duas cervejas quentes,
bebi a minha enquanto esperava, Alice fez o mesmo com seu refrigerante e
Larissa ficou bebericando. A cerveja quente acabou, e nada do prato chegar e
nem o atendente voltar para saber se eu tinha interesse em beber mais uma
cerveja quente (ou, quem sabe gelada desta vez). Também poderia ter nos
oferecido uma porção de batatas ou de pastel de carne de sol, ou de queijo
coalho com melaço de cana, mas não fez nada disso.
Será que fui atendido assim por que o rapaz não foi com a minha cara (não seria de se estranhar) mas como não ir com a cara
de Larissa e Alice?
Depois de quase desistir de tanto esperar,
chegou minha macaxeira com carne de bode. A macaxeira estava quente (queimando a
boca) o bode gelado (talvez para compensar a cerveja quente). Pedi que
esquentasse o bode, a moça levou (sem nada dizer, com cara de que eu estava
sendo muito exigente), demorou um tempo mais do que aceitável e voltou com o
bode quente e a macaxeira fria. Comi, para evitar fazer um barraco (sábado à
noite não dá para fazer barraco), pedi a conta, que foi bem menor do que estava
disposto a pagar e fui embora. Não me oferecem uma sobremesa de banana que eu
questionei ao atendente como fazia, nem um café e nem disseram:
- Volte sempre, nossa razão de existir é lhe
servir.
Mas veja bem: diferente da UBS, do meu
Bairro, neste restaurante não sou obrigado a voltar nunca mais, não sou
adstrito a área dele. Existem outras opções. Posso, por exemplo, ir ao quiosque
que fica na praia de Tambaú e tem duas garçonetes tão eficientes que até
parecem se teletransportar e a macaxeira frita é uma das melhores que já provei
(até Alice, que não gosto de quase nada, adorou).
Sabe porque sei disso?
Porque ao sair do mar e aproximar-me do
chuveiro (achando que só ligariam a água, como em outro quiosque no mesmo
Tambau, depois que comprasse alguma coisa). Sem falar, sem perguntar, sem
insinuar nada, a garçonete, mesmo com o restaurante lotado, viu e ligou a água.
Fiquei tão surpreso (positivamente) que quando ela perguntou se queríamos uma
mesa, disse que sim, mesmo já tendo planejado almoçar em outro lugar. Quando
fui embora ela disse:
- Deseja mais alguma coisa... volte sempre.
Certamente voltarei, mesmo que não sinta dor.
[Ernande Valentin do Prado
publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]