Publicado também no blog Entre-primos e no blog lesfurg
Eu
já deveria ter escrito este texto há muito tempo, mas só agora decidi
escrever. Ele fala de uma experiência absolutamente surpreendente que eu
costumo falar quando falo do projeto que eu e um grupo de colegas
criamos em 2010 chamado “Liga de Educação em Saúde” com a proposta de
adentrar a comunidade e sair um pouco do academicismo universitário,
tentar participar das experiências da comunidade. Eu vivenciei esta
experiência em 2011 no grupo que realizávamos atividades, uma turma de
Educação de Jovens e adultos (EJA), no Centro de Atenção Integral à
Criança e ao Adolescente localizado na comunidade do Campus Carreiros na
cidade de Rio Grande, RS.
A
Liga de Educação em Saúde, a qual chamamos carinhosamente de “LES”,
sempre tentou ao máximo, e com o amadurecimento do projeto criar um
ambiente de conversa com a comunidade, uma experiência de trocas, para
uma construção conjunta do conhecimento e não uma forma verticalizada
com palestras ou os “futuros médicos levando todo o seu conhecimento
para a comunidade”, nós queremos participar com a comunidade, a parte
mais importante aqui são as preposições: com e não para.
Então
em uma das últimas reuniões do ano de 2011 estávamos conversando com um
grupo do EJA que já tínhamos criado o vínculo durante todo o ano. Eles
pediram para nessa reunião conversarmos sobre “infecções”, sobre o que
eram as infecções. E estávamos conversando sobre o que era infecção,
como eles tinham vivenciado isso, e logo eu entrei no assunto “febre”
comentando que era um dos sinais de infecção.
Enquanto
eu comentava sobre isso e todos me olhavam com olhos atentos, uma
senhora perguntou para mim abertamente: “Como é isso de febre, o que é
febre, nunca entendi isso do termômetro direito”. Então eu decidi
perguntar frente aquelas 15 pessoas que eram pais, avós, filhos se eles
sabiam usar o termômetro. E pasmem: ninguém sabia. Eram pais que tinham
criado filhos, avós que tinham criado pais, e eram filhos também. Eram
pessoas que já tinha adoecido, já tinham vivenciado a febre e nenhum
sabia como usar um termômetro.
Aí
eu consegui explicar como usava, e eles ficaram tão emocionados e
felizes. Sabe, usar o termômetro é aquele conhecimento que eu adquiri
nem me lembro quando, antes de entrar na universidade e nunca havia me
questionado, ou questionado alguém sobre se ele sabia ou não usar um
termômetro.
E
a minha mente questionava-se muito insistentemente: “O que adianta eu
receitar determinado remédio se febre se muitos não sabem usar um
termômetro?”. Bom aí começa um dos maiores questionamentos: “porque a
medicina é tão distante? Mal compreendemos os nossos pacientes e eles
mal nos compreendem”. Não saberem usar um termômetro abriu um horizonte
muito grande na minha perspectiva, foram novas caminhos de compreensão. E
compreendo o significado indizível de saber utilizar um termômetro com
eles.
Saber
o que significava a febre que falaram durante tanto tempo para eles e
em nenhum momento tentaram compreender com eles o significado desta
palavra foi algo simples para quem vê de fora, e muito profundo para
quem compreende por dentro. Para mim fica a certeza, que jamais
receitarei nada “se febre” sem antes saber e me envolver no universo
entre eu e o paciente no significado da febre e do termômetro.
Mayara Floss
Obs.: para quem não conhece a Liga de Educação em Saúde, envio aqui um curta metragem sobre a LES premiado no 12° Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade.
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