Praia do Coqueirinho - PB |
Das reflexões do Ernande e outras reflexões
“Qualquer criança sabe que o tempo não existe, que é mera invenção dos homens. O tempo não é mais que uma sucessão interminável de bateres de corações alimentados por gestos de ternura” – Para os filhos dos filhos dos nossos filhos de José Pacheco
O mundo, hoje (e provavelmente antigamente também), está acostumado a lidar com problemas e não com inspirações. O profissional da saúde vai amenizar as mazelas do mundo ou criar novos mundos? O cuidado não pode ser uma repetição, um caso clínico, uma experiência baseada em quantos pacientes você teve, uma expiração. O cuidado transcende o conhecimento, porque pode existir cuidado com pouco conhecimento, e muito conhecimento com pouco cuidado. Podem existir partos normais agressivos e cesarianas carinhosas – como me contou Amélia certa vez. O sinal do coelho – que não existe “cientificamente” - no meio de uma cirurgia, pode fazer todos sorrirem, para aliviar o cansaço – “duas orelhas ou quatro orelhas? Acho que temos que ter dois coelhos”.
Como aprendi navegando na balsa, a profecia é menos sobre prever o futuro, e mais sobre a sina de ler os sinais do tempo, é intuição. É poder colocar um cobertor quando o paciente diz que está com frio e medo. É perceber que quando você quiser pagar a passagem, você já vai estar navegando – não precisa pagar! Não precisa comprar.
O cuidado não tem metodologia exata, o aprendizado não vem do ensino, vem das experiências, dos processos de aprendizados que não tem controle nem metodologia - aprendemos e trocamos em curvas. Vai sempre faltar uma parte, vai sempre ser incompleto, mas repleto. A educação popular e o cuidado têm um elemento transformador profundo no qual o agente da transformação é também transformado. Na universidade, hoje, existe uma certa miopia que coloca o número de horas como maior que o conteúdo, ela que determina a carga horária maçante e os “conteúdos” que devemos aprender, mas tudo marcado pelo tempo, que não é linear, e “enjaulado” no sistema universitário. O cuidado pouco abordado fica mais restrito em tempo, e é uma linha que muitas vezes se perde em meio a slides e aulas, mas que pode se desenhar nos pacientes e nas interações. São os reencontros libertadores com a comunidade, pacientes e a educação popular que nos resgatam. Muitas vezes não precisa ser dentro ou fora do hospital. Pode, também, existir projetos de extensão na comunidade duros e interações humanas hospitalares carinhosas – cada um faz do seu espaço seu palco. É a ressignificação que fazemos do ato de cuidar, que se perpetua na forma de transformação de cada um de nossos dias. Como o ato de educar, talvez o cuidado seja uma educação que acontece na relação profissional de saúde-paciente, explico melhor, uma aprendizagem, um caminho mútuo de construção – geralmente, esquecemos de valorizar o que não é biomédico, científico, aferido, comprovado e pesquisado.
Por mais clichê que possa ser, o cuidado é o inusitado dos profissionais da saúde. É o vaga-lume que brilha no escuro. É ouvir a paciente de 95 anos que diz “nos éramos pobres na palavra, mas ricos no viver, éramos uma família grande”. Não li ainda o protocolo sobre “aperto de mão”, a diretriz sobre “olhar nos olhos” ou a lista de procedimentos “carinhosos” - não sei se quero ler, também, mas há a necessidade de flexibilizar fugir do protocolo clínico convencional. A maioria da história não cabe na história clínica, e parece que o que não está na anamnese perde o valor no cuidado, a história que não é contada nas perguntas abertas ou fechadas da investigação de uma doença. Não estou dizendo que a história clínica não é importante, quero propor a reflexão de fazê-la mecanicamente sem pensar nas outras histórias que se desenrolam por trás de uma lista de problemas e uma folha de anamnese. Assim como grande parte do cuidado não cabe nos prontuários. Devemos aprender e refletir sobre nossos pacientes e comunidade, quem eles são, quais suas histórias e caminhos. Ao invés de carregarmos pedras, talvez um dia, seremos construtores de catedrais – novos caminhos, novas descobertas, pequenices diárias imensuráveis que são as diferenças do cuidado e dos nosso dias.
Voam abraços,
Mayara
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