13 janeiro 2016

Um dia de Amélia


O meu prédio é um cinza, em uma rua curta. Recepção com malas e conversa com leite de arroz. Chaves sem fechaduras, testes. Chaves esquecidas, portas perdidas, caminhos por abrir. Segundo ela não tão heroína quanto pintam. Sono em cama de sonhos. Almoço vegetariano, histórias e atestados. Ida para a Nova Dique, caminhada no centro, compra de passagem de ônibus, siga-me por aqui, "esse caminho você não deve fazer sozinha", espera o ônibus "só dez-quinze minutos" *. Ônibus com ar condicionado, conversa, aponta na janela: "ali é a vila dique, o finalzinho". Histórias, vividas, vidas. Caminhos para a Unidade Básica, vidas no meio do caminho, conversas rápidas, carinhos. Vou conhecer a Unidade, no meio paramos para escovar os dentes, discussão sobre a reunião de equipe com a porta do banheiro aberta e com Amélia escovando os dentes. Ela sinaliza com a mão para esperar ela bochechar para responder, as pessoas entram e saem enquanto ela escova os dentes. "Amélia, que lindo isto aqui" (segurando o colar de pedra verde que está no pescoço da Amélia enquanto ela mexe o braço escovando os dentes**) ela diz: "Comprei aqui em Porto Alegre na Feira, coisa hippie". Conversa com a liderança da comunidade "só quinze minutos", intensos, desabafos, e sonhos. Pede paciência, vamos construir, fazer, criar. Pacientes, acima do peso, abaixo do peso, Vila Dique, mulheres emponderadas, meninas fazendo conversa sobre sexualidade, aviões de papel para distrair as crianças e a mãe poder conversar. Pequenas vitórias, cabelos cortados "igual ao da médica". Cumprimentos no corredor: "conheço quase todos os pacientes, inclusive os que não são meus". Intervalo para café, chá, pessoas, caminhos e a copeira que diz "Amélia é muito humilde, médica humilde, difícil de achar". Pãezinhos saborosos. Horário que estava em branco no papel, mas tinha gente esperando. Desculpas. Conversas, faladeiras. Conversa com a dentista:"enquanto você vê as crianças eu queria conversar e examinar mãe". Negociações, ajudas. Lutas, histórias doidas, agonias, e passagens, 2015 está passando "deu desse ano para ti né". Carinhos de novo. Conversa rápida para exame na sala de espera: "espero amanhã, certo?". Abraços, ela está linda, as coisas estão melhorando. Caminhos da volta. Na porta da Unidade luto de mãe, luta para viver. "Você tem que ir ver ela, ou eu enlouqueço". Passagem rápida para um abraço, "o que eu mais sinto falta é do abraço do meu filho" diz a mãe. "Venho ver a senhora amanhã" - diz Amélia, ela responde - "o seu abraço me lembra ele, ele sempre me abraçava, disso que sinto mais falta" . Carinhos, mudança de caminhos aqui fica a horta, ali as casinhas feitas de reciclagem. "Cadê ele?" pergunta Amélia ao passar na frente de uma casa. Resposta "está dentro, venha", conversa rápida com menino. Faixa de Gaza da comunidade, caminhos, casas, jovens grávidas "de novo". Espera do ônibus, acabou de sair, "não tem problema só dez-quinze minutos". Cara de chuva, tempo feio. Volta cheia de bocejos contagiantes. Caminhadas, mercado público, damascos. Apartamento, livros, conversas. Bauru vegano, para entregar logo: "tem de abobrinha e molho de tofu defumando?" - escuto o atendente pelo telefone, gesticulo interesse e ela diz - "esse mesmo, trás dois". Projetos, planos, sonhos e entraves. "Vou fazer isso hoje, pode deixar". Bauru atrasado, jantar apressado, cheio de poesia, ânimo refeito, cuidados e bananas-maça para levar para casa. "Cuidado para não esquecer de nada! Meu apartamento parece que engole as coisas e você não acha mais". "Pegou tudo?". Então vamos. Abraços, malas, carinhos e promessa de volta com mais tempo. Um dia de Amélia. 


*Acho que todos os ônibus da Amélia demoram "dez-quinze minutos". 
** Quase caótico, não fosse poético.


Voam abraços,
Mayara Floss

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