28 abril 2017

AMELIANAS

Imagem capturada na internet. 2017
Ernande Valentin do Prado

- Tomei uma dipirona, achei que estava com febre.
Disse Cátia, sorrindo, sem dar importância demais.
- E por que não tomou só um banho?
Perguntei eu, com minha objetividade de enfermeiro que não gosta muito de medicações.
- E dava?
Respondeu ainda sorrindo, Cátia, e continuou explicando e gesticulando:
- ... eu estava sozinha com Sofia. Minha mãe e minhas irmãs tinham saido, estava sozinha e ela não me deixa. Era só afastar um pouquinho e ela abre a boca. Fui conseguir tomar um banho só quando minha irmã chegou, mais de uma hora.
Ela falava sorrindo, só contando, não tinha lamento, dúvida, arrependimentos. Nós dois na porta da Unidade de Saúde, eu por não encontrar o que fazer, ela esperando a Médica, de novo atrasada mais de duas horas.
- Meus peitos estão tão cheios, chega escorrer.
Cátia é uma adolescente de 17 anos, mais ou menos um metro e cinquenta. De aparência dá para ver que o peso ainda não voltou ao normal pré-gravídico. Ainda tá gordinha, a barriga levantando o vestido apertado. Sofia nasceu há mais ou menos sessenta dias. Parto normal. Veio a UBS por causa de uma virose, disse ela. Sente-se com febre, uma tosse chata que faz a garganta queimar. Por conta própria tá tomando lambedor, dipirona e um xarope para tosse que tinha em casa. Será que continuo tomando, perguntou ela.
- Tá usando o absolvente embaixo do sutiã?
Perguntei, apenas para continuar a conversa.
- E não tô? Olha aqui...
Disse a menina recém mãe, mostrando o absolvente embaixo do sutiã, para evitar molhar o vestido.
- Sofia trocou o dia pela noite.
Continuou contando Cátia com o sorriso cada vez maior, ao falar da filha.
- ... dorme o dia todo, de noite não prega os olhos. Estes dias era meia noite e ala acordada, com aquele olhão em cima de mim. Depois dormiu um pouco e acordou antes de uma hora. Eu que não durmo mais...
No rosto da mãe aquele sorriso tão elegante, tão sincero, tão feliz que   até ofende o saber profissional sobre adolescentes mães. Cheguei a me perguntar de onde vinha tanta força, tanta determinação.
Sei não. Existem razões biofisiolágicas e sociais que explicam porque adolescentes não deveriam ser mães, mas existem outras que explicam porque algumas se saem tão bem. Nem todas a gente entende.
- Às vezes Sofia chora sem razão...
Continuo falando Cátia.
- ... já mamou, tá limpinha, sequinha, mas chora. Aí eu falo com ela, apareço e ala se acalma, passa tudo.


[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

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