Pântano do Sul |
*Texto publicado no blog e site do Tainha na Rede do Pântano Sul pelo Fernando Alexandre entusiasta e fomentador da cultura da ilha de Santa Catarina.
“Deus te criou, eu que te benzo e
deus te cura”.
Fui visitar uma benzedeira na
casa dela no sul da ilha de Florianópolis. Mais de 100 anos de vida, conta-me
que aprendeu a rezar com a mãe, mas não porque queria, porque ela quando jovem
não queria benzer, queria mesmo é dançar. Dançava muito.
Um dia desses quando moça foi
para Cachoeira e estava descansando quando uma mulher veio pedir para ela
benzer um menino. Ela disse que não, que não benzia. A mulher disse:
"deixa disso que eu sei que tu benze, tua mãe benze". Ela meio que
sem graça disse que ia benzer, e assim fez sua primeira benzedura para mal
olhado, mas logo avisou "não conta pra ninguém". O menino pegou jeito
e logo já estava em todas as bocas. A mãe dela faleceu e ela que só sabe cinco
rezas, a de cobreiro, zirpa, calor de figo, empiche e mal olhado. Cobreiro tem
que benzer nove vezes e cruzar os pauzinho, adverte e reza. “Sabe o que é calor
de figo? É quando desce uma aguaceira pelas canela, assim ó” – e gesticula com
as mãos a água descendo das canelas. “Eu não sei benze fungado, mas tô benzendo
e tá curando”. No “não conta para ninguém” a fama se espalhou de dançarina para
benzedeira, rendeira, mas não parteira, nem macumbeira que ela avisa. O que eu
não sei rezar minha mãe ajuda, ela que sabia todas as orações, já rezei até
para espinha de peixe.
- E esse machucado na testa? –
pergunto vendo o curativo grande na testa.
- Ah isso aqui eu cai e machuquei
o joelho – ela levanta a calça com o joelho infeccionado e os pontos de sutura
muito avermelhados.
- E não tá doendo? -.
- Não dói não. – eu examino com
calor local, secreção. Ela me diz:
- O médico foi tão bonzinho que
costurou, eu tava toda cheia de sangue ele não me deixou esperando, disse para
eu voltar na sexta-feira para tirar os pontos, mas na última sexta-feira eu não
fui, quero tirar só com ele -.
- Mas era importante tirar os
pontos – comento mansamente.
- Mas ele disse que vai resolver
o problema da minha pele – ela diz e aponta para o rosto - vou tirar os pontos
só com ele -. Penso um pouco.
- Eu acho que está infeccionado
- ela logo me diz – mas eu já benzi,
benzedura forte com zirpa, até vi uma rosa branca no meu quarto no final da
tarde.
- Certo, quem sabe vamos fazer
assim, eu tiramos aqui os pontos do joelho e na sexta-feira você tira os pontos
da testa – que estavam limpos e cicatrizando.
- Bem que tô sentindo umas
ferroada, não consigo dobrar o joelho assim ó – e ela tenta dobrar o joelho, e
segue - Vai doer? – .
- Menos que ter um filho –
respondo, ela solta uma risada larga – se é menos que ter um filho eu aguento,
tive oito -.
- Tá combinado? Acho que vamos
ter que tomar um remédio por uns dias – explico e olho nos olhos de benzedura.
- Amanhã de manhã eu vou lá – e ela
segue me contando e rindo das histórias de benzedeira.
Um dia ela estava passeando e uma
comadre pediu para ela benzer a criança, “eu sei que hoje é domingo mas dá
última vez que você benzeu minha filha deu tão certo”. “Domingo eu não benzo,
tem muita missa” mas ela disse que “ia benzer escondidinho, por causa da
distância”, logo alguém espalhou que ela estava benzendo e teve que benzer uma
“porção de menino”. Até as benzeduras que ela não conhece ela já benzeu, “não
sei benzer coluna, mas estou benzendo e está curando”. Mas se for mal de carne
quebrada encaminho para o Seu Patrício – quase uma rede de benzeduras de
plantão. “Vem aqui, benze aqui” e assim foi.
Ela também me adverte que não
come peixe, mesmo vivendo na vila de pescadores. Só come frango e dá risada,
mas distribui os peixes que ganha de presente quando reza para a pesca e o
barco vem cheio. Já benzeu um padre, a Xuxa e o repórter que foi lá no último
final de semana e ela estava muito
preocupada que apareceu na televisão benzendo com o curativo na testa.
Florianópolis 30/05/2017
Abraços que pousam,
Mayara Floss
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O que tem a dizer sobre essa postagem?