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02 maio 2018

Porque os sinos dobram



“Preocupar-se é tão mau como ter medo. Só serve para tornar as coisas mais difíceis.” - Ernest Hemingway

- Doutora você já sentiu o cheiro da morte?
- ... Por que?
- Eu senti bem pouquinho na mãe mas depois foi embora. Mas agora está vindo de novo.

Abraços que pousam,
Mayara Floss

27 dezembro 2017

Feridas



“Essas feridas da vida
Amarga vida”

A família era grande e pobre, nós eramos em dez criança, meus pais adotaram dois que os pais tinham se matado.
Com 12 anos, não tinha carinho do pai e mãe
Não podia,
Quando tinha 18 anos apanhava ainda

Ela surrava bastante até com vara de espinho
Surrou tanto minha irmã que ela se mijou tudo
Se fazia uma coisinha errada
Tinha que fazer todo o serviço de novo

Eu não tenho amor pela minha mãe, ela tinha ódio.
Quando vinha visita eles sentavam na mesa primeiro,
e nós sentava depois para comer, se sobrava

Hoje nenhum dos irmãos quer ir numa festa
Porque de solteiro nós não podia sair
Ela chamava nós uma vez, se chamava na segunda já era para apanhar

Eu quero dar pros meus filhos o que eu não tive da minha mãe
Um dia eu tinha que cuidar dos pias,
Pias aprontam, são safados, você sabe
Um dia meu irmão fugiu com eles para roubar melão
Bati no meu irmão com pedaço de pau
Ele ficou com os hematomas e ganhou febre

(suspiro)

Nunca vou esquecer
Até hoje me arrependo
Nunca mais bati em nada nem ninguém.

- E a sua família como é?

Ah a gente se ama muito, amo muito meus filhos
Não posso me queixar.

Abraços que pousam,
Mayara Floss

28 junho 2017

Benzedura e sutura

Pântano do Sul
*Texto publicado no blog e site do Tainha na Rede do Pântano Sul pelo Fernando Alexandre entusiasta e fomentador da cultura da ilha de Santa Catarina.

“Deus te criou, eu que te benzo e deus te cura”.

Fui visitar uma benzedeira na casa dela no sul da ilha de Florianópolis. Mais de 100 anos de vida, conta-me que aprendeu a rezar com a mãe, mas não porque queria, porque ela quando jovem não queria benzer, queria mesmo é dançar. Dançava muito.

Um dia desses quando moça foi para Cachoeira e estava descansando quando uma mulher veio pedir para ela benzer um menino. Ela disse que não, que não benzia. A mulher disse: "deixa disso que eu sei que tu benze, tua mãe benze". Ela meio que sem graça disse que ia benzer, e assim fez sua primeira benzedura para mal olhado, mas logo avisou "não conta pra ninguém". O menino pegou jeito e logo já estava em todas as bocas. A mãe dela faleceu e ela que só sabe cinco rezas, a de cobreiro, zirpa, calor de figo, empiche e mal olhado. Cobreiro tem que benzer nove vezes e cruzar os pauzinho, adverte e reza. “Sabe o que é calor de figo? É quando desce uma aguaceira pelas canela, assim ó” – e gesticula com as mãos a água descendo das canelas. “Eu não sei benze fungado, mas tô benzendo e tá curando”. No “não conta para ninguém” a fama se espalhou de dançarina para benzedeira, rendeira, mas não parteira, nem macumbeira que ela avisa. O que eu não sei rezar minha mãe ajuda, ela que sabia todas as orações, já rezei até para espinha de peixe.

- E esse machucado na testa? – pergunto vendo o curativo grande na testa.

- Ah isso aqui eu cai e machuquei o joelho – ela levanta a calça com o joelho infeccionado e os pontos de sutura muito avermelhados.

- E não tá doendo? -.

- Não dói não. – eu examino com calor local, secreção. Ela me diz:

- O médico foi tão bonzinho que costurou, eu tava toda cheia de sangue ele não me deixou esperando, disse para eu voltar na sexta-feira para tirar os pontos, mas na última sexta-feira eu não fui, quero tirar só com ele -.

- Mas era importante tirar os pontos – comento mansamente.

- Mas ele disse que vai resolver o problema da minha pele – ela diz e aponta para o rosto - vou tirar os pontos só com ele -. Penso um pouco.

- Eu acho que está infeccionado -  ela logo me diz – mas eu já benzi, benzedura forte com zirpa, até vi uma rosa branca no meu quarto no final da tarde.

- Certo, quem sabe vamos fazer assim, eu tiramos aqui os pontos do joelho e na sexta-feira você tira os pontos da testa – que estavam limpos e cicatrizando.

- Bem que tô sentindo umas ferroada, não consigo dobrar o joelho assim ó – e ela tenta dobrar o joelho, e segue - Vai doer? – . 

- Menos que ter um filho – respondo, ela solta uma risada larga – se é menos que ter um filho eu aguento, tive oito -.

- Tá combinado? Acho que vamos ter que tomar um remédio por uns dias – explico e olho nos olhos de benzedura.

- Amanhã de manhã eu vou lá – e ela segue me contando e rindo das histórias de benzedeira.

Um dia ela estava passeando e uma comadre pediu para ela benzer a criança, “eu sei que hoje é domingo mas dá última vez que você benzeu minha filha deu tão certo”. “Domingo eu não benzo, tem muita missa” mas ela disse que “ia benzer escondidinho, por causa da distância”, logo alguém espalhou que ela estava benzendo e teve que benzer uma “porção de menino”. Até as benzeduras que ela não conhece ela já benzeu, “não sei benzer coluna, mas estou benzendo e está curando”. Mas se for mal de carne quebrada encaminho para o Seu Patrício – quase uma rede de benzeduras de plantão. “Vem aqui, benze aqui” e assim foi.

Ela também me adverte que não come peixe, mesmo vivendo na vila de pescadores. Só come frango e dá risada, mas distribui os peixes que ganha de presente quando reza para a pesca e o barco vem cheio. Já benzeu um padre, a Xuxa e o repórter que foi lá no último final de semana e ela estava muito  preocupada que apareceu na televisão benzendo com o curativo na testa.

Florianópolis 30/05/2017

Abraços que pousam,
Mayara Floss

14 junho 2017

Fome




O último atendimento da manhã, já ao meio dia, dos dias de agenda cheia.

- Não vou mais amamentar, não tenho leite.

- Me conta mais sobre isso?

- Ah é isso, a criança chupa, chupa e não sai nada. Não saiu nem no hospital. E tem os pontos para você tirar.

- Certo, como você está alimentando ela?

- Ah com NAN né? Não é NAN?

- Sim, pode ser, e ela está se adaptando?

- Mais ou menos o cocô está muito duro, mas já comecei a dar NAN na maternidade.

- Entendi, vamos examinar? Posso examinar suas mamas também?

Durante o exame a criança começou a chorar, aquele choro incessante de fome. Era o choro dela e o meu estômago de fome também.

- Já que ela está chorando tanto, quer tentar dar o peito?

- Ué posso tentar, mas o leite não vai descer. Não desceu no meu outro menino.

- Vamos tentar?

Era a nossa fome. Fome de mamar, fome de amamentar, fome de paciência. Sentei, e nos próximos quarenta minutos ficamos ali aprendendo a dar de mamar, encontrando a melhor posição, fazendo as contas do leite artificial, conversando. O leite veio, devagar, descendo por dos os canalículos, calmo, manso, quente – matando essa fome de viver.

Rio Grande, Mai/2017

Abraços que pousam,
Mayara Floss

07 junho 2017

Silêncio

Foto: Art veins



‘Quando se trata de uma visita ao médico, o paciente tem uma média de 23 segundos para informar suas preocupações antes do médico interromper. No geral, apenas 28% dos médicos conhecem o espectro completo de preocupações de seus pacientes antes de começar a se concentrar em uma preocupação particular e, uma vez focada a conversa, a probabilidade de retornar a outras preocupações é de apenas 8%.” (Marvel et al. 1999)[1]


E quando não interrompemos a fala, mas interrompemos o silêncio?

O médico perguntou:

- Como você está?

Passaram-se trinta, quarenta, quase um minuto enquanto a paciente muito idosa mexia na manga do casaco, sem parecer entender, alheia a consulta, após a filha ter saído para buscar um exame, até que muito vagarosamente ela levanta os olhos e encara o médico.

- Eu sinto uma agonia por dentro.


Abraços que pousam,
Mayara Floss



[1] Marvel MK, Epstein RM, Flowers K, Beckman HB. Soliciting the patient's agenda: have we improved? JAMA. 1999;281:283–287.

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