O professor olhou o relógio pela terceira vez, já era quase 14
horas. Desde as 13 aguardava os usuários agendados para o atendimento daquele
dia. Consultou suas anotações e perguntou para a estudante, sentada ao seu
lado, olhando mensagens no celular:
- Você leu sobre o Aconselhamento em Teste Rápido?
- Não li...
Respondeu a estudante com muita calma, sem alterar a voz, sem
desviar o olhar da tela do telefone celular e sem demonstrar nenhuma
preocupação com o tempo.
- Por que não leu?
O professor, tentando quebrar o hipnotismo da tela
digital. Insistiu:
- ...essa compreensão é fundamental para atividade que deveríamos
estar fazendo.
- Não tive tempo, professor, o senhor pediu ontem, e eu não vou
direto para casa, quando saio da aula, tenho que ir trabalhar, tenho outras
aulas.
- Certo...
Respondeu o professor, aceitando que o argumento da falta de tempo
realmente era bom, que de um dia para o outro é complicado, já que a
estudante, além de estudar, também trabalha. Mesmo achando que o texto solicitado
era curto, nada mais do que duas páginas esquemáticas, de fácil compreensão e
que poderia ser lido até no banheiro ou durante aquele tempo de espera em que,
aparentemente, nada estava fazendo, além de rolar mensagens no WhatsApp. Mesmo
assim aceitou o argumento.
Continuo consultando suas anotações e questionou, interrompendo a
menina que voltara a olhar as mensagens no celular:
- E o texto sobre territorialização, já tem duas semanas que pedi,
esse deu tempo de ler?
- Também não li.
Disse a estudante, agora desviando o olhar da tela do celular e
olhando para o professor, sem disfarçar sua impaciência, quase desafiando.
- Professor, sou honesta, não li esse texto.
O professor, compreendendo que a questão não era só de falta de
tempo, também não disfarçou sua impaciência e desta vez não aceitou o argumento.
- E não vai ler?
- Eu não tenho tempo, professor, entre estudar e viver, prefiro
viver.
- E por que não está lendo agora?
Perguntou o professor.
- Eu não baixei o texto e não tenho internet, aqui...
Disse ela.
- ...além disso o meu celular já está cheio.
- E porque não carrega o livro?
Insistiu o professor, esperando que a menina compreendesse que
falta de tempo não é um argumento muito satisfatório.
- É muito pesado, professor. Já imaginou eu carregando livros
nesta bolsa?
Disse apontando a minúscula, mas elegante bolsa.
- Qual o problema em carregar livros?
Falou o professor, estranhando os argumentos da estudante e até se
questionando: será que é isso mesmo que estou ouvindo? Talvez ela não estivesse
entendendo o que falava, era o que pensava, enquanto falava e tentava estender
seu saco de paciência, que ameaçava estourar.
- E como vai aprender, sem tempo para ler?
- Ao menos eu sou honesta professor...
- Honesta?
Interrompeu a fala da estudante, o professor. o saco tinha
estourado.
- ...quando uma pessoa, essa mesma pessoa que você, ao pegar seu
diploma deverá jurar cuidar, precisar que saiba fazer algo e não souber, vai
dizer o que para ela: “ao menos sou honesta, não sei fazer?” Isso vai adiantar
o que? A sua honestidade vale de que, nesta situação? Só honestidade não
garante nada. Já ouviu dizer que de boa vontade o inferno está cheio?
- Professor, nota eu tenho para passar e são
todas altas, isso é o que importa.
O professor não soube o que dizer. Ficou calado por um tempo,
pensando em um argumento que pudesse ser bom o suficiente para usar nesta
situação. Não achou e, por sorte, vinha chegando uma das pessoas agendadas para
aquele dia.
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