Ernande Valentin do
Prado
Em
junho de 2015 Heloísa Bernini do Prado recebeu seu diploma de Nutricionista. Eu
estava lá e vi... e senti.
A
formatura de uma filha não é qualquer coisa, não acontece tudo dia e em minha
família, não aconteceu tanto assim. É emocionante, embora dê certo
desespero (leve). Os planos de ir embora de casa de vez, ganhar a vida, fazer
sua própria história:
-
como assim, você ainda é um bebê e... (a casa já está tão vazia)
O
tempo vai passando, como diria Cazuza: “o tempo não para” e, ainda (até a
invenção da máquina do tempo), não volta, não se recupera, é implacável. Para
tudo tem jeito, até para morte, mas para recuperar o tempo não (passou, acabou,
já era, como esse tempo que está perdendo lendo esse texto). Já era, já foi,
acabou...
-
não seria melhor viver a vida?
Estava
ela lá, linda, feliz, com um mundo todo a sua espera. O Google diz que viajei 678,1 km entre João
Pessoa e Lagarto em Sergipe, onde Heloísa fez Faculdade: Universidade Federal
de Sergipe, campus de Lagarto, interior do estado. Campus de
saúde, método de estudo PBL/ABL. Primeira turma a se formar. Lá lecionei por 12
meses no ciclo inicial e vários e varias colegas de minha filha frequentaram
minhas aulas, alguns professores foram meus colegas. O tempo e a distancia os
amadureceu muito, nem pareciam as mesmas crianças. Foi difícil reconhecer
alguns e tenho certeza que nem eles me reconheceram com meus novos cabelos branco
e dentro de meu terno chique, que tenho desde (não lembro mais quando, mas
ainda serve).
Sabe
o que é mais bonito e significativo em tudo isso fora o fato de estar na
formatura de minha filha (sentimento que nem sei descrever)?
Estava
assistindo uma verdadeira transformação social na vida de minha família,
especialmente Heloísa (fato), porém mais ainda na vida de muitas outras
pessoas. Uma universidade pública, no interior do Brasil, com todas as
fragilidades, vícios e virtudes que se sabe existir, não é qualquer coisa.
Muitos dos estudantes que lá estavam provavelmente não chegariam a se formar
sem esse campus ali naquele lugar. Heloísa disse que dos 50 estudantes que
entraram com ela, há quatro anos, apenas 32 conseguiram se formar. Conheço
história de estudantes que para conseguir estudar tinha que matar um leão por
dia apenas usando as unhas e ainda arrastar a carcaça por quilômetros nas
costas.
Tem
gente dizendo que o fato das classes populares estarem frequentando a
universidade tem rebaixado o valor dos diplomas, que a graduação agora já tem
menos valor que antes. Mas o fato novo aqui é ter gente das camadas populares
chegando e concluindo a universidade (há 20, 30 anos nem conseguiam sonhar com
isso e agora alguns até realizam). Sentados do meu lado, na cerimônia de
colação de grau estavam várias pessoas de aparência muito humildes (sem um
terno chique como o meu) e que provavelmente não frequentariam uma colação de
grau em uma universidade há 10 ou 20 anos ou (até iriam, quem sabe) na
formatura da filha da patroa...
-
E eu com isso?
Cara
(Caramba Caraô)! Fiquei orgulhoso demais
de ver Heloísa não apenas se formando, sendo habilitada legalmente para ser
Nutricionista (ou o que mais ela quiser em sua vida), mas por estar ao lado de
um povo real, de verdade, que sonha com uma vida melhor e não em ir à Disneylândia
(com Chaplin Colorado) e comprar muamba em Miami. Eles estavam fazendo e
mudando a história nesta parte do Brasil, nesta parte da civilização. (ali,
naquele momento – seus compromissos de classe não sei como serão no futuro)
O
que vai ser daqui para frente não sei dizer, mas já estão num patamar melhor
para começar do que estavam antes, do que estiveram seus (meus) país, seus (meus)
avós.
Talvez
a vitória (mesmo que pequenina) dos outros não lhe emocione, mas para mim é
mais ou menos por aí...
[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às
6tas-feiras]