Ernande Valentin do Prado
Sei bem que existem exemplos (e não
pouco) em todo lugar do contrario de tudo que escrevi ate agora sobre o
comportamento dos seres humanos (ver textos anteriores). Até o globo repórter
fez um programa sobre isso em 20 de dezembro de 2013. Eymard está escrevendo um
livro sobre essas pessoas e estas situações (aguardem para ler). Mas são
pessoas extraordinárias vivendo ordinariamente suas vidas de um modo
extraordinário. A regra (ao menos ao meu redor) é de situações degradantes.
Quero falar de duas situações (quase
distintas) para concluir essa série de reflexões sobre o Google e o apocalipse
zumbi. Primeiro sobre como somos atendidos pelas pessoas normalmente e a
segunda sobre como os profissionais de saúde nos atendem.
SITUAÇÃO
1
Até vendedor, que em teoria dependem da
simpatia, está distratando o “cliente” nas lojas. Dois exemplos que vivi
recentemente:
1. Numa
loja de colchão a vendedora mostrou-me colchões que estavam em cima de um guarda-roupa
e queria saber se eu iria mesmo comprar antes de me mostrar.
2. Fiz
uma reclamação do serviço de internet e o atendente (sem argumento ou sem
necessidade de argumentar) me mandou tomar no fiofó (estamos em pleno universo
kafkiano após as privatizações que iriam nos salvar da ineficiência pública,
segundo a ótica neoliberal).
Em breve as compras serão feitas apenas
pela internet não apenas porque é mais barato e mais prático, mas para evitar
contato com outros seres humanos. (já estou com vontade fazer isso – sinto, às
vezes, que estou rodeado de zumbis por todos os lados e eu mesmo me tornando um).
Se pudesse não faria compras em
supermercados. Cada vez que vou ao TODO DIA (rede Wal-Mart na Bahia) fico
deprimido: sujo, bagunçado, produtos vencidos, profissionais mau pagos
trabalhando quase que em regime de escravidão (não podem ir ao banheiro, contou-me
uma operadora de caixa em um feriado). E o sindicato, perguntei ainda com essa
mania de acreditar e ela respondeu, vem descontado três vezes ao ano, mas nunca
vi nenhuma representa aqui. (Diferente do Google, o sindicato e os
sindicalistas (ao menos no Brasil) não têm necessidade de provar nada ao
trabalhador - o acordo é com o patrão
via conivência do estado).
Se o google sabe que o ser humano precisa ir
ao banheiro, porque os donos do Wal-Mart não sabem ou será que sabem e, assim
como os professores sabem que ensinar não é transferir conhecimento, apenas não
se importam? E os sindicalistas (que recebem contribuição compulsória do
trabalhar) importam-se em conseguir alguma beneficio para a categoria?
De uma coisa tenho certeza, o Google
sabe que tipo de capitalismo é esse e como se chama esse tipo de sindicalismo.
Vá ao Google e digite PELEGO e veja o que vai aparecer.
SITUAÇÃO
2
Conheço uma cidade onde mais de 80% das
consultas do Sistema Único de Saúde são agendadas com antecedência, o que é um
avanço quando se sabe que em muitos lugares para conseguir acesso e ser mal
atendido precisa ir para fila de madrugada. Porém, se quem organizasse o
sistema fosse o Google, será que os atendimentos não seriam induzidos, com dia
e hora marcada, assim como as compras o são?
Falei com uma Enfermeira estes dias
sobre os seus relatórios de produção. Pela minha avaliação não era possível
atender tanta gente em tão pouco tempo com a qualidade que se espera de uma
Enfermeira que cuida e não apenas que atende. Queria entender se ela não
preferia, ao invés de atender com base em problemas passados, atender com base
em problemas futuros, ou melhor, trabalhar para evitar problemas futuros. Nada
novo, apenas a boa, velha e básica prevenção de doenças.
Ela não entendeu bem do que eu estava falando
e disse: “agora querem que eu tenha uma bola de cristal?”
Em um momento de paciência (que não são tão
comuns em mim) disse apenas: pense nisso, depois conversamos e quem sabe
descobrimos umas dez maneiras diferentes de prever complicações e antecipar
demandas sem precisar de bola de cristal.
Sinceramente não acho que essa situação
seja motivada apenas pela ignorância, pela desmotivação do trabalhador, pelos
péssimos salários, pela falência do sistema de ensino, que está mais
interessado em vender o “produto educação”, mas pela pouca importância que a
gente dá ao outro. Prefiro mil vezes trabalhar com um profissional
inexperiente, mas motivado, sensível, capaz de aprender, do que com um que sabe
(ou pensa que sabe) muita coisa, mas não se importa o suficiente com o outro
para por em prática seu saber ou para continuar aprendendo.
Quando era professor gostava de
trabalhar com os alunos do primeiro semestre. Os levava para o meio do povo,
das comunidades e deixava “o pau comer”. Meus colegas diziam que eles não sabiam
nada, que não tinham o que ensinar e eu respondia: mas têm muito que aprender e
se importarem-se com o outro vão aprender para dar conta de cuidar. Para mim a
chave para aprender a cuidar é “preocupar-se” com o outro. Quem se preocupa em
cuidar não se recusa a aprender/saber/fazer, olhar até em bolas de cristal ou
consultar o Google.
Talvez o Google conheça não dez técnicas
para prever e induzir o cuidado, mas cem, mil, dez mil. Vá saber.
Brandão disse que tudo que se ensina é
aprendido (para o bem ou para o mal) acredito muito nisto. E aprendemos mais
com os exemplos, com o que se faz, com as posturas do que com o discurso.
Aprendemos e ensinamos. Por exemplo: na saúde é comum o profissional dizer que
as pessoas só vão ao serviço quando estão doentes, que ninguém se previne não
se antecipa e só procuram quando é urgência/emergência. Quase verdade. Mas o
que está escondido neste discurso é que esse comportamento está longe de ser apenas
natural, ele foi aprendido em anos de uma organização equivocado do sistema de
serviços de saúde. Quando uma pessoa vai ao serviço com uma gripe ou que vai
sempre ao serviço, o que se ouvi (e nem apenas pelas costas) é que esta tirando
a vaga de outra por bobeira). Ou seja, o profissional ensinando que só se deve
ir ao serviço quando o “caldo já entornou”. Comportamento bem diferente do Google,
que não perde oportunidade de aprender e melhor servir em um ciclo contínuo de
indução do consumo.
Temos muito que aprender (ensinar) com o
Google e não estou falando só das informações, mas do comportamento.
[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa
das 10 às 6tas-feiras]
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