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01 agosto 2014

O COTIDIANO NO APOCALIPSE ZUMBI


Ernande Valentin do Prado
1. Um lance que deu errado

O pessoal da tropa de choque está lá fora.
Todos com vontade de acabar logo com isso.
Mas hoje eu não vou deixar de ser eu.

2. Na calçada

A gente não vê mais eles dormindo nas calçadas
Mas não significa que não estejam lá.
Apenas que perdemos a capacidade de ver (ou de se importar)

3. No meio da rua

Tem um garoto morto no chão. Em volta uma poça de sangue e dois PM.
Morreu roubando uma galinha assada, destas de televisão de cachorro.
Do outro lado da rua um empresário revisava um novo edital do governo.

4.  Vídeo – isso aqui é uma guerra.



5.    Num posto de saúde perto de você

A senhora precisava trazer o cartão SUS e o número do prontuário. Cadê?
Eu esqueci em casa: são tantos cartões. 
- Vai ter que buscar, senhora, não vou procurar ficha por ficha o seu nome.

6. Na escola do bairro

– Diretora, não sei mais o que fazer com o Alfredo.
- É aquele garoto que o pai tá preso por matar a mãe?
- Esse mesmo. Melhor expulsar da escola, não aguento nem olhar na cara dele.

7. Numa palestra paga

Falas importantes de um famoso escritor de autoajuda, que vende milhões em livro todo ano: as mulheres são show; as mulheres dominam os homens, mulheres são todas lindas.
Mais 24 mil por em sua conta bancária.

8. Numa rua de Salvador

– Por favor, pode dizer onde fica a rua Senador Gouveia.
- Vai tomar no cu. Quer saber endereço compre um mapa, turista do caralho.
- Obrigado.

9. Universidade pública

– Não importam os objetivos da pesquisa, mas o financiamento.
- Mas como aprovar o projeto?
- Tenho um amigo na comissão. Depois a farmacêutica nos passa os objetivos.

10. A fala do advogado

Senhor juiz, senhor promotor, senhores jurados, todos nós sabemos que mulher de minissaia na rua, depois das 22 horas só pode tá procurando, não é verdade? O meu cliente aqui, homem respeitado, pai de família, da igreja, é que é a vítima.


[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

04 julho 2014

NOME AOS BOIS

                                                                                                                           Ernande Valentin do Prado

Maria
Desesperada
Matou o marido e os filhos.

Sonia
Queria adotar uma criança
Mas o juiz da vara da infância considerou-a um risco.

Priscila
Tem seis anos,
Sem irmã e sem crianças na rua com quem brincar.

Izabel
Passa o dia vendo programas evangélicos na TV
Também vê o Datena.

Luzia
Médica na vila vintém, só trabalha dopada
Diazepam é o favorito, mas outros servem também.

Jaime
Apunhalou três vezes seu companheiro no peito
Como quem diz: eu não te amo mais.

Marcão da farmácia
Disse: roubei sim, não nego.
Volto nas próximas eleições.

Ernani
Foi pego fora da sala de aula de geografia: assinou o livro preto
Nunca lhe perguntaram por que estava fora da sala.

Damiana
Mora num barraco com seis filhos mal nutridos. Depois de ouvir o sermão de sexta-feira, resolveu doar metade de seu pagamento ao pastor.

Norberto
Enquanto dirige, não esconde a risada sonora e larga,
Cada vez que na curva derruba um distraído.

Eliezer
Adora pegar corrida com turista.
Antes de chegar ao hotel mostra orgulhoso toda cidade.

Bruna
Esconde o HIV, mas diz:
Sem camisinha é mais caro.

Marina
Cobra R$ 10,00 por saque no caixa eletrônico.
Os aposentados pagam sem reclamar.

Silvia
Deixa claro:
R$ 10,00 eu aplico sem receita.

Margareth
Tem uma tabela: R$ 150,00,
Mas são 15 dias de atestado.

Mateus
Por R$ 50,00
Guardo seu lugar na fila.

Jurandir
Deixa claro: se não pagar, Doutor...
Não garanto que seu carro vai estar aqui quando voltar.

Silvano
Pergunta para todos:
Aceita bala de troco.

Sandra
Tem como filosofia de vida:
“Cada macaco no seu galho”.

Astolfo
Tem como estratégia: R$ 50,00 agora os outros R$ 50,00 depois.
Se eu ganhar, é claro.

Edson
Disse: vou passar este filho-da-puta porque é burro demais.
E também porque não quero na minha sala ano que vem de novo.

Pierry
Sorrindo, disse:
O padrão é 10%, mas se quiser um pouco mais a gente dá um jeito.

Silva
Equilibrando-se com dificuldade nas curvas, disse:
Eu podia estar roubando, mas estou pedindo.

Paulo
Disse para Raimunda, sem ficar vermelho: estas poupas de fruta não vamos dar para as crianças. Separa para os professores levar pra casa.

Domingos
O DIU do SUS é bom sim, mas não coloco aqui.
Se quiser é só agendar no meu consultório.

Geraldo
Era ladrão, maconheiro, traficante,
E me trazia flores roubadas todos os dias, até que morreu de AIDS.



[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

07 março 2014

ÀS VEZES PARECE QUE TUDO ESTÁ DESMORONANDO

Ernande Valentin do Prado

Sei bem que existem exemplos (e não pouco) em todo lugar do contrario de tudo que escrevi ate agora sobre o comportamento dos seres humanos (ver textos anteriores). Até o globo repórter fez um programa sobre isso em 20 de dezembro de 2013. Eymard está escrevendo um livro sobre essas pessoas e estas situações (aguardem para ler). Mas são pessoas extraordinárias vivendo ordinariamente suas vidas de um modo extraordinário. A regra (ao menos ao meu redor) é de situações degradantes.
Quero falar de duas situações (quase distintas) para concluir essa série de reflexões sobre o Google e o apocalipse zumbi. Primeiro sobre como somos atendidos pelas pessoas normalmente e a segunda sobre como os profissionais de saúde nos atendem.

SITUAÇÃO 1

Até vendedor, que em teoria dependem da simpatia, está distratando o “cliente” nas lojas. Dois exemplos que vivi recentemente:
1.      Numa loja de colchão a vendedora mostrou-me colchões que estavam em cima de um guarda-roupa e queria saber se eu iria mesmo comprar antes de me mostrar.
2.      Fiz uma reclamação do serviço de internet e o atendente (sem argumento ou sem necessidade de argumentar) me mandou tomar no fiofó (estamos em pleno universo kafkiano após as privatizações que iriam nos salvar da ineficiência pública, segundo a ótica neoliberal).
Em breve as compras serão feitas apenas pela internet não apenas porque é mais barato e mais prático, mas para evitar contato com outros seres humanos. (já estou com vontade fazer isso – sinto, às vezes, que estou rodeado de zumbis por todos os lados e eu mesmo me tornando um).
Se pudesse não faria compras em supermercados. Cada vez que vou ao TODO DIA (rede Wal-Mart na Bahia) fico deprimido: sujo, bagunçado, produtos vencidos, profissionais mau pagos trabalhando quase que em regime de escravidão (não podem ir ao banheiro, contou-me uma operadora de caixa em um feriado). E o sindicato, perguntei ainda com essa mania de acreditar e ela respondeu, vem descontado três vezes ao ano, mas nunca vi nenhuma representa aqui. (Diferente do Google, o sindicato e os sindicalistas (ao menos no Brasil) não têm necessidade de provar nada ao trabalhador -  o acordo é com o patrão via conivência do estado).
  Se o google sabe que o ser humano precisa ir ao banheiro, porque os donos do Wal-Mart não sabem ou será que sabem e, assim como os professores sabem que ensinar não é transferir conhecimento, apenas não se importam? E os sindicalistas (que recebem contribuição compulsória do trabalhar) importam-se em conseguir alguma beneficio para a categoria?
De uma coisa tenho certeza, o Google sabe que tipo de capitalismo é esse e como se chama esse tipo de sindicalismo. Vá ao Google e digite PELEGO e veja o que vai aparecer.

SITUAÇÃO 2

Conheço uma cidade onde mais de 80% das consultas do Sistema Único de Saúde são agendadas com antecedência, o que é um avanço quando se sabe que em muitos lugares para conseguir acesso e ser mal atendido precisa ir para fila de madrugada. Porém, se quem organizasse o sistema fosse o Google, será que os atendimentos não seriam induzidos, com dia e hora marcada, assim como as compras o são?
Falei com uma Enfermeira estes dias sobre os seus relatórios de produção. Pela minha avaliação não era possível atender tanta gente em tão pouco tempo com a qualidade que se espera de uma Enfermeira que cuida e não apenas que atende. Queria entender se ela não preferia, ao invés de atender com base em problemas passados, atender com base em problemas futuros, ou melhor, trabalhar para evitar problemas futuros. Nada novo, apenas a boa, velha e básica prevenção de doenças.
Ela não entendeu bem do que eu estava falando e disse: “agora querem que eu tenha uma bola de cristal?”
Em um momento de paciência (que não são tão comuns em mim) disse apenas: pense nisso, depois conversamos e quem sabe descobrimos umas dez maneiras diferentes de prever complicações e antecipar demandas sem precisar de bola de cristal.
Sinceramente não acho que essa situação seja motivada apenas pela ignorância, pela desmotivação do trabalhador, pelos péssimos salários, pela falência do sistema de ensino, que está mais interessado em vender o “produto educação”, mas pela pouca importância que a gente dá ao outro. Prefiro mil vezes trabalhar com um profissional inexperiente, mas motivado, sensível, capaz de aprender, do que com um que sabe (ou pensa que sabe) muita coisa, mas não se importa o suficiente com o outro para por em prática seu saber ou para continuar aprendendo.
Quando era professor gostava de trabalhar com os alunos do primeiro semestre. Os levava para o meio do povo, das comunidades e deixava “o pau comer”. Meus colegas diziam que eles não sabiam nada, que não tinham o que ensinar e eu respondia: mas têm muito que aprender e se importarem-se com o outro vão aprender para dar conta de cuidar. Para mim a chave para aprender a cuidar é “preocupar-se” com o outro. Quem se preocupa em cuidar não se recusa a aprender/saber/fazer, olhar até em bolas de cristal ou consultar o Google.
Talvez o Google conheça não dez técnicas para prever e induzir o cuidado, mas cem, mil, dez mil. Vá saber.
Brandão disse que tudo que se ensina é aprendido (para o bem ou para o mal) acredito muito nisto. E aprendemos mais com os exemplos, com o que se faz, com as posturas do que com o discurso. Aprendemos e ensinamos. Por exemplo: na saúde é comum o profissional dizer que as pessoas só vão ao serviço quando estão doentes, que ninguém se previne não se antecipa e só procuram quando é urgência/emergência. Quase verdade. Mas o que está escondido neste discurso é que esse comportamento está longe de ser apenas natural, ele foi aprendido em anos de uma organização equivocado do sistema de serviços de saúde. Quando uma pessoa vai ao serviço com uma gripe ou que vai sempre ao serviço, o que se ouvi (e nem apenas pelas costas) é que esta tirando a vaga de outra por bobeira). Ou seja, o profissional ensinando que só se deve ir ao serviço quando o “caldo já entornou”. Comportamento bem diferente do Google, que não perde oportunidade de aprender e melhor servir em um ciclo contínuo de indução do consumo.
Temos muito que aprender (ensinar) com o Google e não estou falando só das informações, mas do comportamento.




[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

28 fevereiro 2014

“CADA UM POR SI E DEUS CONTRA TODOS”

Ernande Valentin do Prado


            Ninguém deve negar (acho) que conhecer é fundamental. Como contar com o vizinho sem ao menos saber seu nome? E saber o nome é o primeiro passo do conhecer (penso eu). Dizem que não se pode julgar um livro pela capa, mas como ler um livro sem passar pela capa?
Como Enfermeiro acredito que conhecer é fundamental para melhor entender, compreender e melhor cuidar (embora já tenha ouvido de colegas que isso não é necessário). E cuidar é o objetivo essencial da Enfermagem (ao menos aprendi e ensinei isso). Penso que cuidar é fundamental (ou deveria ser) em todas as profissões e não só nas da saúde. Talvez imbuídos de cuidado os engenheiro não projetasse usinas hidrelétricas que devastam vidas, como Belo Monte, por exemplo, ou estádios de futebol que despencam com a vida dos torcedores (ou de operários já na construção). Políticos imbuídos de cuidado não receberiam propinas para votar este ou aquele projeto, não comprariam votos ou cooptaria lideranças populares achando que os fins justificam os meios. Mas isto é outro assunto, o que realmente é importante aqui é: será que realmente levamos a sério “esse conhecer” para cuidar ou ao menos para oferecer assistência de melhor qualidade?
As pessoas gostam de dizer (e fazem isso de boca cheia) que não se deve generalizar, mas também não gostam quando se dá “nomes aos bois”, por isso vau falar da minha experiência (que pode não ser a de quem não gosta de generalizar ou de dar nomes aos bois ou a boiada). De um modo geral a gente não sabe muito pouco da vida das pessoas que a gente prometeu e jurou cuidar naqueles cinco minutos de juramento na cerimônia de colação de grau. E se formos comparar o que o Google sabe com o que sabemos, aí então é deprimente (mas se quisermos, se nos importarmos mesmo - e não apenas no juramento - poderemos aprender a contar com o Google, concorda?). Estão lembrados que a tecnologia não tem intenções boas ou maléficas, que estas quem tem somos nós?
Dia desses, por conta de meu trabalho, caiu em minhas mãos um cartão de gestante atendida em uma unidade de saúde. Ela já estava de oito para nove meses e não constava em parte nenhuma a altura da mulher, a quantidade de filhos que tinha, o número da gravidez atual, as vacinas que já havia tomado, o tipo de parto já realizado. Estou falando só de informações básicas, nada complicadas (como qualquer profissional de saúde ou qualquer mulher que já fez pré-natal pode testemunhar). Fiquei intrigado com tão negligente situação e passei a pedir cartão de todas as gestantes que passaram por mim naquela semana, de diferentes localidades, atendidas por diferentes profissionais, de diferentes especialidades e níveis de atenção e constatei que o google é infinitamente mais eficiente em completar lacunas de informações.
Não tenho certeza da necessidade de dizer que estas informações não são meras formalidades (por ser um óbvio ululante, como diria Nelson Rodrigues), mas que podem fazer a diferença entre este ou aquele tipo de parto, este ou aquele tipo de terapêutica em determinadas situações. Pode inclusive determinar (que Deus nos livre) vida ou morte de um recém-nascido ou de uma mulher.
Não quis me dar por vencido e procurei nos prontuários as informações que faltavam no cartão da gestante. Vi, em geral, duas ou três linhas incompreensíveis. Talvez devêssemos responsabilizar o google por colher informações no lugar dos profissionais de saúde, pois parece que ele é mais eficiente e talvez entenda ou importe-se mais com o bem estar dos seres humanos.  
Talvez chegue o dia em que as máquinas tenham mais capacidade de sentir e importar-se com o outro do que nós. Capacidade de colher informações, analisar e devolver em serviço já parece ter. Por que nós seres humanos não conseguimos fazer igual ou parecido ao Google no que diz respeito a conhecer/acolher o outro? A pergunta (ou provocação) não é justa, uma vez que fomos nós quem criamos o Google ou porque podemos usá-lo para melhor entender nosso vizinho e melhor cuidar, no caso dos Enfermeiros e profissionais de saúde.
O que percebo é que hoje não há mais a necessidade de tão grande refinamento do fazer. A situação dos serviços de saúde é tão ruim, apesar das tecnologias de última geração, que fazer o básico já é digno de elogio. (não estou dizendo que não haja quem faça mais e melhor, com criatividade e leve a sério a questão da arte e da ciência na saúde). Os textos do novo livro do Eymard ou do Livro de Vivência de Educação Popular em Atenção Primária à Saúde - provam isso, mas estes casos são exceção, não regra.
Google ou seus idealizadores não têm interesse verdadeiro pelos seres humanos (ou talvez tenham), mas será que importa? Claro que o interesse sincero, o carinho, a dedicação, o importar-se com é perceptível, ajuda o outro a superar seus problemas, seus dramas, mas o que é pior: o cinismo, a falsidade das aparências ou a sinceridade da grosseria, a ausência, a negligencia explicita e declarada?
Google se dedica para vender, é sua função no mundo (e parece que cria um mundo particular para cada pessoa, de modo que esta possa ignorar o que acontece ao seu redor), mas pode vir a ser outra e podemos usá-lo de formas muito criativas, inclusive para substituir pessoas sem criatividade, sem motivação ou para fazer diagnósticos mais precisos, entre muitas outras coisas.
Lembram-se do que falei dos cartões de gestante e dos prontuários sem preencher? Seria pior se os profissionais assumissem que só trabalham pelo dinheiro, mas fizessem isso bem feito? Nada muito complicado: quem sabe por exemplo preenchendo os formulários, os prontuários e cartões de gestantes, chegar e sair no horário correto, justo e ético? Preencher o prontuário, fazer exame clínico de verdade, anamnese antes de solicitar 33 diferentes exames? Será que se fizessem isso para vender sua imagem, parecer bons e solidários, melhorar seus salários, seria tão ruim ou pior do que estão fazendo?

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras

21 fevereiro 2014

O GOOGLE E EU

Ernande Valentin do Prado
O consumidor - Ernande (2013)

Posso dizer que o Google sabe mais de mim (do que eu mesmo), até porque já deveria saber que ele memoriza minhas buscas passadas, mas não lembrava (nunca fui bom de memória), por isso espantei-me com a resposta tão eficiente do Google para Turim, como comentei no texto anterior.
Ele “me conhece” porque pesquisa constantemente meus gostos, meus hábitos e assim consegue ser mais eficiente quando lhe procuro. A pesquisa sobre mim não acaba, é permanente, cada vez que nos “encontramos” vai completando as informações, perguntando e aumentando o banco de dados e assim tem cada vez mais o que “dizer”. Fantástico.
O google faz isso para melhor servir, não há dúvida. Não ignoro que é por motivos econômicos, quanto melhor me conhece melhor pode “conquistar-me” e vender-me coisas que nem preciso (principalmente). Tudo indica que o mundo gira cada vez mais em torno disso: vender alguma coisa que você não precisa, não vai precisar e quase sempre é produzido por alguém que mora mal, come mal, dorme mal e não tem esperança no futuro (e ainda há quem não crê na possibilidade do apocalipse zumbi). Quem precisa realmente de um celular que só não frita ovo? De uma escova de dente elétrica, de Ferrari vermelha que atinge de zero a cem quilômetros em 10.2 segundos?
O sistema aprende como lhe vender algo que você não precisa com muita facilidade, pois entendeu (ou seus criadores) a importância de conhecer seus potenciais clientes e antecipar seus desejos. Ele busca informações objetivas, conta bancaria, endereço, emprego, renda familiar, mas principalmente seus desejos, fantasias, vontades mais secretas. Fantástica tecnologia a serviço do capitalismo alucinado, não do bem estar dos seres humanos (embora possa ser usado com eficiente para o bem, é apenas uma questão de opção, como outra qualquer).

A tecnologia tanto se dá a práticas perversas, negadoras da vocação para o ser mais de mulheres e de homens quanto a práticas humanizantes. Não cabe à tecnologia decidir sobre a que prática servir mas aos homens e às mulheres, fundados em princípios éticos iluminadores da ação política[1]:35.

Para conhecer o outro, saber suas necessidades e desejos é preciso antes de tudo ouvir-lhes. O Google ouve, com seus milhares de ouvidos, olhos e sentidos eletrônicos. Vasculha até sua lixeira virtual, o seu íntimo e sabe melhor do que você, ou antes, do que precisa e o que deseja. Já imaginou o potencial disso para a humanização das relações, para melhoria dos serviços públicos, para deter o apocalipse zumbi que já estamos vivendo?

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]



[1] FREIRE, P. À sombra desta mangueira. 10. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

14 fevereiro 2014

O GOOGLE, A EDUCAÇÃO E O APOCALIPSE ZUMBI

Ernande Valentin do Prado
O ofício do professor. Ernande (2012)

Quando digito Turim no Google, imediatamente ele dá como primeira opção uma empresa de ônibus que faz a ligação entre Dias D’Ávila e Salvador, na Bahia.
Mas porque isso é digno de ser mencionado?
Veja só, Turim é um destino turístico europeu bem conhecido. À simples menção de Turim qualquer pessoa vai associar a Itália e não a uma empresa de ônibus velhos (padrão transporte coletivo brasileiro). Porém o google aprendeu que quando “eu” digito Turim estou interessado no horário de ônibus e não na cidade de Turim.
Minha linda esposa, Larissa, disse que isso acontece porque o sistema memoriza minhas buscas anteriores, mas concluo que é porque o sistema aprendeu (maquina aprendendo é coisa fascinante - não sei se pelo meu gosto por ficção cientifica ou porque dá esperança de que seres humanos ainda possam aprender a ser melhores ou se pelas duas coisas).
Estamos diante de um admirável mundo novo em que as máquinas estão aprendendo para melhor nos servir (embora o mundo velho ainda persista inegavelmente). Talvez seja injusto dizer que a máquina aprende, mas apenas que memoriza, não estou certo? Mas memória não é exatamente o que se cobra das crianças nas escolas e dizem que isso é ensinar/aprender? O que se cobra nos concursos públicos é mais do que memória?
Minha filha de 12 anos fez uma prova de história em um colégio particular (sistema positivo de ensino). Tive paciência de ler uma questão de múltipla escolha que era mais ou menos assim:
Qual o rio mais importante da África?
(   ) São Francisco
(   ) Sena
(   ) Nilo
(   ) Amazonas
Nem é necessário ter uma memória tão boa quanto a do google para saber essa resposta, concordam? Mas o que me intriga é não entender qual o significado para a vida de minha filha (e para a humanidade) se por acaso ela errar a resposta. Nem sei exatamente qual a utilidade dela acertar.
Acertar que o Rio Nilo é (quem sabe) o mais importante da África contribui de alguma forma para os estudantes compreender o significado da água, para agricultura, para religião, a higiene, a alimentação, a vida do povo africano e consequentemente do planeta terra? Tenho sérias dúvidas.
Será que se trocasse a professora (ou o sistema de ensino) pelo Google não seriam mais interessante e eficiente as aulas?
Se uma criança mais ou menos letrada digitar Rio Nilo no google, vai deparar-se com as seguintes opção (citando apenas três páginas das centenas que apareceram): história, geografia, biologia, opções turísticas, artísticas, curiosidades, fotos, vídeos, entre outras coisas.
Talvez o google não aprenda realmente, mas tem infinitamente mais informações do que eu, do que os professores (ao menos os da minha filha) e, parece que sabe um pouco mais do que as provas do Sistema Positivo de ensino.
Mas como pode o google saber mais do que os pensadores da positivo (entre outras escola comerciais e públicas)? Ou será que estes sabem, mas não se importam em ensinar? Será mais lucrativo ou mais fácil (o que deve dar no mesmo)  insistir que aprender é memorizar?
Quem sabe o segredo não é o que se sabe ou deixa de saber, mas o saber que se está disposto a compartilhar, por à serviço da comunidade. Ou talvez isso tenha a ver com a segmentação capitalista: produtos diferentes com preços diferentes para públicos diferentes.

Quem pode pagar mais recebe mais ou recebe diferente (o que neste caso dá no mesmo).

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

09 fevereiro 2014

A HUMANIDADE, O GOOGLE E O APOCALIPSE ZUMBI

Ernande Valentin do Prado
Resquícios - Ernande (2012
Ainda estou aprendo a escrever (especialmente para internet), apesar de fazer isso há muitos anos. O ambiente virtual é muito bom para divulgar, expressar-se, mas tem algumas características interessantes, como por exemplo, o fato de que texto longo fazer menos sucessos do que textos curtos (se bem que os textos da Mayara desmentem isso).
O valor do que se escreve não pode ser medido apenas pela quantidade de leitura ou de cópias vendidas de um livro, mas quase ninguém escreve apenas para si mesmo. Quem escrever é porque precisa expressar algo, divulgar, refletir com apoio de outros e se a leitura não acontecer, talvez parte da intenção fique inconclusa. Escrevo para ser lido e quanto mais gente lendo melhor (importo-me a qualidade da leitura ou do leitor, mas não há o que fazer nestes casos)
Em maio de 2013 publiquei O apocalipse zumbi, um desabafo metafórico endereçado, mas que fez certo sucesso no blog (127 leituras - pessoalmente acho que 20 leituras já são suficientes para dizer que um texto é sucesso, ainda mais neste mundo tão fascinante que é a internet).Por esse motivo e por inquietações que vivo constantemente em torno do tema, voltei ao assunto (além disso, Zumbis são um passa tempo digno e interessante e está na moda, assim como a educação popular em saúde, sobretudo a governista).
Dedico esse texto a Alambel Magalhães, que descobri recentemente ser fascinado por literatura fantástica e ter, quase que por acidente, iniciado estudos na área de Educação Popular em saúde.
********************
Costumo dizer que nem sempre escolho o que escrever, às vezes sou escolhido pelo tema, pela forma de abordar determinado assunto e por mais que tente fazer outra coisa ou desviar-me do foco, não consigo. O apocalipse zumbi tem me perseguido com seus sinais inequívocos por toda parte: a intolerância, os protestos no leste europeu, na oriente médico, nas capitais do Brasil, as guerras que estão ou simplesmente são tão fúteis, a incompetência desmedida dos serviços públicos, a corrupção desenfreada dos três poderes, a indiferença generalizada, a ganancia dos capitalistas, entre tantos outros sinais, para mim são evidencias de que vivemos uma era de zumbis que se alimentam de cérebros humanos.
Fiz um longuíssimo texto discutindo a capacidade do Google em aprender em contraste com a capacidade do ser humano de perder sua humanidade e tornar-se zumbis. Para melhor comunicar-me com quem tenha interesse neste assunto ou com leitores habituais, dividi o escrito, primeiro em três partes, depois em seis e agora em sete: O Google, a educação e o apocalipse zumbi, O Google e eu, O Google, o cuidado e o apocalipse zumbi, O cuidado e o apocalipse zumbi,  No apocalipse zumbi é cada um por si e “deus contra todos”, O apocalipse zumbi e os trabalhadores e O apocalipse zumbi e o admirável mundo novo.
Os textos, como quase tudo que escrevo, embora aceitando que existam outros pontos de vista, são “as minhas verdades provisórias”. Pretendo postar um após o outro em sete semanas consecutivas, mas vamos ver o que vai acontecer.

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

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