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Imagem capturada na internet, 2017. |
Ernande Valentin do Prado
Por volta as sete horas
as mulheres começaram a chegar para o exame citológico de câncer de colo de
útero. Por volta das sete e quinze a técnica de enfermagem começou a chamar
cada uma das mulheres para preencher as fichas. Depois, ansiosas começaram a
conversar na sala, enquanto esperava a enfermeira chegar.
Falavam sem parar, até se atropelavam,
as falas cada vez mais alta para se sobressair na algazarra matinal da unidade.
Por volta das oito hora
e trinta minutos a enfermeira chegou. Passou pelo meio da roda das mulheres sem
dizer nada, cara fechada, apressada foi direto para o consultório.
- Essa é a enfermeira
nova?
Perguntou uma das
mulheres e outra respondeu: é.
- Deve ser muito boa...
Disse com um sorriso
forçado e nervoso na boca e continuou falando:
- ... viu a cara dela?
Nem bom dia sabe falar.
Algumas mulheres riram.
Outras tentaram rir, disfarçar o constrangimento.
A primeira mulher foi
chamada. Foi. Saiu em menos de dez minutos, entrou outra.
A mulher, do primeiro
comentário, observou:
- Tá vendo como o
atendimento é bom: cinco minutos, nem isso...
As mulheres foram
entrando e saindo, uma após a outra.
- Fez o exame de mama
também?
- Não, ela não faz.
- O que deu no exame?
- Inflamação, só isso.
- Só, ela não falou
mais nada, não explicou?
- Nada mais, só
inflamação. Ela não é de falar muito, nem disse do tratamento.
Uma das mulheres,
depois de ouvir a conversa, começou a contar que uma vez pagou consulta com uma
ginecologista particular. Ela explicou tudo, enfatizou a mulher admirada. E
continuou explicando para as outras: eu queria fazer um ultrassom transvaginal,
que minhas irmãs todas já tinham feito e eu queria fazer também. Mas ela disse
que eu não precisava, que até poderia pedir, se eu quisesse, mas que era jogar
dinheiro fora.
Antes das dez horas a
enfermeira saiu do consultório com o telefone na orelha e foi embora pela
lateral da UBS. A coordenadora da UBS não viu a mulher chegar, nem sair.
Estava interessada em
ver?
A enfermeira chegou às oito
e saiu as dez? Talvez antes. Ela atendeu um telefonema ainda durante a consulta
da última mulher agendada, naquela manhã. A mulher parou de falar, quando a
profissional atendeu o telefone, sem nem dizer: “só um minuto”. Ficou com a
frase no meio. Depois viu a mulher sair do consultório lhe dando as costas,
enquanto se vestia. Nada acrescentou, foi embora dizendo: já chegou no plantão,
estou na UBS ainda...
A técnica de enfermagem
da sala de vacina chegou às oito e quinze, saiu às onze horas.
Uma das médicas chegou
às nove e quinze e saiu às dez e vinte e cinco.
O dentista: ninguém viu quando
chegou, distraídas com as conversas, só viram quando
saiu: nove e meia.
Só restou o segurança, junto com as três recepcionistas, mas mesmo estes foram embora bem antes do expediente oficial acabar.
O que dizer, diante
disso?
No finalzinho da
espera, as mulheres ainda falavam:
- Quando você agendou
esse exame?
- Faz três semanas.
- Você não é da área descoberta?
- Sou.
- E como te atenderam, dizem
que só atendem pessoas da área.
- No horário dos fora
de área não venho, o atendimento é muito pior do que agora.
- Acho incrível ter
conseguido agendar...
- Não me perguntaram
onde eu morava e se perguntassem eu mentiria. As vezes só mentido para ser
atendida aqui.
[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às
6tas-feiras]