Connemara |
“Minha vida é andar
Por esse país
Pra ver se um dia
Descanso feliz
Guardando as recordações
Das terras por onde passei
Andando pelos sertões
E dos amigos que lá deixei.” - Luiz Gonzaga
Subi no ônibus. Um ônibus simples comparado a outros que já usei aqui. Deixei minha mochila no porta-malas, antes organizando cuidadosamente para não amassar algumas maças que comprei de última hora no mercado. Subi, com a minha mateira e um livro. Acabei deixando a câmera dentro da mochila o que logo se tornou um pequeno motivo de aborrecimento. Sentei no meio do ônibus, perto da janela. Todo mundo que entrava no ônibus logo procurava um lugar para sentar sozinho, ou com as pessoas que conheciam. Tirando alguns turistas e eu, o ônibus era praticamente todo de irlandeses. No final, o ônibus lotou e uma moça sentou ao meu lado. Você não consegue esconder a sua cara de estrangeiro nesses lugares. Enquanto o ônibus começava a se movimentar sempre com o mar ao meu lado, eu estava com aquele espírito aventureiro, lugares novos. Mas ao mesmo tempo com vários olhares curiosos e pessoas falando irlandês ao meu redor.
Dia cinza, com o mar refletindo o cinza do céu típico da Irlanda. Meu destino: Rossaveal. Passando por Barna e outros vilarejos. A vida muitas vezes nos leva por novos caminhos. Viajei para a Itália há cerca de um mês. Estava conversando sobre medicina de família, o caminho que eu escolhi para seguir dentro da medicina. Um irlandês que também estava no grupo falou: “Meu pai é GP”, (GP é o mesmo que General Practice, que é o nome na Irlanda para a especialização em Medicina de Família). Começamos a conversar e ele falou veemente que o pai dele me aceitaria para acompanhar em algumas práticas. Como a irmã dele ia se casar, acabou demorando para eu conseguir conversar com o pai dele. Há duas semanas atrás marcamos um encontro para conversar, uma conversa agradável, combinamos os acertos o ônibus que eu iria pegar e o tempo que ficaria. Como tenho aulas durante a semana a melhor opção foi fazer um plantão durante o final de semana. E bem, quando me vi estava no ônibus olhando as ovelhas pela janela entrando no interior da Irlanda. Um misto de frio na barriga e curiosidade de conhecer algo novo.
O médico estava me esperando em Rossaveal, porque o ônibus não chegava até a casa dele era mais longe em uma pequena ilha. Fomos de carro até lá, ele me mostrando o caminho e comentando que tinha comprado comida vegetariana para mim. Falando o nome das ilhas, da paisagem, do trabalho. Eu estava fascinada, e com aquela sensação que sempre dá quando entra em um carro irlandês, a sensação de que você está sentado do lado virado do banco. Mesmo morando há mais de dois meses essa sensação não muda. Durante o trajeto ele também já foi explicando que teríamos uma visita domiciliar pela manhã e me dizia como funcionava a rotina.
Chegamos e fui recepcionada pelo grande (e gordo) labrador. O médico me mostrou o quarto onde eu iria ficar, larguei minha mochila lá e ele foi me apresentar o consultório no anexo da casa. Eu estava num misto de felicidade e constrangimento ao entrar na casa de um estranho e feliz por estar mais perto dos pacientes novamente. Ele abriu a porta do consultório (o nome antigo e que se utiliza para consultório é Surgery), logo a minha direita uma estante enorme cheia de livros, acoplada a uma escrivaninha. Mas a primeira diferença do Brasil, a mesa não fica entre o médico e o paciente, o paciente senta ao lado do médico, com mais proximidade (e quando ele foi me mostrar os outros dois consultórios que ele atende durante a semana a organização foi a mesma). Uma maca para examinar o paciente, quadros pendurados na parede com os certificados, pia a direita, material esterilizado. Não era um grande consultório, apenas do tamanho ideal.
Eu, não sabia se levava ou não, acabei levando comigo o jaleco. Ele disse que eu poderia usar mas que provavelmente as pessoas iriam estranhar eu de jaleco, além disso, ele acrescentou que as crianças não gostam de jaleco. Ele precisou sair, me mostrou onde eu poderia tomar um banho depois de um dia agitado na vida estudantil na cidade. Tomei meu banho, sentei e fiquei contemplando a baía. A casa mais próxima parecia muito distante. O labrador me fez companhia.
Quando o médico chegou explicou como funcionava os horários, os planos do dia e eu fiz um chimarrão. Ele olhou curioso, experimentou alguns goles e ficamos conversando até tarde sobre medicina. Ele com trinta e poucos anos trabalhando na mesma comunidade no interior da Irlanda eu dando os meus primeiros passos. Conversamos sobre como o médico tem que ter “orelhas grandes” para saber ouvir. Ele me contou vários causos da vida de médico do interior, como foi chegar na cidade, aprender irlandês para poder se comunicar. Dava para ver o brilho no olho, não precisei de muito tempo para perceber que ele amava o que fazia. Eu falei do Brasil, da comunidade da Barra, contei algumas experiências também. Terminamos o assunto no sistema de saúde irlandês.
Quando deitei na cama fiquei pensando quais eram as minhas expectativas em relação a Europa, e me dei conta que a medicina é igual. Com suas nuances, mas as orelhas grandes, a vontade de cuidar e a alegria de trabalhar com aquilo que gosta, sendo sério quando precisa, mas também se divertindo com os pacientes. O cuidado está nas mãos de cada um, e tive a sorte de parar em uma pequena ilha no interior do interior da Irlanda, com um médico que ama o que faz. É essa vida de viajante de Luiz Gonzaga, os novos caminhos, vivências e aprendizados. E longe de casa sigo o roteiro mais uma estação, e a alegria no coração.
Voam abraços,
Mayara
[Mayara Floss publica na Rua Balsa das 10 às 4as-feiras]
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