Ernande Valentin do
Prado
Fogão sujo e cama
desarrumada são as imagens da pobreza. Pensei nisto enquanto limpava o fogão e
conversava com Larissa que lavava a louça do almoço.
- Deve ser pelas
imagens que viu nas favelas de Curitiba, era o que tinha, acho que as pessoas não
tinham onde guardar ou porque faltava agua encanada. Disse Larissa.
Deve ser, respondi, mas
acho que é uma lembrança que vai mais longe. Minha mãe limpava o fogão, ficava
uma beleza. Alias a cozinha toda ficava uma beleza. Tudo limpinho, organizado. Panelas
de alumínio brilhando, louça secando no escorredor num arranjo impossível de
ficar em pé, mas ficava.
A mesma coisa com a
cama. Minha mãe arrumava o melhor que podia sua cama. Era a primeira coisa que
fazia ao levantar pela manhã. Arrumava a cama, estendia a colcha para enfeitar
e era assim que deveria ficar até a hora de dormir. Casa varrida todos os dias,
encerrada, cada coisa em seu lugar, organizada.
Tento reproduzir toda
essa organização, toda essa limpeza da minha mãe em tudo que faço na vida. Levanto
pela manhã, arrumo a cama, escovo os dentes (quando Larissa avisa
que o café está pronto), arrumo a mesa, tomo café sentado no mesmo lugar, com a
mesma xicara que ganhei de minha mãe. Depois tiro a mesa e volto com o mesmo
vaso feito pela minha irmã. Sento no meu escritório (na minha cadeira e escrevo
no meu computador): começo qualquer texto pelo título, depois monto o esqueleto
com suas partes e só depois faço o recheio.
Meu pai não. Ele era
diferente. Sempre foi a imagem do improviso, da agilidade mental, da
genialidade, da ironia de canto de boca, do olhar que atravessa. Sempre se
pareceu com o cientista louco que sabia resolver qualquer coisa, mas que não
estava bem ligado no mundo. Ele sujava o fogão derretendo queixo diretamente na
chama (e não limpava, é claro – ou melhor, iria limpar depois). “Guardava” tudo
que podia (nunca se sabe quando se vai precisar de um pedaço de fio elétrico ou
uma torneira velha). E nunca arrumava a cama ou tirava o sapato dos pés para pisar
no chão brilhando. Brigas? Até hoje é assim.
Minha irmã mais velha
tem muito do meu pai e da minha mãe juntos. Consegue ser original, criativa e
organizada ao mesmo tempo. Cozinha como ninguém, borda, costura, faz artesanato
(inclusive o vaso que fica em cima de minha mesa) e tudo sabe dar um jeito,
ninguém fica sem resposta com ela. Teve todo tipo de revés na vida, mas acorda
e continua esperançosa. Falei com ele ontem, arrumou um emprego novo
(repositora em uma rede de supermercados, mas disse que a meta é ser gerente da
loja em breve).
Minha outra irmã tem
o humor e a leveza de meu pai. Consegue deixar a louça suja em cima da pia e ir
ver TV (coisa que admiro), mas não consigo achar muito confortável. Tem
resposta para tudo e agilidade mental impressionante. Não guarda rancor, mas
parte para ignorância com facilidade, sobretudo quando sente que estão querendo
lhe enganar. Sempre tem uma piada infame, uma maneira de relativizar tudo. Um
coração gigante que todos acolhe sem distinção, inclusive centenas de
cachorros.
Sinto muito falta
dele e delas.
[Ernande
Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]
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