Conheci os olhos amarelos dela. O fundo amarelo, o castanho
azulado. Ia fazer a nota de internação: usa algum medicamento? Não! Nunca fui
ao médico! Mas e quantos anos a senhora tem mesmo? 78 e estufa o peito batendo
a mão. Estava amarela “como um canarinho, ela mesma me disse”. Ela ainda dizia:
não gosto de hospital, não que não goste de você, mas médicos essas coisas não
é para mim não. Tudo bem, eu dizia, não sou a maior fã também. Ríamos juntas.
Todos os dias, passou um mês, passaram-se dois. Quando podia, mesmo não estando
mais responsável por cuidar ela, ia dar um abraço, um sorriso, uma visita sem a
pretensão de examinar. O amarelo não saía. Ela que queria arrumar a casa,
passava o natal e o ano novo no hospital. A família toda me conhecia, pedia
informações, e muitas vezes um abraço. Quase impossível de fugir da curva de
morbi-mortalidade com os diagnósticos, eu ia “só” visitá-la. Contar do meu dia,
ouvir alguma história. Nunca existia tempo ruim. Mesmo um dia depois do outro
ela ir ficando mais sem ar, de repente não conseguia mais caminhar, os médicos
dizendo “manejo”. Dizia que ela era meu canarinho, e ela sorria. Está tudo bem?
Eu perguntava e ela sempre me dizia que sim. Ontem ela segurou o meu rosto e me
deu um beijo na testa e disse, continue sendo assim. Hoje ela estava sem ar, e
ela me olhou segurou a minha mão e disse “tudo bem” entre uma respiração
profunda e outra. Deixei a família cuidando, segurando a sua dela. Hora de
partir. Nos despedimos. Quando
estava no meio do corredor com o coração apertado, volto a um costume antigo de
desassossego e começo a assobiar a melodia: “Birds flying high you know how I feel/ Sun in the sky you know how I
feel / Reeds drifting on by you know how I feel / Its a new dawn it's a new day
its a new life for me / And I'm feeling good (...)”.
Voam abraços,
Mayara Floss
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