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13 abril 2016

Noite Feliz


The Starry Night - Vicent Van Gogh

“Noite feliz! Noite feliz!
Oh, Senhor, Deus do amor
Pobrezinho nasceu em Belém
Eis na Lapa Jesus nosso bem
Dorme em paz, oh, Jesus
Dorme em paz, oh, Jesus (...)”



- Como a senhora está?

- Estou bem, só quero ir para casa, logo é natal e temos que ensaiar para o Natal.

- É mesmo D. L. ...

- Sim, eu canto no coral e ela também – apontando para a acompanhante.

- Quais músicas vocês cantam?

- Ah várias...

- Cantam noite feliz?

- Sim...

E começamos a cantar na enfermaria do hospital por volta das 21 horas um mês antes do Natal Noite Feliz. Ela estava sem levantar da cama há dias, com o oxigênio e começou a cantar em alto e bom som Noite Feliz.

Na enfermaria cheia, com os cinco pacientes em seus leitos, seus acompanhantes, todos cantaram Noite Feliz sorrindo, dona L. era a maestra da noite com sua voz rouca e afinada.

Quando terminamos eu estava com os olhos cheios d’água e ela bateu na minha bochecha com um sorriso e uma vibração contagiante, como quem diz: “ensaiei para o Natal”. A acompanhante dela saiu do quarto emocionada para me abraçar.

Quando fui visitá-la no dia seguinte ela estava em um sono tranquilo, seguiu assim pelos próximos três meses, até que se foi como um sopro e uma canção.

Abraços que pousam,
Mayara Floss

16 março 2016

Conversa em quadrinhos [Mayara]

Para Júlio

A evolução clínica foi sobre quadrinhos,. Mas nada de quadrinhos Marvel ou grandes quadrinhos de super heróis. Foi Mickey, Tio Patinhas, Tex e Turma da Mônica. Entrei no quarto e vi a revistinha do Mickey, prato cheio para conversa. No meio da anamnese que parecia mais conversa de clube de gibi perguntava como ele estava.

O que você gosta mais de ler? - ele disse.
Eu gostava de Turma da Mônica, mas meu primo tinha Tex, também li alguns.
Nossa eu adorava Tex! Bang bang tenho as edições antigas em casa.
Tudo certo para engolir?
Tá bem melhor, depois dos caninhos tá bem melhor. Sabe que eu acho as histórias antigas bem melhores? Esse último gibi que comprei tá bem menos emocionante.
Depois de falar dos gibis acabamos completando uma página de palavras cruzadas juntos.
Acho que aqui é “rinoceronte”.
 Você é boa nisso.
E com está para ir aos pés?
 Tá bem doutora agora que estou comendo está melhor.
Deixa eu ver aqui acho que é “esverdeado”, isso!
Agora ficou difícil.
Posso examinar o senhor?
Claro. Você gosta mais de palavras cruzadas ou caça palavras?
Palavras cruzadas.
Olha aqui (me apontando a revista) eu adoro também jogo dos 7 erros.
É muito bom.  Respira fundo e solta o ar pela boca.
Sempre vem pouco jogo dos 7 erros nas revistas, eu também gosto.
Dormiu bem?
Sim, tudo tranquilo quero ir para casa, logo vai faltar revista.
Entendo, eu te empresto mais se precisar.
Vai ser ótimo, mas me manda para casa.
Tudo bem, vou ver mas eu não mando nada.

Manda bem nas cruzadinhas doutora. 

Voam abraços,
Mayara


09 março 2016

Mandala [Mayara]


Da série internato

Olá, bom dia! Como estamos?
Indo.
Eu só vim visitar... Te dar um abraço... não estou mais acompanhando o caso.
Mayara, adoro quando você vem me visitar.
O que você tem feito?
Estou cansada do Hospital, mas comecei a pintar para me ajudar a passar a dor. A psiquiatra, não, não é psiquiatra, como é mesmo?
A psicóloga?
Isso. Ela vem me visitar e traz esses desenhos, estou pintando.
Está gostando?
Sim, me ajuda a não pensar na dor. Quer ver minhas pinturas?
Claro.
(Sento na cama para olhar os desenhos)
Esse aqui é bem bonito... Gosto desse também.. Esse eu teria que ter mais cores...
Estão todos lindos!
Esse é mais delicado, tem esse amarelo aqui, eu gostei dele. Esses detalhes...
Ficou muito bonito mesmo.
Esse é para você. Quer?
Claro. Tem certeza?

É como você, leva. 

Voam abraços,
Mayara Floss

10 fevereiro 2016

Incompatibilidade de signos

Orloj - o antigo relógio de Praga

Da série Internato

- Doutora, qual é o seu nome?
- Mayara.
- Nome indígena né?
- Sim, é indígena.
- Doutora, qual é o seu signo?
- Câncer.
- Mas assim a gente tem incompatibilidade.
- Pois é... Qual é o seu?
- Capricórnio, signo de fogo.
- E o seu ascendente?
- Eu acho que é a lua.
- A doutora nem sabe o ascendente. Vocês sabem do corpo, assim, eu quero dizer do funcionamento. Mas do espirito e dos signos a gente sabe.
- Que bom – e um sorriso.
- Você cuida do corpo, e eu cuido do mapa astral, talvez a gente dê certo. Assim né, médico paciente.

- Tudo bem, você alinha os signos, eu alinho o corpo. 
- Assim fica ótimo!


Voam abraços,
Mayara Floss

21 janeiro 2016

Feeling good



Conheci os olhos amarelos dela. O fundo amarelo, o castanho azulado. Ia fazer a nota de internação: usa algum medicamento? Não! Nunca fui ao médico! Mas e quantos anos a senhora tem mesmo? 78 e estufa o peito batendo a mão. Estava amarela “como um canarinho, ela mesma me disse”. Ela ainda dizia: não gosto de hospital, não que não goste de você, mas médicos essas coisas não é para mim não. Tudo bem, eu dizia, não sou a maior fã também. Ríamos juntas. Todos os dias, passou um mês, passaram-se dois. Quando podia, mesmo não estando mais responsável por cuidar ela, ia dar um abraço, um sorriso, uma visita sem a pretensão de examinar. O amarelo não saía. Ela que queria arrumar a casa, passava o natal e o ano novo no hospital. A família toda me conhecia, pedia informações, e muitas vezes um abraço. Quase impossível de fugir da curva de morbi-mortalidade com os diagnósticos, eu ia “só” visitá-la. Contar do meu dia, ouvir alguma história. Nunca existia tempo ruim. Mesmo um dia depois do outro ela ir ficando mais sem ar, de repente não conseguia mais caminhar, os médicos dizendo “manejo”. Dizia que ela era meu canarinho, e ela sorria. Está tudo bem? Eu perguntava e ela sempre me dizia que sim. Ontem ela segurou o meu rosto e me deu um beijo na testa e disse, continue sendo assim. Hoje ela estava sem ar, e ela me olhou segurou a minha mão e disse “tudo bem” entre uma respiração profunda e outra. Deixei a família cuidando, segurando a sua dela. Hora de partir. Nos despedimos. Quando estava no meio do corredor com o coração apertado, volto a um costume antigo de desassossego e começo a assobiar a melodia: “Birds flying high you know how I feel/ Sun in the sky you know how I feel / Reeds drifting on by you know how I feel / Its a new dawn it's a new day its a new life for me / And I'm feeling good (...)”.

Voam abraços,
Mayara Floss

16 dezembro 2015

Cecília


Em Dezembro do ano passado em uma fazenda Saint Jean d'Alcas
 Da série: internato

Ela estava com dor de barriga mais cedo. Fui reavaliar.
Começo a palpar a barriga com cuidado.
Ela:
- Não moça, não! – e começa a “fugir das minhas mãos”.
Eu:
- Está com dor D. Cecília?
Ela:
- Não moça, suas mãos estão geladas. 

Voam abraços,
Mayara Floss

09 dezembro 2015

Graça




Da série: Internato

- Qual é a sua graça? – o paciente pergunta com a máscara e toda a dificuldade, não entendi. Ele disse de novo com mais força – Qual a sua graça? -.

Sempre fico meio sem graça quando perguntam isso, me lembra de outro paciente que não entendi a pergunta da “graça”. Expressão antiga, acho que não tenho graça. Digo, - Mayara -. Ele fecha os olhos e murmura – nome bonito.

Na mesma manhã, várias perguntas e anamnese eu seguro a mão dele e ele me diz – Minha filha tem o mesmo nome que você - . Olha para mim em um suspiro e fala – Eu estou com medo Letícia, ele olha para mim, não você não é Maria, você é a estudante - . Digo que sim, digo minha graça. Ele diz – Eu estou com medo Mayara, minha filha vem me visitar antes do procedimento, ela vem fazer uma oração, sou evangélico, Mayara... – silêncio e eu sorrio – Qual a sua religião Mayara? – digo: - sou de todas um pouco – e ele: - eu poderia ser seu pai Mayara -.

Na hora do almoço, quando todos estávamos com fome foi a hora que os aparelhos para fazer o exame no paciente chegaram. Precisávamos sedar. Pressa para entubar. Mas espera, a hora da visita estava por começar e o paciente não iria ver a sua filha, não ia fazer a oração. Sai correndo pela UTI, avisar o médico para deixar o paciente conversar com a sua filha. O procedimento era de urgência, mas nada mais urgente do que orar. Corri até o leito dele e disse que ia dar tempo de ver a filha, rápido, alguns minutos, e vi do lado de fora ela chegar e abraçar o pai, beijar a testa dele, abrir a bíblia e ler algumas frases segurando a mão dele.

Ele diz antes da sedação: - Muito obrigado Mayara e sorri.

Corre a sedação. Tubo, 5, prepara tudo.

No final, o procedimento foi bem. Paciente respirando com o tubo em AIRE (sem ventilação mecânica).

Dormiu toda a tarde. E almocei mais tarde.

No dia seguinte. Ele me disse: - Dormi um sono bom Maria, não vi nada - . Eu respondo: - que bom!

 – Ele diz mas não é Maria, é Mayara, né? Digo que sim. Conversamos sobre Rio Grande, sobre como está o tempo lá fora, sobre a vontade de viver, e ele me diz: - Antes eu não valorizava um copo de água, Mayara, agora tudo que eu quero é tomar água, até o sabor é diferente – e levanta um copo de água que foi liberado para ele tomar. Antes de sair do quarto ele me diz: - temos que valorizar  as coisas pequenas, Mayara, não esqueça.

No meio da tarde precisamos fazer uma paracentese diagnóstica. Explico para ele.

Ele diz: - É a primeira vez que você vai fazer?

Eu digo:

- Sim.

Ele:

- Vou ser sua cobaia, Mayara? -

Eu:

 - Não,  o médico vai estar do meu lado e vou tentar ser o mais gentil possível.

Ele:

- Mayara, eu entendo, pode aprender comigo.

Eu digo timidamente:

- Muito obrigada.

Ele:

- Eu estou com medo de novo, Mayara.

Eu:

- Mas dessa vez você vai ficar acordado.

Ele:

- Eu não gosto de agulhas.

Eu:
- Mas quem gosta? – e explico da forma mais simples que consigo sobre o procedimento (uma paracentese).

Ele:

- Então você vai colocar uma torneira para tirar água da minha barriga?

Eu:

- Mais ou menos isso. 

Voam abraços,
Mayara Floss

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